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8 de fevereiro de 2012
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17:21

Rio+20: o jogo de economia verde e desenvolvimento sustentável

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Sul 21
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Rio+20: o jogo de economia verde e desenvolvimento sustentável
Rio+20: o jogo de economia verde e desenvolvimento sustentável
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Foto: acpo.org.br

Rachel Duarte

Um dos temas mais latentes no século 21, o desenvolvimento sustentável é ou deveria ser visto como o principal desafio para a sociedade mundial. Porém, a consciência sobre a relação do homem com a natureza ainda é um despertar lento entre as nações. Especialistas defendem que estamos diante de uma cegueira, em que, mesmo diante das catástrofes naturais, não se encontram saídas para a inércia da população e a competitividade econômica dos governos a qualquer preço. A necessidade de inverter a lógica sobre o desenvolvimento humano se faz urgente e é defendida por biólogos, sociólogos e ambientalistas em geral como algo a ser modificado culturalmente. A quatro meses da Conferência das Nações Unidas pelo Desenvolvimento Sustentável, a Rio + 20, especialistas têm pouca esperança de que alguma norma internacional possa surgir do encontro.

Para o sociólogo e membro do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas e Justiça Social, Ivo Poletto, a disputa global que está em jogo quando se fala em desenvolvimento sustentável não envolve mais do que o modelo econômico da União Europeia, Estados Unidos e América Latina. “Cancun, Canadá e Japão já reforçaram a posição estadunidense de querer que cada país faça o que quiser, sem obrigações definidas em acordo internacional”, conta. Na América Latina, as posições mais firmes, segundo ele, vêm da Bolívia e Equador. “Eles cobram responsabilidade dos países centrais do capitalismo pelos desequilíbrios da Terra e se manifestam nas mudanças climáticas provocadas pelo aquecimento global do planeta”, afirma.

Poletto concorda que as grandes potências agridem mais o meio ambiente e portanto devem ser mais exigidas do ponto de vista do controle dos danos e na compensação das agressões à biodiversidade. “Eles são responsáveis pelos desastres que vimos, cabe a eles mudar seu modo de vida, de produção e consumo. Além de assumirem os custos que os desequilíbrios provocam nos países emergentes”, defende. Ele diz ainda que o Brasil tem anunciado mudanças de forma voluntária, especialmente em relação ao desmatamento da Amazônia, mas deixa a desejar na coerência com outros compromissos de sustentabilidade. “O que é promovido com o Programa de Aceleração do Crescimento, o PAC, pode agravar a contribuição brasileira ao aquecimento global”, alerta.

Usina de Belo Monte. Altamira, Pará.

Uma das principais obras do PAC, a Usina Hidrelétrica de Belo Monte, é alvo de críticas de órgãos internacionais ao Brasil. Do ponto de vista dos impactos ambientais, o biólogo e doutor em Ecologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Paulo Brack, a subserviência do Ministério do Meio Ambiente com a construção de Belo Monte é um dos exemplos de que a legislação ambiental está sendo flexibilizada em nome da competitividade econômica. “O Ministério subsidia grandes empreendimentos como esta usina, sendo que existem estudos que mostram que é possível produzir três vezes mais energia elétrica com tecnológica eólica, que tem impactos muito menores”, explica.

Paulo Brack chama a atenção para a competitividade, palavra de ordem dos governantes e incorporada ao estilo de vida da humanidade em geral. “Este é o principal motor da degradação do meio ambiente. Vejo muitas pessoas tentando fazer o dia a dia da sustentabilidade individual. Usar menos carro, fazer compostagem em casa. Mas isto não é suficiente. Precisamos de políticas públicas que invertam o processo. Diminuir os impostos de automóveis não é sustentável. Vamos diminuir os impostos de energias de biodigestores, energias fotovoltaicas. Descentralizar a produção energética com foco nas matérias primas locais, sem utilizar o carvão que não é adequado”, ilustra.

O coordenador do Instituto de Geociências da UFRGS, Rualdo Menegat concorda que há contradições dos governos e define que esta é uma característica de toda a sociedade. “Temos consenso sobre a importância dos biocombustíveis, apesar de saber que é algo paliativo. Mas, temos contradições energéticas. Eu não faria uma Belo Monte. O novo Código Florestal também é um enorme passo atrás. Sabíamos que tínhamos que mudar o código, mas não fomos capazes de responder a esta mudança proposta de forma inesperada”, fala.

Greenpeace
Produtores que desmatam terão 25 anos para reflorestar / Foto: Greenpeace

Menegat cita também a Lei das Queimadas, que aguarda pela posição do governo gaúcho e que pode devolver ao estado uma prática que ele considera nefasta ao meio ambiente. “Outro exemplo no RS é a falta de uma política pública clara sobre a defesa da água do Guaíba e dos mananciais da Região Metropolitana. O Rio dos Sinos já demonstra sinais de degradação”, cita, recordando a mortandade de peixes ocorrida em 2010. O geólogo critica também a construção da segunda ponte do Guaíba. “Terá um impacto na deterioração do parque Delta do Jacuí. Ninguém pensa em fazer uma ponte mais afastada para desintoxicar a grande Região Metropolitana. Esta nova ponte seguirá o transporte de cargas no mesmo eixo da via urbana. É um exemplo da inércia dos governos em políticas ambientais”, aponta.

Por outro lado, Rualdo Menegat não é tão crítico a conferência Rio +20. Ele acredita no potencial do encontro entre os países durante o evento, que ocorrerá em junho, no Rio de Janeiro. “Será a primeira vez que o Ocidente realizará uma reunião de cúpula que não está manipulado ao jogo maniqueísta da Guerra Fria. Tendemos a enxergar os cenários dentro da cultura da Guerra Fria. Onde tinham os capitalistas contra os vermelhos. Nós podemos reconhecer de maneira mais profunda e sincera os reais interesses em jogo nesta conferência”, defende.

Ele também acredita que a Rio + 20 será importante para detectar os interesses da União Europeia, mas projeta que o grande interesse estará voltado no que será apresentado pelos emergentes China, Índia e Brasil. “Somos visto como importantes no cenário internacional e isto pode proporcionar uma gerencia melhor dos interesses globais. Saber até onde os países estão blefando ou não. Apesar de alguns considerarem a Conferencia de Copenhagen um fracasso, lá já se acenou algumas transformações profundas”, afirma.

O biólogo Paulo Brack contrapõe que em Copenhagen os governos não pactuaram a redução significativa da emissão dos gases que causam o efeito estufa, o que sinaliza que a Rio +20 será um evento pro forma. “Sabemos, pelos dados do IPCC e outros documentos que comprovam que a situação é bastante grave. Junto a isso, tem a questão das fontes fósseis de energia e consumo excessivo. Tudo é uma pauta de 30 anos atrás. Ou, seja, os governos não estão preocupados com isso. A Rio +20 acontece em um momento que estamos pisando o pé no acelerador na busca de sermos a 5º economia mundial, mas o primeiro passo deveria ser fazer uma reflexão sobre a atuação do Brasil na economia global e os impactos no meio ambiente”avalia.

Glossário da Sustentabilidade

Diante deste debate global, a sociedade não pode ser apenas espectadora do evento no Rio de Janeiro. O tema do desenvolvimento sustentável atinge a todos e a sensibilização e educação ambiental se faz necessária, defendem os especialistas. Para isso, o Sul21 abordou os principais conceitos e termos utilizados por autoridades, empresas, políticos e especialistas, para esclarecer os muitos mitos e modismos que estão envoltos ao tema.

Desenvolvimento Sustentável Conceito mais amplo e tema da Conferência Rio +20, o desenvolvimento sustentável é definido pelo geólogo Rualdo Menegat como um conjunto de valores econômicos, sociais, políticos e culturais. “É algo amplo, não só ‘verde’. É uma visão da relação integrada da sociedade com a natureza. É uma estratégia civilizatória”, explica.

Para o sociólogo Ivo Poletto, na visão capitalista, o desenvolvimento é sempre visto com crescimento econômico, portanto, a sustentabilidade é também uma garantia de que a economia se expandirá ainda mais, o que não tem nada a ver com preservação dos bens naturais. “O que se busca dizer hoje é que, se algo é verde, especialmente se tem medidas compensatórias implementadas como forma de negócio, a economia pode continuar se expandindo”, alerta.

Economia verde Para Ivo Poletto, falar em ‘economia verde’ não passa de uma tentativa de manter este tipo de desenvolvimento, que se comprovou insustentável, transformando os desastres produzidos em novas oportunidades de aumento na geração de lucros. “Isso apressará o tempo em que a própria humanidade já não poderá viver neste planeta”, defende.

Bruno Alencastro/Sul21
Foto: Bruno Alencastro/Sul21

Muito utilizado pelas empresas e grandes multinacionais, a economia verde é considerada pelo biólogo Paulo Brack como “uma maquiagem para esconder as coisas como elas são. Dando uma falsa ideia de concentração ilimitada de recursos naturais, quando na verdade eles são limitados”. Ele exemplifica com a produção de plástico verde feita no Rio Grande do Sul. “O plástico é verde. Mas o processo para chegar a ele não é. Temos que entender todo o processo. O plástico pode ser de origem vegetal, mas não a partir de monoculturas. Ele tem que ser biodegradável, e não é. Ficarão centenas de anos na natureza, como qualquer outro plástico”, explica.

Energias LimpasOutro termo bem utilizado quando se fala em desenvolvimento sustentável são as fontes de energias limpas. Neste ponto, segundo o sociólogo Ivo Poletto, “há mais do que encenações, há tentativas de apresentar como ouro o que não passa de lata”. O biológo Paulo Brack complementa falando que no caso dos bicombustíveis, o processo também está galgado em monoculturas e há uma quimiodependência de insumos, adubação química com derivados de petróleo, agrotóxicos e a poluição dos caminhões que realizam o transporte de combustíveis depois. “Isto não é sustentabilidade. É uma inverdade achar que isto é um grande benefício. Mas, empresas usam isso como marketing de sustentabilidade”, revela.

“Somos um país rico em energia alternativa, que estas poderiam ser consideradas como limpas. Mas, não totalmente, porque totalmente não existe. Porém, não podemos chamar as grandes hidrelétricas de produtoras de energias limpas”, complementa.

Quais as chances do planeta no mundo globalizado?

Na avaliação dos especialistas, a disputa pelo desenvolvimento sustentável precisa ser melhor assimilada pela população e melhor defendida pelos movimentos ambientalistas. “O movimento ambientalista também precisa criar condições de interferir. Ainda estamos muito crus e verdes, sem conseguir resgatar lutas históricas e ir para a mesa de negociação”. O que, na visão dele, reflete-se nos diálogos preparatórios durante o Fórum Social Temático, que qualifica como infrutíferos. “Não conseguimos nos articular para fazer um contraponto”, diz.

A empresa está esfriando um dos reatores da Usina de Fukushima

A disputa sobre outras visões de desenvolvimento humano é, como qualquer utopia, algo construído, defende o geólogo Rualdo Menegat. “Temos uma dificuldade enquanto cultura humana, do ponto de vista filosófico e econômico, em perceber a magnitude humana e seu o impacto no planeta. Estamos empurrando um problema que pode nos levar a situações limites com a natureza. Ficamos impressionados com o desastre de Fukushima, mas estamos falando de uma sociedade humana que já está cega diante da natureza. Não enxerga mais o abismo que nos lançamos”, avalia. Ele acredita no poder das redes sociais da internet para denunciar degradações, abusos e retratar a realidade do que acontece no planeta. “Ajuda a desmascarar os falsos fatos de empresas que não cumprem as compensações ou pregam economia verde. Desmascaram os teatros dos diz que fazem e não fazem”, argumenta.

Para o sociólogo Ivo Poletto o avanço e o desenvolvimento podem se dar por meio de processos de industrialização, desde que eles sejam colocados a serviço da vida e não do crescimento econômico. “Isso leva, por exemplo, à prioridade de produção de meios de transporte de massa movidos a energia gerada a partir dos raios do sol ou da força dos ventos em lugar da multiplicação de marcas de automóveis, que entopem as cidades. Pode levar à destinação das vias urbanas ao uso de bicicletas ou outras formas de transporte com uso de energia humana, geradoras de saúde e em nada poluentes da atmosfera”, fala.


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