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7 de dezembro de 2011
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16:55

Álcool será o principal alvo de medidas aprovadas no Senado

Por
Sul 21
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Estudo mostra que três, de cada quatro alunos do 9º ano na Capital, já experimentou bebida alcoólica. Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Estudo mostra que três, de cada quatro alunos do 9º ano na Capital, já experimentou bebida alcoólica. Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Segundo a Organização Mundial de Saúde, o Brasil gasta R$ 30 bilhões por ano para combater o uso excessivo de drogas lícitas, como o álcool | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Rachel Duarte

Praia. Samba. Carnaval. Futebol. E Cerveja. A combinação seria perfeita se o consumo no Brasil fosse como o sugerido ao final das inúmeras propagandas de cerveja no Brasil: “aprecie com moderação”. O fato é que, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), R$ 30 bilhões são gastos por ano para combater as conseqüências do uso excessivo das drogas lícitas no país. O álcool é a que mais gera despesas ao Sistema Único de Saúde — e, por fazer parte da cultura do brasileiro e não ser encarada como droga, é a mais difícil de controlar. Para tentar combater esta disseminação e enfrentar o comércio que movimenta milhões na venda do produto e nos gastos com publicidade no Brasil, o Senado Federal aprovou nesta terça-feira (6) um conjunto de medidas que sugerem desde a proibição das propagandas de bebidas alcoólicas até a restrição da comercialização do produto com aumento de impostos.

O relatório foi finalizado pela senadora Ana Amélia Lemos (PP-RS) e aprovado na Comissão de Assuntos Sociais após uma discussão de cerca de oito meses com especialistas, representantes de entidades que atuam na recuperação de viciados e pessoas que conseguiram deixar o vício. Além de sugerir medidas a serem adotadas pela União, estados e municípios, o documento propõe diversas alterações na atual legislação.

De acordo com o presidente da subcomissão, o senador Wellington Dias (PT-PI), aproximadamente 1% da população brasileira está envolvida com drogas ilícitas, como maconha, cocaína e crack, enquanto um percentual muito maior, cerca de 10%, fazem uso sistemático do álcool. “Devemos classificar as bebidas com mais de 6 graus como bebida alcoólica. Proibir a propaganda, assim como fizemos com o cigarro. Controlar a comercialização com licenciamento especial para os estabelecimentos capacitados para isso. Não se pode vender para menores de idade, nem para pessoas intoxicadas. Se a bebida é uma droga que causa problemas a saúde, precisa ser vendida com este cuidado”, disse.

Segundo Wellington Dias, são necessários cerca de R$ 3 bilhões para desenvolver no país uma rede de enfrentamento às drogas e de tratamento aos dependentes. A ideia, de acordo com o petista, é obter esse recurso da própria venda das drogas consideradas legais, como álcool e cigarro. “Propomos a criação de um Fundo Nacional de Drogas, que reverteria recursos para tratamento de dependentes e ações preventivas”, explica.

“O álcool é o maior problema que enfrentamos entre os usuários de drogas”

As medidas aprovadas são vistas como positivas pela coordenadora adjunta da Seção de Saúde Mental da Secretaria de Saúde do RS, Rebeca Livitin. “Os maiores gastos em saúde pública são com transtornos decorrentes do álcool. É o maior problema que enfrentamos entre os usuários de drogas. Acarreta violência, criminalidade, acidentes de trânsito e quando o paciente busca o atendimento é só quando já tem sintomas físicos, o que no alcoólatra leva 20 anos para aparecer”, explica.

Segundo a psicóloga, atrás do álcool estão os medicamentos para controle de ansiedade e outros transtornos psíquicos, para depois aparecerem as drogas ilícitas como crack, cocaína e outras. Por esta razão, ela reforça que são necessários mais aliados na luta contra o abuso do álcool. “Eu concordo com a criação de medidas restritivas para o consumo, como foi feito com o tabaco. Isto não é restringir a liberdade das pessoas, e sim controlar o uso abusivo”, salienta.

Ao mesmo tempo que os profissionais da saúde reconhecem a complexidade de enfrentar uma droga considerada “natural” na vida dos brasileiros, a indústria de bebidas alcoólicas gera milhões em publicidade e patrocínio das principais modalidades esportivas do Brasil. Enquanto o Sistema Único de Saúde gasta R$ 37 milhões com dependentes de álcool em quatro anos, os investimentos com publicidade de cerveja saltaram de R$ 180,4 milhões em 2000 para R$ 961,7 milhões em 2007.

Na avaliação do senador Wellington Dias, um dos problemas para retroalimentar este círculo bilionário é a demanda no consumo. Segundo ele, atualmente as bebidas alcoólicas no país são taxadas em aproximadamente 35% e o cigarro em 70%. “Na Europa uma cerveja vale, em média, 14 euros, cerca de R$ 40, enquanto no Brasil não passa de R$ 3”, comparou.

Conforme o senador petista, o relatório aponta ainda para a necessidade de o Brasil lidar com o tema das drogas de forma integrada, combinando esforços até mesmo com os países da América Latina. “Estamos propondo a criação do Conselho das Américas de Políticas Sobre Drogas, do mesmo modo que foi criado o Conselho da Comunidade Europeia, o Conselho da Comunidade Asiática, entre outros, para que a América, dentro da sua particularidade, consiga enfrentar o problema.”

Mas como enfrentar a polêmica de exterminar os agradáveis anúncios que lembram aquela bebida que “refresca até pensamento”, que “desce redondo”, que é sempre “gelaaaada”?

Para a psicóloga Rebeca Litvin, apesar da boa vontade dos senadores, sugerir a moralização das peças publicitárias que associam o álcool ao prazer, alegria, diversão e status social é utopia no Brasil. “Há uma glamourização muito forte da bebida, como havia do cigarro antigamente. A Ambev patrocina a Seleção Brasileira de futebol e o Campeonato Brasileiro, bem como os jogos de vôlei, não tem como combater essa indústria”, avalia.

Mas ela defende que controlar isso seria um benefício com efeitos imediatos na população. “É a primeira droga que o adolescente experimenta. Está dentro da casa dele e ao alcance fácil. Em regiões de colonização alemã e italiana, por exemplo, as famílias molham a chupeta das crianças na bebida alcoólica. Então, mexer nisso também mexer na nossa cultura”, alerta.

“Eram três litros de vodka por dia. As pessoas se afastavam, eu tinha crises de abstinência”

Do outro lado desta discussão, Marco Leite, 49 anos e dependente em recuperação há sete anos, cinco meses e sete dias, avalia as medidas como importantes no ponto de vista de melhorar a rede de atendimento público de saúde que o salvou. “Eu fui tratado pelo INSS e não me preocupei com nada, conseguia até contribuir com a comunidade terapêutica. Mas tive sorte. Sei que tem clínicas que fazem negócio em nome da dependência dos usuários”, relata.

Depois de deixar o álcool por uma decisão própria em um dos tantos dias que passou alcoolizado, Marco afirma que medidas restritivas como a vedação de propaganda são importantes, mas, não irão evitar o consumo da droga. “O problema não é beber. Podemos beber um vinho ou uma cervejinha com amigos, mas tem pessoas, como eu, que passam do limite. Acabar com a propaganda é bom pela comercialização das mulheres e do sexo que é feita nos comerciais de cerveja”, argumenta.

O jornalista tinha uma vida normal até os 14 anos, quando começou a beber. Como era muito tímido, optou pelo consumo de bebidas alcoólicas como um mecanismo de desinibição. “O problema é que, com o álcool, eu ficava não apenas solto, mas bêbado”. Passou a usar outras drogas, como maconha e cocaína. “Mas a droga principal e da minha preferência sempre foi o álcool”, conta.

Marco virou adulto, se formou, trabalhou e constituiu família — sempre com a companhia da bebida. Aos 42 anos, já desempregado por conta do vício, o café da manhã era um litro de vodka, mais outro no almoço e outro no jantar. “Eram três litros de vodka por dia. As pessoas se afastavam, eu tinha crises de abstinência fortes e só consegui decidir por me tratar por sorte divina”, fala.

Sem conseguir comer mais nada, mas ainda com a esposa e a filha próximas, num dia de bebedeira resolveu dar adeus ao álcool. “Tomei minha última garrafa de vodka e fui para a comunidade terapêutica Renascer, em Novo Hamburgo. A coisa que eu mais agradeço é que minha família não me abandonou, como acontece com a maioria dos dependentes. Fiquei nove meses e 27 dias internado. Um ano em casa sob acompanhamento da família e evitando lugares sociais. Hoje não precisa ser assim, mas estou sempre buscando o meu controle diário”, afirma.

“A bebida alcoólica está muito ligada à vida em sociedade. Temos que desnaturalizar isso”

A psicóloga Renata Litvin argumenta que a naturalidade com que se encara o consumo de bebida é o maior vilão a ser combatido no enfrentamento do álcool. “A bebida alcoólica está muito ligada à vida em sociedade, eventos sociais, chegada na adolescência. Faz parte do rito de passagem tomar um porre. Temos que desnaturalizar isto. Não é uma droga sem prejuízos. E mudar algo que dá prazer é muito difícil. A sociedade sem drogas nunca existirá, mas nem todos conseguem usá-la de forma recreativa. Para ter dependência basta um sujeito, uma droga e um ambiente propício”, diz.

O relatório aprovado no Senado obriga os hospitais a ter leitos e equipes para desentoxicação de dependentes, além de um reforço no atendimento e um maior credenciamento de áreas de acolhimento para reabilitação e tratamento. “Existem cerca de 4 bilhões de pessoas precisando deste tipo de tratamento no Brasil e não tem para onde ir. O desespero de familiares gera o abandono e outros problemas sociais para o estado resolver”, alerta o senador Wellington Dias.


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