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11 de março de 2012
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08:40

O som da gaita anuncia a chegada do afiador de facas

Por
Sul 21
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André Carvalho

Raros são os porto-alegrenses que não conhecem o som da gaita do vídeo abaixo:

É assim que Alexandre, um dos três afiadores que ainda atuam na capital, avisa as pessoas que ele está passando pela rua com a sua bicicleta, pronto para afiar os mais diversos materiais de corte. Desde facas e tesouras comuns até facões, machados e peças de colecionador. “Quando eu estou na rua e começo a tocar a gaita, tem gente que ouve lá do alto de um prédio e já desce pra me dar algum material pra afiar. As vezes o cliente grita lá de cima pra não deixar que eu me vá”, explica.

Com sua gaita, o afiador avisa a vizinhança de sua presença na rua | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Morador de Viamão, pai de quatro filhas e quatro filhos, ele vem todos os dias a Porto Alegre para praticar o ofício que aprendeu com o seu pai há 20 anos, atendendo os mais variados clientes, inclusive restaurantes, salões de beleza e açougues. “Quando meu pai completou 81 anos, resolveu se aposentar, após 60 anos de profissão, e eu herdei a clientela dele, além daqueles que eu já atendia. Hoje atendo entre cinco a oito clientes por dia. É só me ligar que eu atendo”, garante. E não tem como não achá-lo: com um celular de quatro chips, ele atende a qualquer operadora.

Com a roda de trás presa, Alexandre utiliza a bicicleta para afiar as facas | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Bicicleta: um meio de transporte e um meio de trabalho

Alexandre percorre a cidade das 8 às 14h, pedalando a sua bicicleta. Totalmente adaptada para o trabalho, ela serve não apenas para locomoção, mas também como o instrumento que usa para afiar. Segundo conta, o desenho da bicicleta remodelada é todo dele – só precisou de ajuda de um serralheiro para fazer a mesa presa no guidão. “O serralheiro fez essa mesa para segurar o esmeril e o rebolo (pedras utilizadas para afiação) e o engate que tem na roda de trás fui eu que coloquei. Daí eu prendo uma correia na mesa e no engate da roda. Com a bicicleta presa por um pezinho especial, que não faz ela andar, eu começo a pedalar e as pedras a girar”, comenta, orgulhoso da engenhoca.

O afiador aponta o o dedo que cortou em serviço | Foto/Ramiro Furquim/Sul21

Além disso, ele faz questão de contar a função das pedras com que trabalha. “Elas são boas só pra afiar. O rebolo, que é a pedra maior, é pra material pesado. Machado, facão, tesourão de grama. Tanto é que se tu passar a mão, tu vai ver que ela é bem mais áspera. Já o esmeril é para material simples, faca, tesoura comum”. Entretanto, ele recomenda que enquanto estiver pedalando ninguém ponha a mão nas pedras. “Já aconteceu de eu mesmo me acidentar feio. Tive que levar ponto. Tava afiando uma tesoura e aí ela escapou e pegou no dedo. Nossa, que dor, chegou a aparecer o osso. O cliente teve que me levar no hospital ainda. Bah, se chega a pegar a mão ali, já era”.

Enquanto pedala, as pedras giram para a afiação | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

“A rua é meu escritório”

Apesar de alguns riscos, Alexandre afirma gostar do seu trabalho. “Trabalhar na rua é muito bom. Eu gosto de estar na rua. Menos quando chove, daí nem venho pra Porto Alegre. Fora isso, não posso reclamar. Eu circulo por toda a cidade, conheço gente de todos os cantos, além de me render um bom dinheiro”. Segundo conta, desde que começou a trabalhar com afiação, ele construiu uma chácara em Águas Claras e a casa onde mora, em Viamão.

O serviço de Alexandre varia entre cinco a quinze reais, dependendo do material.”As facas de cozinha ficam entre cinco e oito reais. As de churrasco já saem de oito a 15. As tesoura de cabeleireiro também tem vários preços. Tem a de fio de navalha, que custa 12, tem a fio comum, que custa oito. E tem uma outra, bem simples, que custa cinco. Aquelas de unha também dá pra fazer. São trabalhosas pelo tamanho, mas fica pronta rapidinha. Também custa cinco”, explica.

O preço da afiação varia de 5 a 15 reais, dependendo do material. podendo ser mais caro se a peça for rara | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Todavia, ele explica, que se for uma peça especial, o preço aumenta. “Uma faca de prata, por exemplo, Deus me livre daquilo arranhar. É um trabalho que exige muita concentração. Tem que fazer o alinhamento exatamente no fio, porque se arranhar, o dono enlouquece. Aí quando vem um serviço desses, eu cobro 20 reais”. Entretanto, ele justifica o valor: “Pode parecer caro, mas a faca de prata é diferente das facas comuns. Tu olha ela, tu jura que ela nunca foi afiada. Passa no dedo, corta um pedaço”, complementa.

Sobre peça especial, Alexandre conta que já apareceu muita coisa estranha, até espada ninja. “Essa aí volta e meia aparece. Tem um cliente bem antigo até, que sempre aparece com umas facas estranhas, umas espadas de ninja pra eu afiar. Ele tem coleção daquilo”, conta. “Teve uma vez que um cara trouxe uma faca que eu tive que perguntar da onde ele tinha tirado aquilo. Era uma faca, que na ponta ela virava um V que se enrolava. E tinha fio tanto pro lado de dentro quanto pro lado de fora. Ele me disse que era de lutador medieval, usado no império romano. Quando os caras brigavam aquela faca não era pra dar estocada, aquela faca pegava no cara, puxava e rasgava. Vinha tudo”, acrescenta o afiador, com olhares de perplexidade.

“Não existe trabalho ruim, sempre dá pra arrumar", garante Alexandre | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

“Essa tal de internet não é pra mim”

Questionado se utiliza a internet para divulgar o seu trabalho, Alexandre foi enfático: “Eu nunca me organizei pra usar isso aí. Mas nem adiantaria, eu não sei lidar com esse negócio. Prefiro ficar como estou. Até tenho computador em casa, mas quem ‘furunga’ nisso aí é a minha guria, eu não sei mexer”. Por fim, com muita humildade e demonstrando seu total desconhecimento cibernético, ele complementa: “Esses tempos ela tava mexendo naquele tal de Youtube e disse que tem um esquema lá comigo. Daí eu perguntei: ‘Como assim?’. Aí ela me mostrou. Outro que deve de estar nessa internet é uma filmagem que a Zero Hora fez uma vez de mim. Eles fizeram a filmagem e botaram, no… não sei o que… ponto BR, não sei o que lá. Globo.br, alguma coisa assim, negócio da Zero Hora”, conta o afiador, dando risada.

"Tem vídeo meu nesse tal de Youtube, mas eu não sei usar essas coisas, não” | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

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