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17 de abril de 2012
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09:00

Cobradora e motorista relatam conduta da BM no caso dos africanos

Por
Sul 21
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Sagesse e Tibulle foram algemados e levados para posto da Brigada Militar na Redenção no dia 17 de janeiro | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Samir Oliveira

Há exatamente três meses, Sagesse Ilunga Kalala, da República Democrática do Congo, e Tibulle Aymar Sedjro, do Benin, foram abordados por uma policial militar dentro de um ônibus da linha Campus-Ipiranga em Porto Alegre. Os dois estudantes intercambistas, que atualmente vivem em Rio Grande, até hoje tentam entender por que foram retirados do coletivo sob a mira de uma arma, algemados e enviados ao posto da Brigada Militar no Parque Farroupilha.

O Sul21 vem acompanhando o caso e obteve o depoimento que a cobradora e o motorista do ônibus prestaram internamente à Carris sobre o assunto. Eles relataram que a abordagem da BM foi violenta e demonstraram preocupação em relação a Sagesse e Tibulle, que garantiram serem passageiros já conhecidos por utilizarem bastante a linha Campus-Ipiranga.

Leia mais:
– Brigada Militar absolve policial acusada de racismo contra africanos.

Em seu depoimento, o condutor do coletivo diz que os dois africanos “desceram (do ônibus) mesmo sem entender o que estava acontecendo” e que um deles resistiu ao ser algemado. “O outro, que era maior, não quis ser algemado, então vários brigadianos prensaram o rapaz contra o ônibus e o algemaram à força”, conta, acrescentando que um dos meninos “foi bem contrariado para dentro da viatura”.

Relato da cobradora que estava no ônibus em que ocorreu a abordagem policial | Arte: Ramiro Furquim/Sul21

O condutor ainda comenta que, na sua opinião, a policial “agiu de forma errada”. “Os dois passageiros são efetivos na linha. Ela poderia ter perguntado para a cobradora se os dois eram conhecidos”, sugere o motorista em seu depoimento à Carris.

No relato da cobradora, ela demonstra que estava preocupada com a situação a qual estavam submetidos Sagesse e Tibulle. “Fiquei preocupada com os dois rapazes, por serem nossos passageiros efetivos”, conta. Ela também lembra que “um deles tentou explicar e queria pegar algo no bolso para mostrar aos brigadianos” e acrescenta que “foi revistada a mochila deles e, até onde eu vi, nada foi encontrado”.

A cobradora também diz que, no momento em que estavam sendo revistados, do lado de fora do ônibus, a policial que iniciou a abordagem “perguntava para eles se eles estavam gostando”. Assim como o motorista, ela recorda que um dos dois foi algemado “com muita resistência” antes de ser colocado dentro da viatura.

Brigada Militar diz que um dos meninos estava com a mão embaixo do casaco

O Inquérito Policial-Militar (IPM) que investigou internamente a conduta dos brigadianos na abordagem de Sagesse Ilunga Kalala e Tibulle Aymar Sedjro concluiu, na semana retrasada, que a policial que iniciou a ação agiu “dentro da técnica” da corporação e que não cometeu nenhuma irregularidade. Somente outros dois policiais foram indiciados, mas não por alguma conduta indevida em relação aos africanos, e sim por terem cometido falso testemunho ao afirmarem que não teriam participado do ocorrido quando.

O IPM foi conduzido pelo 9º Batalhão da Brigada Militar – que abrange a região onde o fato ocorreu – e, nesta segunda-feira, o comandante, major Renato Maia, e o subcomandante, major André Córdova, da unidade receberam a reportagem do Sul21 para conversar sobre o caso.

Subcomandante (esquerda) e comandante (direita) do 9º Batalhão conversaram sobre o caso com o Sul21 | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Eles disseram que, de acordo com a apuração feita pelo IPM, a brigadiana só iniciou a abordagem porque Sagesse e Tibulle estavam olhando para ela e rindo, e um deles estava com uma mão embaixo do casaco. “Eles conversavam e olhavam insistentemente para ela. Davam risadas e o que estava no banco de trás estava com a mão embaixo da camisa segurando um volume que ela não sabia o que era”, conta o major Maia. Após todo o procedimento, os policiais constataram que o rapaz estava segurando seu celular.

O oficial diz que “não existiu” racismo nesse caso. “Eles não aceitaram a abordagem, não queriam sair do ônibus e tiveram que ser retirados de forma coercitiva. Por isso levaram para a questão do racismo, mas não existiu isso”, entende o major. “Ela desconfiou do posicionamento deles. É facultado a todos os policiais militares fazer uma abordagem quando uma pessoa estiver com procedimentos suspeitos”, justifica.

O subcomandante do 9º Batalhão, André Córdova, também defende a postura da brigadiana. “Em qualquer do lugar do mundo alguém rindo para um policial, fazendo brincadeiras e colocando a mão numa condição de dúvida não pressupõe uma atitude suspeita para qualquer investigador?”, questiona, acrescentando que “não tem lugar no mundo em que isso não seja situação suficiente para justificar uma abordagem”.

Relato do motorista que estava dirigindo o ônibus onde ocorreu a detenção de Sagesse e Tibulle | Arte: Ramiro Furquim/Sul21

Questionados sobre a necessidade de Sagesse e Tibulle serem levados ao posto da Brigada Militar na Redenção, os oficiais explicaram que eles só foram devidamente identificados na sede policial, e não do lado de fora do ônibus, durante a revista. E eles também não negam que Tibulle teria recebido uma gravata de um dos brigadianos para entrar na viatura – como acusa o africano.

“Se tiver que imobilizar utilizando força física, uma gravata é muito menos danoso”, comentou o major Córdova, observando que, “dentro de uma escala de proporcionalidade do uso da força, é bem baixo”, referindo-se ao golpe de gravata.

Os responsáveis pelo Inquérito Policial-Militar que investigou o caso negam que um dos policiais que recebeu os africanos no posto da Redenção, que seria também negro, teria apontado para a própria pele e dito: “Isso no Brasil sempre aconteceu e vai acontecer de novo”. De acordo com os oficiais, havia apenas um brigadiano negro no local e ele negou ter dito isso aos jovens.


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