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2 de novembro de 2011
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21:38

Sem injustiças, pente-fino nas ONGs pode dificultar corrupção

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Sul 21
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Sem injustiças, pente-fino nas ONGs pode dificultar corrupção
Sem injustiças, pente-fino nas ONGs pode dificultar corrupção
Adriana Paiva / Verve Comunicação
"“Desde a década de 90 explodiu o número de ONGs no Brasil. Elas não irão acabar se ficarem sem os recursos do governo federal. Mas, também não acredito que este será o futuro que nos aguarda" | Foto: Adriana Paiva / Verve Comunicação

Rachel Duarte

Organizações Não Governamentais, as populares ONGs, são entidades sem fins lucrativos que promovem ações políticas para atender populações excluídas, contribuindo com o trabalho dos governos. Ou ao menos deveriam ser. Com as recentes denúncias envolvendo ONGs que trabalham junto ao Ministério do Esporte, surgem críticas ao funcionamento desses organismos e dúvidas sobre a melhor maneira de garantir um funcionamento transparente e que dificulte ao máximo a corrupção.

Na avaliação do coordenador da ONG Cidade – Centro de Assessoria e Estudos Urbanos de Porto Alegre, Paulo Muzell, o problema gerado com a proliferação das ONGs não está na existência das entidades e sim na relação delas com a gestão pública. “A conclusão que se chega é de que a proliferação dos convênios no Brasil ocorreu porque é uma forma de materializar a relação público-privado sem que se cumpram os ritos da licitação pública. Evita-se atender as exigências da lei 8.666, assumindo os riscos de uma relação negocial perigosa. Por trás da ‘fundação universitária’, da ‘associação comunitária’, da ‘cooperativa de servidores’ se escondem interesses bem particulares, muitas vezes escusos, familiares, eivados de nepotismo ou até partidários”, aponta.

Segundo dados do IBGE, até 2007 existiam 400 mil entidades atuantes no país. Desde a criação da Lei 9.790/99, que possibilitou que pessoas jurídicas se qualificassem junto ao poder público para estabelecer parcerias e convênios, houve uma proliferação destas organizações. Nesta segunda-feira (31) a presidenta Dilma Rousseff decidiu suspender por 30 dias os repasses para organizações não governamentais na intenção de reorganizar a relação do estado com as ONGs. A intenção é regular os processos e exterminar os que tiverem irregularidades, em um processo de reordenamento dos convênios.

O novo ministro do Esporte, Aldo Rebelo (PCdoB), ao assumir a pasta em razão da queda de Orlando Silva, afirmou que não pretende firmar novos convênios com ONGs. Segundo ele, a ideia é investir em parcerias com órgãos públicos, como prefeituras.

Suspensão de repasses acelera varredura, diz Abong

A medida de Dilma e o discurso de Aldo Rebelo são avaliados de forma distinta pelo integrante da regional Sul da Associação Brasileira das Ongs (Abong), João Marcelo Pereira dos Santos. Para ele, a suspensão dos repasses irá acelerar o processo de varredura que o governo federal já estava disposto a fazer quando iniciou diálogos com a Associação. “É bom porque separa as entidades sérias, que trabalham dentro da legalidade, daquelas que tem problemas”, afirma.

Por outro lado, o anúncio de Aldo Rebelo de não firmar novos convênios com ONGs é avaliado por Santos como um discurso genérico, que prejudica a credibilidade das entidades. “Deixa margem para interpretação de que fazer contrato com ONGs é crime. Além da criminalização das ONGs, aumenta a insegurança dos gestores públicos em conveniar com as entidades”, diz.

Na terça-feira (1º), a Abong divulgou uma carta aberta assinada por diversas entidades, reconhecendo o esforço do governo em combater a corrupção, mas manifestando preocupação com o risco de eventuais injustiças. O receio é que o prazo de 30 dias seja extrapolado devido à lentidão da máquina pública, o que inviabilizaria os repasses previstos para o final do ano.

Segundo o Portal da Transparência de 2010, das 232,5 bilhões de transferências voluntárias do governo federal, 5,4 bilhões destinaram-se a entidades sem fins lucrativos de todos os tipos, incluídos partidos políticos, fundações de universidades e o Instituto Butantã, por exemplo. Foram 100 mil entidades beneficiadas, 96% delas por transferências de menos de 100 mil reais. De acordo com a Abong, se somassem os valores das denúncias contra ONGs publicadas na imprensa nos últimos 24 meses, as entidades citadas não passariam de 30, número de entidades possível de ser fiscalizado sem uma medida generalizada.

“Todos os governos têm problemas com ONGs”

Segundo o coordenador da ONG Cidade, Paulo Muzell, uma porta foi aberta no Brasil e precisa ser fechada. “Todos os governos têm problemas com ONGs, tanto nas prefeituras como na esfera federal. São todas as legendas que têm casos de corrupção neste sentido. O que acontece com as ONGs é um pedaço da realidade. O que está por trás disso é o conceito de estado mínimo. Estimula-se a formação do chamado Terceiro Setor, formado por ONGs e OSCIPs, visando reduzir o tamanho e as atividades do estado via transferência de recursos públicos para entidades privadas”, afirma.

Já para o coordenador administrativo-financeiro da ONG Guayí, com sede em Porto Alegre e Caxias do Sul, João Carlos Monteiro da Conceição, o pente-fino de 30 dias proposto pela presidenta será um elemento combativo da corrupção. “Desde a década de 90 explodiu o número de ONGs no Brasil. Elas não irão acabar se ficarem sem os recursos do governo federal. Mas, também não acredito que este será o futuro que nos aguarda. A questão não pode ser vista com demonização ou vitimização. Erros existem em todos os lugares”, avalia.

Segundo ele, o corte provisório dos repasses não afetará as quatro atividades da ONG Guayí que dependem de recursos federais. “Nós temos apenas o Ponto de Cultura do bairro Cristal que está com uma última parcela de R$ 20 mil reais para receber do governo”, fala.

A ONG Guayí desenvolve três trabalhos voltados ao desenvolvimento econômico e social do Rio Grande do Sul. Uma das ações é a construção de uma rede nacional de economia solidária feminista em nove estados brasileiros, já constituída em três mil integrantes. Outro projeto é o Núcleo Estadual de Assistência Técnica de Economia Solidária, que tem como meta criar 100 empreendimentos de cooperativas para fomentar o trabalho e geração de renda no estado.

As ações do Pronasci – Programa Nacional de Segurança com Cidadania, nos 16 Territórios de Paz do RS, também contam com o trabalho da ONG. “Desenvolvemos atividades em Porto Alegre, na Região Metropolitana, em Bagé e Pelotas, visando desenvolver economia solidária para os apenados. São atendidos uma média de 10 mil moradores por Território”, explica. No total, o governo federal repassa a cada renovação dos convênios, com duração de um ano e meio, R$ 450 mil reais para a ONG Guayí.

Marco Regulatório das ONGs

Para aproveitar o momento de reorganização da relação do governo com as ONGs, a Abong sugere que as próprias entidades apresentem propostas consistentes nesse sentido. Na carta divulgada pela associação, os grupos defendem a criação de um novo marco regulatório das organizações da sociedade civil.

O representante da Abong no RS, João Marcelo dos Santos explica que “o estado é leviano na seleção das entidade” e defende que os critérios “precisam ser revistos”. Entre as novas normas que julga necessárias para a regulação das ONGs, ele sugere processo de chamada pública por parte dos governos, como forma de evitar a escolha direta dos governantes. “As ONGs devem ser escolhidas por um comitê com integrantes de fora do governo e as entidades escolhidas devem ser habilitadas para as áreas dos projetos que concorrerão”, defende.


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