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15 de janeiro de 2012
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12:58

Onde anda o Multipalco

Por
Sul 21
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Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Milton Ribeiro

Na última quarta-feira, o colunista Marcelo Carneiro da Cunha publicou no Sul21 um texto onde perguntava desde o título Onde anda o Multipalco? Provocados com vara curta, os administradores do Multipalco, Eva Sopher e José Roberto Diniz de Moraes, ligaram imediatamente para nossa redação solicitando espaço para resposta. Estavam indignados. Ao chegarmos lá, Eva Sopher foi logo dizendo que a coluna fora inconsistente e mal informada, porém logo à nossa primeira intervenção, perguntando se eles e o Multipalco não aceitavam provocações, o ambiente foi desanuviado por ela, que repondeu: “Veja bem. Ele diz que o Multipalco está por sair há 500 anos. Há um flagrante erro aí, quem está aqui há 500 anos sou eu, o Multipalco foi iniciado em 2003!”.

O que é o Multipalco? O Multipalco, juntamente com o Theatro São Pedro, ao qual está ligado administrativa e fisicamente, deverá constituir-se no maior complexo cultural da América Latina, ocupando um espaço de quase de 20 mil m² no centro de Porto Alegre. Já estão finalizados e entregues a concha acústica, o restaurante e o estacionamento, mas faltam o teatro principal em estilo italiano para 650 pessoas — do mesmo tamanho do antigo Theatro São Pedro — , o cineteatro oficina para 200 lugares, a sala para a Orquestra de Câmara do Theatro São Pedro, as salas para os naipes, o salão para Corpo de Baile, salas para cursos, ensaios, coletivas, palestras e múltiplas atividades para artes de palco e o foyer com 4 lojas e cafeteria para atender ao público frequentador do Multipalco.

Eva Sopher e José Roberto Moraes | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Mas voltemos a dona Eva e Moraes, coordenador da fundação e assessor jurídico. Bem mais tranquilos, apesar do calor da tarde de quarta-feira, ouvimos Moraes dar sequência às palavras de dona Eva. “A provocação é útil, mas temos que direcioná-la a fim de nos ajude a alavancar algumas coisas que ficam trancadas exatamente pela falta da provocação certa. O texto passa a impressão de descaso, como que descrevendo algo parado, que não caminha para nenhuma direção.”

E onde estariam as dificuldades para a conclusão do projeto? A dificuldade é o financiamento, é o Multipalco conseguir verba suficiente para que as coisas andem mais rapidamente. Moraes diz que este governo trata melhor a Cultura, mas que esta ainda é o patinho feio da história.

Moraes relata o histórico de problemas: “Tínhamos um projeto com conclusão prevista para cinco anos, a inauguração estava marcada – pela dona Eva e o governo Rigotto – para o dia 20 de novembro de 2008. De repente, fomos obrigados a reformular, porque contávamos com duas linhas de financiamento — uma junto à LIC do estado e outra ligada à Lei Rouanet. As duas têm mecanismos diferentes: enquanto uma vem do ICMS, que é um desembolso mensal do patrocinador, a outra vem pela Lei Rouanet onde podemos acumular certa gordura. Estruturamos o trabalho tendo por base a Lei de Incentivo à Cultura do estado, porque tínhamos uma previsão de desembolso mensal suficiente que nos permitia dar um ritmo à obra. O que aconteceu? Depois do Conselho Estadual de Cultura liberar a primeira parcela de R$3,6 milhões, não liberaram mais nada. Disseram que, para o Multipalco, era tudo o que a LIC poderia oferecer. Insistimos e insistimos… Deu um problema grande, porque o Secretário de Cultura da época continuou nos liberando algum dinheiro, na certeza – isso ficamos sabendo depois – de que o Conselho iria voltar a liberar a LIC para nós…  Só que não liberou. Por sua livre e espontânea vontade, o Secretário da Cultura, Roque Jacobi, liberou mais dois milhões e pouco. O resultado é que o Conselho fez uma denúncia e o Jacobi foi processado. A Dona Eva foi chamada para esclarecer que ele havia feito apropriações indébitas – e não havia nada, porque ele liberou para a obra. Houve uma prestação de contas absolutamente correta. Então o juiz, ao final da ação, declarou na sentença que, se ele não tivesse feito como fez, não seria digno de sentar na cadeira de Secretário de Cultura do Estado. Então, em resumo, a LIC entrou com seis milhões, não mais. O que ocorreu depois é que tivemos que nos alimentar de nossa gordura – nós, que estávamos fazendo uma gordura dentro dos instrumentos da Lei Rouanet. Tivemos de redefinir todo o cronograma de trabalho e alongar nossos prazos para continuar buscando os recursos necessários. Mas o problema não foi só a LIC ter nos abandonado; é que a LIC, nos abandonando, fez-nos abandonar uma série de patrocinadores que têm LIC e que não poderiam colaborar de outra forma.

Ainda falta | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Eva Sopher diz que “o essencial era não paralisar a obra em nenhum momento”. Ela explica que uma obra como o Multipalco é difícil de retomar. “Se paralisamos uma obra desse tamanho a gente perde compromissos, perde técnicos responsáveis por determinados setores, de repente ninguém é responsável por coisa nenhuma e nós temos um grupo técnico altamente qualificado e fiel… Mantivemos sempre um grupo pequeno, estabelecemos um núcleo duro, que eventualmente é ampliado (dependendo da verba que chega). Temos uma equipe única desde o início que mantém a qualidade do trabalho.”

O Multipalco estabeleceu o objetivo de entregar todo dia 27 de março uma parte da obra à comunidade. Nos últimos anos, a prioridade era a de terminar tudo aquilo que daria pouca despesa e que tinha a possiblibilidade de proporcionar receitas. Com esta ideia, a entidade partiu para a finalização dos três andares do subsolo – que são estacionamentos e geram receitas. O segundo passo foi inaugurar a última laje, a praça de ligação com o Theatro São Pedro. Ali há uma concha acústica, que permitiria alguns espetáculos, e um restaurante, o qual também gera receitas. Foram dois importantes momentos para manter a equipe. Diz Moraes: “Só que, nesse momento, todo mundo começou a pensar que estava tudo pronto, porque todo mundo via a parte de cima pronta e o estacionamento funcionando. Passaram a achar que o Multipalco era apenas aquilo, ignorando outros três andares.”

A concha acústica do andar de cima, bem ao lado do velho Theatro São Pedro | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

São oito andares? “Sim, aí é que está, poucos conhecem a dimensão da obra”, responde dona Eva. “Quem está nos sustentando é a Associação Amigos do Theatro São Pedro, sem a qual o teatro estaria fechado há décadas”. O governo tem três funcionários trabalhando no Theatro São Pedro, fora a direção. Só que o teatro, para funcionar, precisa de cinquenta. Destes, mais de quarenta são pagos pela Associação Amigos do Theatro São Pedro: são seguranças, pessoal da portaria, zeladoria, limpeza e conservação, pessoal de palco e pessoal da bilheteria. Todos são pagos pela Associação. “Hoje, provavelmente, temos a maior associação do gênero, são mil associados. E estamos abertos em campanha permanente para angariar novos associados, precisamos de aliados fiéis. Aliás, estamos à espera do Marcelo Carneiro da Cunha também…”, completa Moraes, rindo. “O governo nos dá 10 mil reais, o que é fundamental, mas não supera a conta da luz”.

No restaurante ao lado da concha acústica | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Segundo eles, os R$ 45,00 mensais de cada associado deviam estar sustentando o Multipalco, mas estão mantendo o  Theatro São Pedro aberto. “Aí está a resposta: o Multipalco não está pronto porque queremos manter o Theatro São Pedro aberto”, diz dona Eva. “Mesmo assim, para nós encerrarmos a concha acústica e a laje superior, a Vonpar entrou com R$ 250 mil, sem lei de incentivo. Mecenato direto”. As verbas da Lei Rouanet entram de modo aleatório. Moraes diz que hoje os grandes patrocinadores praticamente esgotaram as suas cotas. “Nós temos projetos no campo,  temos coisas a serem captadas ainda. Mas a burocracia… Olha, os percalços são inevitáveis”.

O foyer com o teatro principal à esquerda | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

O Multipalco consiste numa obra de oito andares e 18.860 metros quadrados. O edifício está assentado na rocha pura. Durante o periodo de explosões — que durou um ano e meio – foi necessário o auxílio de sismógrafos. “Tivemos uma batalha com  SMAM, porque as explosões poderiam afetar o Theatro São Pedro, a Biblioteca Pública, o Arquivo Público, os hotéis aqui em torno. Ficamos um ano e meio explodindo rochas, 17 mil metros cúbicos de rocha. Se não tivéssemos que fazer esta caixa de concreto para manter o edifício dentro, ele já estaria pronto. Mas esse é um dado, também, do qual as pessoas não se dão conta. Passamos um ano e meio fazendo uma caixa de concreto pra assentar esse edifício na rocha pura”, diz Moraes. “Fotografamos todo o entorno e todas as rachaduras que estão por aí pra ninguém depois dizer ‘Isso foi culpa do Multipalco’, completa Eva Sopher.

A caixa de concreto representou um terço do custo da obra. Outro terço foi o do edifício em si, totalmente preparado para receber cenários, teatro, artistas, musicos, corpo de baile, etc. O terceiro terço é o acabamento, já em andamento. “No último dia 27 de março, nós finalizamos a administração do prédio. Viemos para cá no ano passado, em abril, em uma área sem custo. Em 27 de março de 2012, queremos entregar a sala da orquestra, quatro salas especializadas para cursos e workshops e mais seis salas de naipe junto à sala de orquestra, que são salas de ensaio para grupos instrumentais”, diz Moraes.

A parte interna do novo teatro pricipal (do mesmo tamanho do velho São Pedro) | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Desta forma, lentamente, o Multipalco avança. A obra deverá ter repercussões que vão além da cultura, terá repercussões turísticas.  Dona Eva faz questão de reafirmar o cuidado com que as obras têm sido levadas a adiante e dá um exemplo: “Uma prova concreta de nosso trabalho é o estado de conservação do Theatro. Quando fizemos uma pequena reforma em 2008 para os 150 anos do Theatro, as pessoas via e diziam “Reformaram o quê, não tem nada pra reformar!”. Na realidade havia muita coisa pra fazer: a gente repintou, tirou todas as aberturas, lixou, melhorou as instalações para os artistas… Mas, do ponto de vista visual, externo, não se mexeu em nada.  E por que não tem pichação no Theatro São Pedro. Até o Palácio é pichado; o Theatro não. Até o pessoal da pichação respeita. A palavra-chave é respeito, e este vai de dentro e para fora e de fora para dentro”.

O cronograma prevê para 27 de março deste ano a entrega das já citadas salas da orquestra; em 27 de março de 2013, o complexo para o corpo de baile e o talvez o cineteatro oficina; em 27 de março de 2014, o cineteatro, com certeza, e a finalização da obra em 20 de setembro do mesmo ano, com a entrega do teatro grande. Mas isso ainda depende de aportes.

A subida da Riachuelo vista de dentro do Multipalco

Foto: Ramiro Furquim/Sul21

A sexta laje

Foto: Ramiro Furquim/Sul21

O refeitório e a sala de imprensa

Foto: Ramiro Furquim/Sul21

O Teatro principal

Foto: Ramiro Furquim/Sul21

O Cineteatro-oficina

Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Entrada de serviço

Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Salas de reunião

Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Sala de ensaio/corpo de baile

Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Foto: Ramiro Furquim/Sul21

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