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24 de abril de 2012
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17:17

Líder partidário usa laranjas para dirigir ONG que vive de dinheiro público

Por
Sul 21
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Felipe Prestes

“O Senhor Italgani não é membro da diretoria do Instituto. O Senhor Italgani é consultor do Instituto”. Causou estranheza à reportagem esta afirmação, feita pelo advogado do Instituto Nacional América (INA), Armênio de Oliveira dos Santos, em meio a uma confusa reunião da Comissão de Educação, Cultura, Esporte e Juventude (Cece) da Câmara Municipal de Porto Alegre, realizada em dezembro do ano passado. A comissão tratava de convênios entre a Prefeitura e o Instituto Ronaldinho Gaúcho, que, por sua vez, subcontratara outra ONG, o Instituto Nacional América (INA). “Basta a senhora (vereadora Fernanda Melchionna, do PSOL) verificar no documento aí a Ata de eleição e o Estatuto do Instituto Nacional América (INA)”, completou Armênio.

Leia mais:
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– ONG contratada pelo Instituto Ronaldinho está sob suspeita do MPF

O Sul21 verificou. De fato, o nome de Italgani Mendes de Almeida não consta em nenhuma das diretorias já eleitas pelos associados do INA. A constatação é intrigante, porque Italgani aparece como diretor da ONG em diversas matérias do site da própria instituição. Até ficar em evidência por suspeitas de malversação de verbas públicas, o próprio INA chamava Italgani de diretor, mesmo que no cartório ele não seja. Muitos outros indícios dão a entender que apenas no cartório ele não era diretor, cargo que, de fato, ocupa.

Matéria do próprio site do INA registra Italgani Mendes como "diretor do instituto". Clique na imagem para ampliar | Arte: Ramiro Furquim/Sul21

É de se perguntar que motivos alguém que coordena uma ONG tem para ocultar seu nome. Em geral, isto é feito para que alguém lucre em entidades que deveriam ser sem fins lucrativos. No caso particular de Italgani, outro fator contribui para que ele esconda sua condição de mandatário no INA: Italgani é um peemedebista influente no Estado; e o INA, uma ONG que sobrevive à custa de dinheiro público. Desde a criação da entidade, Italgani já ocupou, inclusive, cargos públicos, como o de diretor-técnico da Fundação de Esporte e Lazer do Rio Grande do Sul (Fundergs), mesmo chefiando uma ONG que atua em parceria com governos.

Com esta vinculação partidária, o INA conseguiu dinheiro público quando tinha menos de um mês de vida e também, recentemente, uma emenda parlamentar de R$ 3 milhões do Governo Federal para a realização do Plano Setorial de Qualificação (Planseq) Turismo, concedida estranhamente por um deputado do PSC do Rio de Janeiro. A execução do programa pela ONG caiu no pente-fino dos convênios federais e foi suspensa.

Casa de Italgani fica no mesmo endereço do INA

As provas de que Italgani é quem manda no Instituto Nacional América são fartas. Além de constar como diretor em várias matérias no próprio site da ONG, o nome de Italgani aparece com esta função em sites de órgãos governamentais com os quais a entidade teve convênios e em matérias de veículos jornalísticos. No dia 16 de junho do ano passado, a Prefeitura de Porto Alegre e o INA firmaram um convênio para implantar o Plano Setorial de Qualificação (Planseq) Turismo na cidade. Italgani Mendes de Almeida foi quem assinou o convênio pelo INA, ao lado da assinatura do secretário municipal de Turismo, Luis Fernando Morais.

Notícia do site da Prefeitura de Porto Alegre registra assinatura de termo de cooperação com o INA. Italgani é creditado como "diretor" do Instituto. Clique na imagem para ampliar | Arte: Ramiro Furquim/Sul21

É, no mínimo, curioso imaginar que um consultor assine convênios em nome da ONG. Nem a Prefeitura acreditou, colocando no seu site que “o termo foi assinado pelo secretário municipal de Turismo, Luiz Fernando Moraes, e o diretor do INA, Italgani Almeida”. Quatro dias depois, Italgani foi — de novo — o representante do INA durante assinatura de convênio com a Prefeitura de Eldorado do Sul. O site da Prefeitura definiu Italgani como “diretor-técnico” da ONG.

Mas as maiores evidências residem em uma empresa da qual Italgani é sócio, a Eccos Corretora de Seguros Ltda. O INA atua no ramo da intermediação de estágios com o nome fantasia Eccos Estágios, mesmo nome da corretora do peemedebista. O INA e a Eccos Corretora de Seguros, aliás, ficam no mesmo endereço, no município de Camaquã.

Documentos da Junta Comercial gaúcha mostram que o endereço onde está sediado o INA é sede da empresa de seguros de Italgani desde 1993. O endereço de Italgani em Camaquã é, pelo menos desde 1996, o mesmo endereço da Eccos Corretora e do INA, em uma peça diferente do mesmo imóvel. Italgani alega não ser o manda-chuva do INA, mas a instituição fica na sua casa.

Documentos da Junta Comercial mostram que Italgani Mendes de Almeida reside no mesmo local onde está sediada a Eccos Corretora de Seguros. Clique na imagem para ampliar | Arte: Ramiro Furquim/Sul21
O mesmo endereço, no município de Camaquã, aparece neste documento como sendo a sede do Instituto Nacional América. Clique na imagem para ampliar | Arte: Ramiro Furquim/Sul21

Além disto, não só Italgani trabalha como consultor no Instituto, como pessoas de sua família. A esposa de Italgani trabalha no setor financeiro da Eccos Estágios, conforme a própria relata na rede social Facebook. Uma filha do consultor do INA também trabalha lá, o que também pode ser visto na rede social.

Na sessão da Câmara de Porto Alegre, referida no início da reportagem, chamou atenção o fato de que Armênio de Oliveira dos Santos compareceu acompanhado pelo presidente, no papel, do Instituto Nacional América, Carlos Ernani Ranheiri Filho. O suposto presidente não emitiu uma palavra durante toda a sessão. Quem falou pelo INA e respondeu toda e qualquer pergunta dos vereadores foi Armênio, portando procuração. Ranheiri quedou-se sentado, mudo como uma estátua. A sessão era para esclarecer dúvidas sobre a execução do projeto Jogos de Verão – dúvidas que um presidente estaria bem mais capacitado do que um advogado para responder.

Italgani Mendes se defende, mas cai em contradições

O Sul21 procurou Italgani Mendes para ouvir sua versão. Na conversa telefônica, que está gravada, ele reforçou ser apenas um consultor do INA. Mendes disse que o Instituto tem um contrato de aluguel para utilizar uma sala em seu imóvel, separada de sua residência. “É sala comercial que tem embaixo. É um contrato de aluguel, que é rigorosamente pago. Não é na minha casa, não é no meu apartamento. Tem um apartamento em cima e duas salas embaixo. Existe um aluguel e existe um pagamento”, disse. Sobre a coincidência entre o nome Eccos Estágios e a Eccos Corretora de Seguros, acabou caindo em uma das várias contradições que teve durante a conversa de pouco mais de dez minutos.

Chamou a atenção da reportagem, por exemplo, que Italgani seguidamente se referia ao INA como “nós” ou “a gente”. “Na realidade, quando a gente abriu em 2004, 2005, eu já trabalhava no Instituto. Aí depois eu saí para ir trabalhar no Estado”, disse em determinado trecho. “O que eu acho engraçado desta CPI é que parece que não é o Ronaldinho que está sendo investigado, quem está sendo investigado é nós (sic)”, afirmou também. O trecho mais significativo foi quando Italgani chamou a ONG de “nossa empresa” e sorriu, desconcertado, quando a reportagem o fez notar o que havia dito:

Italgani: Então, agora não tem mais nada a ver com o Ronaldinho, agora tu queres saber da nossa empresa?

Sul21: Sim. Da nossa empresa?

Italgani: Do nosso instituto.

Sul21: Da nossa empresa?

Italgani: É (riso nervoso).

Sul21: Opa.

Italgani: Dos serviços que a gente prestou. Das coisas que a gente fez no projeto da Copa.

Sul21: Olha, está gravado aqui a ‘nossa empresa’.

Italgani: Não tem problema nenhum. Não tenho nada para esconder de ninguém. A gente fez um projeto de capacitação, que eu fui consultor em 13 cidades. Agora, se tu queres que eu faça parte do Instituto, eu vou lá amanhã e peço para o presidente me botar. Não tem problema nenhum, ele vai lá e me bota.

***

Outra contradição de Italgani foi quando disse não ser mais vinculado ao Instituto Nacional América. Ele afirmou que só é contratado como consultor quando há projetos em curso como o Planseq Turismo, trabalhando para a ONG apenas quando o projeto está sendo desenvolvido. “Hoje eu não sou consultor do Instituto. Não tenho vínculo nenhum com o Instituto”, garantiu. Minutos antes, a reportagem havia ligado para o INA e perguntado por Italgani: “Ele só vem na terça (dia seguinte à ligação)”, respondeu a atendente.

***

A terceira contradição de Italgani revelou-se quando foi confrontado com o fato de o nome fantasia Eccos Estágios ser o mesmo de sua empresa corretora de seguros. A primeira reação do peemedebista foi tergiversar:

Sul21: Porque a Eccos Estágios tem o mesmo nome da tua empresa?

Italgani: De qual empresa?

Sul21: Corretora de seguros.

Italgani: Eccos Estágios tem o mesmo nome do quê?

Sul21: Da tua empresa de seguros.

Italgani: Qual empresa de seguros?

Sul21: Eccos Corretora de Seguros.

Em seguida, Italgani disse que a empresa de seguros teria sido fechada há mais de 20 anos. “Não, isto já foi dado baixa há mais de 20 anos. Mais de 20 anos que a gente não tem mais nada da corretora de seguros”, garantiu o consultor. A empresa, porém, nem poderia ter fechado há mais de 20 anos, porque ela foi criada há 20 anos, em 1992.

Ao ser informado de que a reportagem acessara os documentos da empresa na Junta Comercial, Italgani disse que poderia haver um engano dos órgãos oficiais, mas manteve a versão de que a corretora não funciona há mais de 20 anos, ou seja, antes mesmo de sua existência. “Só se houve algum engano que não foi dado baixa, mas esta Eccos faz mais de 20 anos que não opera com ninguém. É só tu ligar para a Prefeitura que tu vais ver que não tem talão. Acho que tu deverias verificar, ver se foi tirado talão, ver se ela opera. Por ela não ter sido dado baixa na Receita, daqui a pouco tu pensas que ela está operando, mas não está”, explicou.

A reportagem, então, informou que a última alteração no Contrato Social da empresa fora em 2001. “2001, nós estamos em 2012. A última vez que operou deve ter sido em 2001 então”, corrigiu Italgani, modificando sua versão. Em seguida, o Sul21 sustentou que a coincidência de nomes se mantinha independentemente da data em que havia sido fechada a corretora. O peemedebista retrucou com o argumento de que Eccos Estágios é apenas um nome fantasia, o que também não muda a coincidência. “Não tem nada a ver uma coisa com a outra. Eccos Estágios é um nome fantasia, não existe”, disse.

O Sul21 perguntou também sobre toda a coincidência de uma empresa de Italgani com o mesmo nome fantasia do INA, ambas no mesmo endereço, que também é o endereço do próprio Italgani. “Tem alguma coisa ilegal nisto? Está devendo alguma coisa? Tem imposto que não foi pago?”, respondeu. A reportagem retrucou que eram evidências de que ele era dono do INA e indícios do uso de laranjas. Italgani negou veementemente, reforçou que quem manda é o presidente, Carlos Ernani Ranheiri Filho, e que associações não têm dono.

INA conseguiu R$ 3 milhões em emenda parlamentar de deputado carioca

O Instituto Nacional América conseguiu no orçamento de 2011 uma quantia para executar o Plano Setorial de Qualificação (Planseq) Turismo, que serve para qualificar profissionais do turismo, tendo em vista a Copa do Mundo. O INA receberia R$ 3 milhões por meio de emenda parlamentar, para oferecer cursos a 3.662 pessoas em 20 cidades gaúchas.

Chama atenção que a emenda partiu do deputado Filipe Pereira, do PSC do Rio de Janeiro. É incomum parlamentares destinarem verbas para outros estados, uma vez que buscam contemplar seus eleitores. O Sul21 procura o deputado Filipe Pereira (PSC-RJ), desde o dia 13 de abril, sem sucesso, mas sua assessoria de imprensa já forneceu algumas informações desencontradas para a reportagem, como que “esta ONG aí tem uma filial no Rio de Janeiro”, ou “esta emenda não foi atendida”.

Deputado federal Filipe Pereira, do PSC do Rio de Janeiro, destinou emenda parlamentar ao Instituto Nacional América; assessoria alegou que INA possui uma filial no RJ, o que não é correto. Clique na imagem para ampliar | Arte: Ramiro Furquim/Sul21

O convênio teve início no dia 31 de dezembro de 2010 e duraria até abril de 2012. A entidade acabou recebendo apenas um repasse, de R$ 1,5 milhão, em abril de 2011, porque está impedida de receber recursos federais. No início de março de 2012, o Governo Federal divulgou uma lista com 164 ONGs que estão impedidas de receber repasses por suspeitas de irregularidades, depois que a presidenta Dilma Rousseff determinou um pente-fino nos contratos com ONGs. O Governo está fazendo uma Tomada de Contas Especial no convênio. Pesa contra o INA também uma proibição de participar de licitações com o Ministério da Educação e suas unidades por dois anos, desde o dia 25 de fevereiro de 2011, porque desistiu de participar de uma licitação em andamento para atuar como agente integrador de estágios.

Uma análise das atas do Instituto Nacional América registradas em cartório mostra que a entidade não possuía qualquer gabarito para trabalhar com turismo. Até três meses antes de ser firmado o convênio, não havia qualquer menção em seu estatuto sobre atividades relacionadas ao turismo. Em uma reunião no dia 4 de outubro de 2010, menos de três meses antes de assinar convênio com o Governo Federal para executar o Planseq Turismo, o INA mudou seu estatuto, incluindo no artigo 1º, que trata da finalidade da ONG, a atuação no “desenvolvimento e fomento do turismo interno e da promoção e divulgação do Brasil no Exterior”.

Divulgação / PMPA
Italgani (de terno cinza) esteve presente na assinatura de termo de cooperação entre a Secretaria Municipal de Turismo de Porto Alegre e o INA, mesmo sendo supostamente apenas consultor do Instituto | Foto: Divulgação / PMPA

ONG tem relação com governos desde o nascedouro

Criado em 18 de fevereiro de 2005, o Instituto Nacional América foi definido em seu primeiro estatuto como “uma associação de fins beneficentes, econômicos sociais sem fins lucrativos, apartidária” e que “tem por fim atuar diretamente no desenvolvimento de projetos sociais, culturais, educacionais, esportivos para a consolidação”. Uma análise acurada no site da entidade, porém, não encontra projetos sociais desenvolvidos por ela. O site registra apenas a execução de projetos governamentais. As notícias todas do site do INA tratam do Planseq Turismo. Além de atuar com convênios, recebendo dinheiro público, o INA se resume à intermediação de estágios, sob o nome fantasia Eccos Estágios, como já referido anteriormente.

O INA já nasce atrelado a dinheiro público. Fundada no dia 18 de fevereiro de 2005, a instituição obteve dinheiro público pela primeira vez apenas dezenove dias depois. No dia 9 de março, foi firmado um convênio entre o Instituto e a Fundergs para a realização do Campeonato Praiano de Chuvisca. A ONG recebeu R$ 9.136 para a realização do campeonato. A Fundergs era dirigida pelo peemedebista Luiz Celso Giacomini.

Diário Oficial mostra que com dezenove dias de vida INA consegue liberação de recursos para campeonato de futebol | Arte: Ramiro Furquim/Sul21

Em julho de 2006, o Instituto Nacional América amplia suas atividades para a intermediação de estágios e adota o nome fantasia Eccos Estágios. Também nesta atividade, o INA se relaciona com governos. Apenas seis meses depois de entrar no ramo da intermediação de estágios, a Secretaria Estadual de Educação aprovou a entidade como intermediadora de vagas para alunos da rede pública estadual, durante o Governo Rigotto. Neste tipo de convênio, não há dinheiro público: a ONG recebe da empresa contratante, não do Governo, um percentual do valor pago ao estagiário. A Secretaria precisa apenas autorizar e zelar pelo bom andamento dos estágios. Há também casos em que os governos são contratantes de estagiários intermediados pela Eccos Estágios. As principais ofertas de estágio destacadas no site da entidade são nas prefeituras de Marau e Pelotas. A única instituição não estatal que aparece na página atualmente é o SESC-RS.

Acumulam-se suspeitas de má versação de dinheiro público contra Italgani e INA

Em 2007, mudanças no estatuto da entidade já demonstram um crescimento, abrindo a possibilidade de o INA abrir escritórios e filiais em qualquer parte do território nacional – uma nova sede seria aberta em Porto Alegre, mas apenas no final de 2010. Ainda em 2007, a Cooperativa de Trabalho dos Profissionais do Esporte (Coopespor), de São Paulo, firmou um convênio com o Ministério do Esporte, para executar o Programa Segundo Tempo. O INA foi subcontratado pela ONG paulista para executar o programa em municípios gaúchos.

Neste período, Italgani Mendes atuava como diretor-técnico da Fundergs, nomeado pela então governadora Yeda Crusius. Italgani foi um dos articuladores de um convênio entre a Fundação e o Ministério do Esporte, para que o órgão público executasse o Programa Segundo Tempo. A ONG e a fundação pública onde Italgani trabalhava executaram o mesmo programa, durante o mesmo período no Rio Grande do Sul.

O Instituto Nacional América executou o programa sem maiores percalços, mas a Fundergs teve seu convênio rescindido pelo Ministério do Esporte em dezembro de 2010. A Fundergs demorou cerca de dois anos para começar o programa e acabou sendo obrigada a devolver R$ 169 mil. Em sindicância, Italgani Mendes de Almeida é um dos gestores investigados pela PGE. O relatório da sindicância foi aprovado pela atual gestão da Fundergs e agora se encontra na Procuradoria de Probidade Administrativa, órgão da Procuradoria-Geral do Estado (PGE), onde será feito o processo administrativo, de fato, com oitivas dos ex-gestores.

Um convênio em que o Instituto Nacional América só participou indiretamente colocou a entidade no foco de suspeitas. Em 2008, a Prefeitura de Porto Alegre firmou convênio com o Instituto Ronaldinho Gaúcho (IRG) para a execução do programa Jogos de Verão, com verba do Ministério da Justiça. O INA foi subcontratado pelo IRG, por meio de licitação, para preparar o projeto executivo, elaborar materiais didáticos e selecionar profissionais para ministrar as oficinas das mais variadas disciplinas, com teatro, hip hop e saúde bucal, segundo o advogado Armênio de Oliveira dos Santos.

Foram investidos R$ 2,3 milhões pelo Ministério da Justiça e R$ 51 mil como contrapartida pela Prefeitura. O secretário municipal de Governança, Cezar Busatto, revelou que o Município está cobrando R$ 354 mil do Instituto Ronaldinho Gaúcho por verbas que teriam sido mal utilizadas na execução do programa. Ainda cabe defesa à entidade. O vereador Mauro Pinheiro (PT) suspeita que haja superfaturamento nos repasses ao Instituto Nacional América. O INA recebeu R$ 479 mil e apresentou notas fiscais genéricas, uma para cada mês do projeto, sem descrição detalhada de cada atividade ou material com seu respectivo custo. As irregularidades neste programa e no Letras e Gols, ambos tocados pelo Instituto Ronaldinho Gaúcho, fizeram com que a Câmara Municipal desencadeasse uma CPI para investigar os dois convênios.

A influência de Italgani no PMDB

O estatuto do INA garante que a entidade é “apartidária”. Contudo, Italgani Mendes não é um filiado daqueles que têm mera ficha em um partido, sem nenhuma participação política, ou ainda alguém que somente se engaja na defesa das ideias de uma sigla. Filiado desde 1995, Italgani foi nomeado diretor-técnico da Fundação de Esporte e Lazer do Rio Grande do Sul (Fundergs) no início do Governo Yeda Crusius, em 2007, permanecendo no cargo até 22 de maio de 2010.

Depois de ser exonerado, Mendes não ficou muito tempo sem emprego público. No dia 4 de julho daquele ano, foi nomeado assessor do então deputado estadual Luis Fernando Zachia, colega de partido. Zachia deixou a Assembleia Legislativa no final daquela legislatura e Italgani passou a assessorar Marco Alba, também do PMDB. Foi exonerado do gabinete de Zachia em 31 de dezembro de 2010 e dezessete dias depois nomeado assessor de Alba, cargo no qual permaneceu até o dia 4 de maio de 2011. No finalzinho de 2010, Italgani figurou na nominata da chapa Renovar Faz Bem ao diretório estadual do PMDB, liderada por Alba.

O advogado que defende o INA em mais de uma causa, Armênio de Oliveira dos Santos, também é filiado ao PMDB, desde 1990, e ocupou cargos políticos relevantes. Durante o governo estadual do peemedebista Germano Rigotto, Armênio foi chefe-de-gabinete da Secretaria de Desenvolvimento e Assuntos Internacionais e secretário substituto da Secretaria de Habitação e Desenvolvimento Urbano, chegando a se tornar por breve período titular da pasta. Em 2007, foi superintendente-geral da Assembleia Legislativa, na gestão do peemedebista Alceu Moreira, de quem se tornou chefe-de-gabinete nos três anos seguintes da legislatura.

Quem é sócio de ONG não recebe, quem não é pode receber

O Sul21 ouviu o advogado Tarso Cabral Violin, especialista em Direito Público e autor do livro Terceiro Setor e as Parcerias com a Administração Pública: uma análise crítica. Sem se ater ao caso do Instituto Nacional América, sobre o qual não tem conhecimento, Cabral explicou que é uma prática recorrente a presença de laranjas nos quadros diretivos de ONGs, pois grande parte delas deve ser sem fins lucrativos, mas não estão proibidas de ter empregados ou pagar por serviços prestados. Assim, quem faz parte do quadro associativo não pode receber, mas quem não faz parte, pode. “Dependendo da ONG, não pode remunerar seus diretores. Então, para poderem ser remunerados, eles não se colocam como diretores. Não diria que é comum, porque a maioria das ONGs não o faz, mas é algo recorrente”.

No caso do Instituto Nacional América, o artigo 24º de seu estatuto deixa claro que não há qualquer tipo de provento a associados e dirigentes. “O Instituto não distribui resultados, dividendos, bonificações, participações ou parcela de patrimônio, sob nenhuma forma ou pretexto para os associados, membros da Diretoria e do Conselho Fiscal”, diz o documento.

Reuniao sobre questoes envolvendo Instituto Ronaldinho Gaucho.
Armênio, à direita, fala pela ONG; o presidente, no centro, nada declarou sobre a entidade | Foto: Elson Sempé Pedroso/CMPA

Não é vantajoso financeiramente, portanto, ser associado do Instituto. Mas prestar serviço e conseguir empregos para familiares, sim. Além disto, ao se defender Italgani acabou revelando que recebe um “aluguel” de seu imóvel em Camaquã, onde fica a sede do INA. Italgani não quis revelar quanto já recebeu como consultor. O advogado Armênio de Oliveira dos Santos, procurado pela reportagem, afirmou que não tem procuração para defender irrestritamente o Instituto, mas apenas em causas nas quais é contratado para trabalhar. O presidente do INA, Carlos Ernani Ranheiri Filho, não atendeu nem retornou reiteradas ligações do Sul21 durante os dias 17 e 18 de abril, para responder quanto Italgani e sua família recebem, além do aluguel da casa.

Algo também recorrente entre entidades ditas beneficentes é atuarem de maneira bastante semelhante a uma empresa, outra explicação que o presidente poderia dar caso falasse com o Sul21. A reportagem ligou para a Eccos Estágios, passando-se por um empresário em busca de estagiários para sondar o percentual cobrado pela entidade sobre a bolsa. A reportagem foi informada de que o usual era 15%, mas que poderia haver um desconto para até 10%, dependendo do número de estagiários. A atendente fez questão de frisar que o Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE), um dos líderes na intermediação de estágios, cobrava 20%. A ONG, portanto, tem concorrentes. Outro serviço prestado pelo Instituto Nacional América foi a gestão de imagem de jogadores profissionais e amadores do Sport Club Ulbra, algo que é feito normalmente por empresas.

Tarso Cabral Violin explicou porque é vantajoso ter uma ONG, ao invés de uma empresa. Segundo ele, alguns tipos de organizações têm vantagens tributárias em relação a empresas. Na sessão da Câmara dos Vereadores, o advogado Armênio de Oliveira deixou claro que a entidade é isenta de Imposto Sobre Serviços (ISS). Outra vantagem diz respeito exatamente às parcerias com governos. “As empresas privadas não podem assinar parcerias de gestão, convênios. Existem normas federais que impedem entidades lucrativas de firmar convênios”, afirmou Violin.

Crítico da atual relação entre ONGs e Estado, Violin explicou que ela serve para que os governos burlem a legislação de licitações e de concursos públicos, privatizando os serviços públicos. As parcerias ou convênios não precisam ser feitas por licitação e os funcionários são contratados pela entidade privada, sem concurso público e sem todos os encargos trabalhistas que o Estado paga aos funcionários públicos. “As ONGs são utilizadas muitas vezes para a privatização de serviços públicos. Em vez de o Estado manter um hospital, por exemplo, ele faz parceria com uma entidade. Isto burla a licitação e os concursos públicos”.

O especialista em Direito Público também critica as ONGs que dependem de governos. Para Tarso Cabral Violin, a designação “não-governamental” passa a ser enganosa. “Quando as entidades não conseguem sobreviver sem os governos, elas deixam de ser não-governamentais”.


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