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10 de outubro de 2011
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11:20

Carlos Bastos, um militante do jornalismo, da política e do esporte

Por
Sul 21
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Carlos Bastos: há mais de 50 anos com tripla militância | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Nubia Silveira

O jornalista Carlos Henrique Esquivel Bastos, filho de pai brasileiro e mãe argentina, nasceu para militar. Há mais de 50 anos é um dedicado militante do jornalismo, da política e do esporte. É reconhecido por nunca se deixar levar, como jornalista, por suas ações políticas e esportivas. Reconhece que apenas uma vez misturou as militâncias. Por excesso de zelo, não quis decidir sobre uma notícia que envolvia o Grêmio, clube do qual foi conselheiro por 30 anos. Um grande erro.

Bastos é conhecido como conciliador, articulador e conquistador de amigos. Adora contar histórias. Diz que, aos 76 anos, tem sempre algo para acrescentar ao que lhe dizem. Um dos cinco pedetistas históricos, neste ano em que a Legalidade completou 50 anos, coordenou os dois grupos de trabalho que organizaram as comemorações, na Assembleia Legislativa, do cinqüentenário da resistência democrática, que assegurou a posse de João Goulart na presidência da República.

"Sou pouco aplicado", responde Bastos aos que lhe cobram um livro de memórias | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Os amigos pedem que ele registre em livro os momentos importantes que viveu no jornalismo, na política e no esporte. “Sou desorganizado. Pouco aplicado”, revela. Não tem nenhum documento guardado. Tudo está na memória. Uma boa memória.

Na conversa de três horas que teve, há seis meses, com a equipe do Sul21 – Benedito Tadeu César, Igor Natusch, Felipe Prestes, Nubia Silveira – e os jornalistas convidados Carlos Kolecza, Elmar Bones e Lorena Paim contou histórias divertidas da época em que o jornalismo era romântico e boêmio. Emocionou-se ao lembrar-se do reencontro de Jango e Brizola, em Montevidéu, e declarou-se fã da presidenta Dilma Roussef, com quem trabalhou durante o Governo Collares. Para ele, o grande inovador do jornalismo brasileiro foi Samuel Wainer, o criador da Última Hora.

Carlos Kolecza — Acho que o Bastos deveria nos contar como entrou no Jornalismo e acabou dominando todas as plataformas — TV, rádio, jornal.
Carlos Bastos —
A minha ligação com o Jornalismo começa em Passo Fundo, quando eu lia os jornais locais. O Diário da Manhã e o Nacional. O Túlio Fontoura, dono do Diário da Manhã, e o Múcio de Castro, pai do Tarso de Castro (criador de O Pasquim), dono do Nacional, eram inimigos. Tnha um terceiro jornal vespertino, o Diário da Tarde, que era do Danilo Quadros, sogro do Marco Aurélio, chargista da Zero Hora. Ali eu comecei a gostar de jornal. Lia os jornais de Passo Fundo. O meu pai assinava o Correio do Povo e o Diário de Notícias, que eram os grandes jornais da década de 40. Eu vim no começo da década de 50 para Porto Alegre. Já com olho fixo no Jornalismo. Mas, fui prestar serviço militar. Meu companheiro de farda foi o José Silveira, o meu patrono na entrada do jornalismo.

"Meu companheiro de farda foi o José Silveira, o meu patrono na entrada do jornalismo" | Foto: albumfotojotabeniano.blogspot.com

Nubia Silveira – Estás bem de patrono, hein?
Bastos –
É. O José Silveira trabalhava no Hoje, um semanário muito bom do Toscano Barbosa, em que o (Sérgio) Jockyman começou a carreira dele de jornalista. Fiz um aprendizado lá. Fiz uma matéria pro Hoje junto com um colega meu de farda, o João Dirani, que enveredou para outro lado. O ilustrador da minha matéria foi o Vitor Nuñez. Uma grande figura ele. É um advogado trabalhista. Mas, na época trabalhava na imprensa. Era ilustrador e chargista, e fez a ilustração da matéria. Depois surgiu O Clarim, jornal que o Brizola lançou em 1955 para dar sustentação à candidatura dele à prefeitura de Porto Alegre. E aí eu comecei no O Clarim, levado pelo Hamilton Chaves.

Benedito Tadeu César — Tu já eras trabalhista nessa época ou não?
Bastos –
Não. Estava na linha auxiliar do partidão. Eu não era do partidão, mas da linha auxiliar, da política estudantil, da UGES (União Gaúcha dos Estudantes Secundaristas).

João Aveline: um bom caráter | Foto: puc.br

Nubia – O (jornalista João) Aveline era da linha principal.
Bastos –
O Aveline era Cardeal. Tem uma história sobre o Aveline, sobre o bom caráter do Aveline que eu vivenciei com ele, logo depois do golpe e que ele só sonegou por causa do bom caráter dele. Nós fomos para Caxias uma semana depois do golpe. O Aveline tinha que levar uma palavra de ordem do Partidão, uns documentos. Ele me disse: “tu és insuspeito, tu és o cara ideal para fazer essa tarefa comigo”. Eu digo: “qual é a tarefa?” E ele: “É me levar a Caxias. Tenho que distribuir uma palavra de ordem para os companheiros do partido”. Digo: “tudo bem Aveline”. Eu era noivo na época e, até para dar uma garibada na missão, levei minha noiva junto. Ficava menos suspeito.

Fomos para Caxias com aqueles pacotes do Aveline. Chegando lá, ele não achava ninguém. Metade estava presa e metade estava escondida. Aí o Aveline lembrou de um líder bancário que era do partido e disse: “vou lá na casa dele”. O cara morava num apartamento num bom edifício de Caxias. Quando nós entramos no apartamento, eu disse: “ih! Isso vai dar bolo”. A mulher do cara arregalou os olhos quando viu o Aveline. Ficou com os olhos desse tamanho. O cara ficou branco; parecia que ia morrer. E o Aveline: “olha fulano, fui lá na casa do fulano, na casa do beltrano e não achei ninguém; eu preciso deixar isso aqui”. E o cara diz assim: “mas Aveline, eu já me desfiliei do partido há cinco anos e agora tu vem com essa dinamite pura. Eu não posso aceitar isso aí”. O cara nos botou a correr da casa dele. No livro dele, o Aveline conta essa nossa viagem a Caxias. Conta como encontrou as pessoas – no fim, nós fomos na casa de outro sujeito que reconheceu a voz do Aveline e abriu a porta para ele –, mas sonegou esta história. Tu vês o caráter do velho Aveline! Eu não sonegaria essa história (risos).

Brizola ganhou as eleições
em outubro e fechou o jornal
O Clarim em fevereiro”

Felipe Prestes — Se fosse hoje, tu votarias no partido. Como na época não tinha como votar no partido, tinha que apoiar.
Benedito Tadeu César — Apoiava os movimentos, as ações do partido e as análises de conjuntura que o partido fazia.
Bastos –
É isso. Aí eu fui pro O Clarim, que revelou vários jornalistas de peso. Um deles é o chargista Sampaulo. O outro, o Florianinho Soares, que foi um grande editor de jornal e de rádio. E o fotógrafo Erno Schneider, ganhador do Prêmio Esso com aquela foto do Jânio (Quadros) com os pés trocados, na ponte de Uruguaiana. O Clarim revelou mais gente: o colunista social Luiz Augusto Gonçalves, que depois foi pro Rio. O jornal era diário. Teve um ano de duração e saiu gente boa dali.

Jânio: foto de Erno Schneider pemiada com o Esso | Foto: Reprodução

Elmar Bones — O Brizola ganhou a eleição e fechou o jornal.
Bastos –
É. Ele ganhou a eleição em outubro e fechou o jornal em fevereiro. Ele fez o jornal para ganhar a eleição. Era um jornal que combatia a Folha da Tarde. O Hamilton Chaves era o chefe de redação.

Elmar – Boa parte desse grupo depois foi para a Última Hora.
Bastos –
Sim. O Erno Schneider mesmo, no início da Última Hora, estava lá. Eu fui pra lá, o Sampaulo foi pra lá, o Florianinho foi pra lá. A maioria do pessoal foi pra lá. O José Silveira saiu do Hoje e trabalhou um tempo no O Clarim. Nos últimos tempos. Outro jornalista que trabalhou no O Clarim e na Última Hora foi o Esdras do Nascimento. Ele era funcionário do Banco do Brasil. Trabalhou no Hoje muitos anos. Depois foi para o Rio. Agora, é escritor. E o Orlando Frantz também dirigiu o Hoje. E foi um dos diretores do O Clarim. E o diretor de redação do O Clarim, o diretor responsável pelo O Clarim, era o Rafael Verissimo de Azambuja, que era de Cruz Alta e primo irmão do Erico Veríssimo. Uma figura interessantíssima. Depois, ele foi ser fazendeiro no interior do Paraná. Morreu assassinado, 10 anos depois, em uma briga com um vizinho lá do Paraná.

Nubia – Bastos, chegaste a Porto Alegre já com o apelido de Nenê?
Bstos –
Nene (como pronunciam os espanhóis). É um apelido de família. O Jayme Sirotsky (um dos sócios da RBS), por exemplo, que foi meu colega de aula em Passo Fundo, durante 10 anos, não me chama de Nenê, me chama de Nene, porque era como minha mãe, que era argentina, me chamava. Nene. Não Nenê.

"Eu antecipei o Mercosul: pai brasileiro e mãe argentina" | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Nubia — E como era essa vida entre Brasil e Argentina?
Bastos —
Eu antecipei o Mercosul: pai brasileiro e mãe argentina (risos). Minha mãe era de uma família de 14 irmãos. Só um dos irmãos da minha mãe teve 12 filhos. Tinha muito vaivém. Eu tinha uma tia que morava em San Javier, na Argentina, e passava os três meses de férias com os filhos na minha casa em Passo Fundo. E eu tinha primas que eram nascidas no Brasil, mas moravam em Posadas, e vieram estudar em Passo Fundo. Então, eu tinha uma ligação muito forte com a Argentina.

Nubia — Essa ligação com a Argentina ajudou na tua formação política?
Bastos —
Olha, um pouco, porque o argentino é mais político do que o brasileiro. Eu tinha primos lá com tudo que era posição. Inclusive tinha um que era monarquista. Eu achava que não existia mais isso. Mas, o meu primo era monarquista. Ele queria implantar a monarquia na Argentina. Pior é que esses meus primos todos são mais moços do que eu, e todos já se foram. Estou me sentindo meio sobrevivente (risos).

"O Amir Domingues foi minha vítima duas vezes. Ele era um grande amigo" | Foto: Instituto Caros Ouvintes

Kolecza – Tu foste logo te aproximando do jornalismo político ou fizeste um período na geral?
Bastos –
Iniciei na cobertura sindical. Eu tinha uma coluna. O Silveira abriu uma coluna para mim no O Clarim: Porta de Fábrica. Esse foi o meu primeiro trabalho no O Clarim. Depois fui para a geral e, depois, fui editar polícia. O Amir Domingues deu azar comigo. Ele era o editor de polícia do O Clarim e, por aquelas medidas de economia, demitiram o Amir, e me colocaram na polícia. Anos depois, no incêndio da Renner (27 de abril de 1976), nós fizemos uma belíssima cobertura na (rádio) Gaúcha. Eu estava dirigindo o jornalismo da rádio Gaúcha, que tinha poucos repórteres. Mas, usei muitos repórteres de esporte para cobrir o incêndio, e nós ficamos transmitindo toda a tarde lá do local, e a (rádio) Guaíba só dando notícia de hora em hora e nos noticiários. O Amir era o responsável pelo departamento de jornalismo da Guaíba e caiu por causa da cobertura do incêndio da Renner. Foi minha vítima duas vezes, coitado do Amir. Ele era um grande amigo meu (risos).

Benedito – Mas jornalista esportivo cobrindo incêndio deve ser uma coisa interessante (empostando a voz e imitando uma narração): “Acabou de chegar o corpo de bombeiros”.
Bastos —
Eles tiveram que reduzir o ímpeto deles.

Bastos lembra os casos vividos por colegas no tempo em que a rádio Gaúcha funcionava no edifício União | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

As muitas histórias
antológicas e verdadeiras
do jornalismo gaúho

Nubia – Começaste em jornal. Como foste para o rádio? A Gaúcha foi a primeira rádio em que trabalhaste?
Bastos –
Acho que foi. Faz tanto tempo. Acho que a Gaúcha foi a primeira. Quem me levou para a rádio Gaúcha foi o João Ferreira que me indicou para o João Aveline, que dirigia o jornalismo da rádio no edifício União. A equipe de redatores da Gaúcha era o Ivo Correia Pires, o João Souza, o Índio Vargas, eu, o Paulo Totti. O Florianinho (Floriano Soares) estava lá também.

Nubia – E o Florianão (Floriano Corrêa)?
Bsstos —
O Florianão tinha estado. Mas, na época em que eu fui, já tinha saído. O Aveline montou uma baita equipe. Tinha ainda o nosso amigo João Ferreira.

Floriano Corrêa: gostava de namorar e recebeu o apelido de Gran Yusseff | Foto: coletiva.net

Nubia – Sei que ali aconteceram várias histórias, como as do Florianão, por exemplo.
Bastos —
Essa é antológica e é verdadeira. Contei para o filho do (jornalista Carlos Attila) Fuscaldo e a mãe dele, que é personagem da história, vocês vão entender, disse: “mas como é que o Bastos sabe de todos esses detalhes? Aconteceu isso mesmo, assim como ele te disse”. É o seguinte: o Florianão era casado e tinha muitas namoradas. Aí o Aveline apelidou ele de Gran Yussef, um sheik que existia no Marrocos e que tinha 50 mulheres. O Aveline era campeão em dar apelidos perfeitos para as pessoas. Aí duas namoradas do Florianão começaram a brigar na frente da mesa do Florianão, na redação. O Florianão pediu pro Fuscaldo: “me socorre aqui. Elas estão aí, brigando. Dá um jeito de tirar (as duas daqui)”. O Fuscaldo foi levando as mulheres pro corredor, para o elevador. Pegou o elevador e desceu com elas. Estava na frente do prédio do União — as mulheres brigando pelo Florianão e ele tentando separar — e o Fuscaldo olha e está a sogra dele dentro dum táxi. Ela só fez assim para ele (sinal de que ele esperasse para ver o que aconteceria). O Fuscaldo pensou: “Bah! Me quebrei. Não sei o que vai acontecer”. Dito e feito. A mãe da mulher do Fuscaldo chegou em casa e contou (o que viu). Cena seguinte: o Fuscaldo pediu para o Florianão explicar pra mulher dele que ele não era o responsável, que não tinha nada que ver com a história. Ele foi. E disse: “O Fuscaldo estava me ajudando, estava ali para resolver uma briga entre duas namoradas minhas”. Ela virou e disse: “Seu Floriano, o senhor não é casado?” E ele: “É, sou. Mas tenho uma mania de namorar” (risos).

Nubia – Nessa época o Arnaldo Ballvê era da Gaúcha?
Bsstos –
Era dono da Rádio Gáucha.

Nubia – Não foi com ele que aconteceu uma dessas também?
Bastos –
Essa do Ballvê é antológica também. Foi ali na esquia da Conceição com o início da Oswaldo Aranha. Ele estava de carro ali na sinaleira, parado, com a namorada. E uma amiga da mulher dele passa com o marido no carro e abana para ele. Ele pensou: “bom, agora estou ralado”. Mas, muito esperto, largou a namorada, foi em casa e pegou a mulher. Fez o mesmo trajeto (que tinha feito com a namorada) e parou na esquina da Conceição. Quando ele saiu da sinaleira, ele disse: “olha, passou ali a fulana e o fulano”. Meia hora depois, a amiga ligou para a mulher dele para contar que tinha pegado o Ballvê com a namorada. A amiga diz: “pois é, sabe que eu vi o Ballvê ali na esquina da Conceição”. E a mulher do Ballvê: “mas eu estava com ele e ele me disse que vocês tinham passado; só que eu não vi vocês”. (risos)

Arnaldo Ballvê (E), ao lado de Maurício Siortsky: sabia como sair das enrascadas | Foto: Instituto Caros Ouvintes

Benedito — Era uma época romântica do jornalismo, época de boêmia.
Felipe — O jornalismo se fazia na redação ou na Rua da Praia?
Bastos —
Primeiro, o jornalismo se fazia onde estava a notícia. O repórter ia lá. Não ficava na redação telefonando e olhando na Internet, no Google, na Wikipédia e não sei o quê. Não. Ia lá na Assembleia cobrir a Assembleia. Ia na delegacia de polícia, onde estava acontecendo…

Nubia – O Prestes já está cansando de ouvir esta história de que jornalista ia aonde estava a notícia.
Bastos –
Infelizmente, é uma verdade. Eu acho que é um benefício para a humanidade a Internet, mas é um malefício para algumas atividades, como o jornalismo.

Carlos Alberto Kolecza: no novo jornalismo, o jornalista renuncia ao contato com a realidade | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Kolecza – Hoje, as bundas estão pregadas nas cadeiras e nas poltronas diante do computador.
Lorena Paim — Isso prejudica muito o jornalismo hoje?
Kolecza – Ah! Evidente. Mas, isso está ligado a um posicionamento novo do jornalismo, em que o jornalista perde o contato, renuncia ao contato com a realidade que se buscava na rua etc e tal, porque ele já tem uma modelagem, já tem uma posição para aquele assunto, e aí tu eliminas o furo, que era a razão básica do jornalismo que se fazia então. E por que hoje não tem mais o furo? Por que os jornalistas hoje abominam o furo? Porque eles perderam o contato, a conexão com a realidade e passaram a dizer que o furo é uma bobagem, uma mania, uma obsessão das gerações anteriores. Quando o furo é abolido exatamente para que tu abordes um aspecto da realidade que te interessa, e o outro tu deixas de lado.
Nubia – Esta postura reflete, também, uma questão econômica: não gasta com o carro, não gasta com hotel, não gasta com um monte de coisas em que se gastava antes.
Benedito — Mas isso está ligado também à diminuição, à perda de prestígio do jornalismo investigativo.
Bastos –
Ah! Isso é verdade.

"Diziam que se se apertasse a Última Hora, sairia sangue. Mas, ela tinha uma boa cobertura política e sindical" | Foto:Ramiro Furquim/Sul21

A Última Hora tinha
uma cobertura
sindical muito boa”

Elmar — Acho que a grande diferença deste jornalismo desse período é a Última Hora. Foi ela que cristalizou, digamos consolidou, um tipo de trabalho.
Bastos —
Falam muito que a Última Hora, se tu apertasses, saía sangue. Ela tinha uma cobertura policial, mas tinha uma cobertura sindical muito boa, tinha uma cobertura política muito boa…

Kolecza — Que não existia antes.
Bastos —
Que não existia antes. Ela criou.

Kolecza — Ela abriu a janela…
Elmar — Ela reconheceu os sindicatos como agentes sociais importantes para o estado. Hoje, no momento em que os sindicatos são mais importantes do que jamais foram, tu abres os jornais dias e dias e dias e não tem nenhuma notícia de um sindicato.
Kolecza — E quando tem, noticiam que uma passeata é problema de trânsito.
Elmar – Naquela época, os sindicatos eram incipientes. No entanto tinha uma cobertura formidável.
Bastos —
Eu considero o Samuel Wainer (criador da Última Hora) uma figura incrível para o jornalismo brasileiro. Ele foi um grande inovado. Um personagem muito importante na história do jornalismo brasileiro. E ele tinha uma memória! O Samuel esteve em Porto Alegre para uma reunião com o Neu Reinert (diretor de redação da UH em Porto Alegre). Aí ele cumprimentou o pessoal da redação. Passou por mim, passou pelo Florianinho; nos viu assim de relance. Um ano depois, eu e o Florianinho fomos, num voo em que o Brizola levou autoridades — deputados, secretários de estado, Dom Vicente Scherer (na época, arcebispo), o Moab Caldas (líder da Umbanda), que era deputado — para a inauguração de Brasília. Nós entramos no Salão Verde, onde encontramos a Danuza Leão (na época, casada com Samuel), que era uma princesa de bonita, o Bocaiúva Cunha, líder do PTB na Câmara, e o Samuel. O Bocaiúva era sócio do Samuel. O Samuel olha para nós e diz assim: “o que esses gaúchos estão fazendo aqui? Vieram para a inauguração, então?” Ele nos reconheceu. E mal tinha nos visto na redação. Ele tinha uma memória incrível.

"Samuel Wainer foi um grande inovador. Um personagem muito importante na história do jornalismo brasileiro" | Foto: blogdacomunicacao.com.br

Nubia – Como foi viajar de avião há 50 anos?
Bastos —
A história dessa viagem! Fomos num Caravelle da Varig. Na volta, quando estávamos sobre Curitiba, deu um problema, uma pane. O piloto anunciou: “estamos com um problema. Não sei se vai dar para chegar em Porto Alegre. Vamos tentar. Mas, está meio complicado. Talvez a gente tenha que voltar”. Bom, o Hélio Carlomagno, que era presidente da Assembleia na época, tomou, em dez minutos, meio litro de uísque para se acalmar. Eu andava no corredor do Caravelle e o que me chamou mais atenção é que as pessoas mais assustadas no avião eram o Dom Vicente Scherer, chefe da Igreja Católica, e o Moab Caldas, líder umbandista (risos). Eu estava um pouco assustado, mas não apavorado. Os dois estavam completamente aparvalhados. O Dom Vicente estava transparente, branco (risos).

"O deputado Guilherme do Valle era minha fonte" | Foto: Assembleia Legislativa

Nubia — E o furo jornalístico? Sei que para conseguir o furo tinha gente que se escondia em armários, por exemplo.
Bastos –
Tenho uma história em que um dos personagens era o deputado Guilherme do Valle, eleito por Caxias do Sul, e meu informante. Ele gostava do trago. Então, terminava a sessão na Assembleia e nós íamos tomar um trago. Ele era uma grande figura; me contava tudo o que tinha acontecido. Quando o Wilson Vargas perdeu a eleição (de prefeito) para o Loureiro da Silva, em 1959, teve uma reunião cabeluda. Os deputados resolvem pedir a reunião da franqueza da bancada do PTB com o Brizola. Para vocês terem uma noção, dos 55 deputados, o PTB tinha 23. O Brizola tinha feito o que queria na sucessão de Porto Alegre e tinha perdido a eleição. Então, ele tinha que se explicar. Guilherme do Valle me contou tudo isso e eu botei no jornal. Saiu de manchete: “Bancada quer reunião da franqueza”. O Sereno (Chaise) era muito meu amigo e, no dia seguinte, olhou para mim e disse: “bah! Te ferraste! O cara que te contou isso aí, inventou. Não aconteceu nada disso”. Eu digo: “como que não Sereno?”. Ele diz: “não, não aconteceu nada disso.” E eu: “Sereno, onde é que foi a reunião?” Ele respondeu: “foi ali na sala da presidência”. E eu: “Sereno, sabe aquelas cortinas pesadas que têm nos cantos?” Ele disse: “sei”. Disse para ele: “eu estava atrás de uma daquelas cortinas” (risos). Ele disse: “como tu é mau caráter”. E eu: “obrigado por ter me confirmado a notícia” (risos).

Nubia — Como era essa luta pelo furo? Como conseguiam? Tinha uma fonte que privilegiava o repórter?
Bastos —
Eu tinha essa fonte, o deputado Guilherme do Valle. Tinha o (deputado) Mariano Beck. Uma vez o Wilson Vargas me disse: “Bastos, tu está entrando no caminho errado”. Digo: “por quê?” E ele: “porque o Mariano é o cara mais mentiroso do mundo. Uma das (informações) que ele te dá é verdade, mas dez são mentira” (risos). Mas eram meus informantes. Eu cultivava as informações.

Vamos ser honestos:
a Última Hora tinha
dinheiro do Governo”

Felipe – Tu falaste do Clarim e da Última Hora. Por que, depois da ditadura, não teve um jornal com esse viés mais próximo da esquerda? Na época do Clarim e da Última Hora os anunciantes anunciavam? Ou tinha gente rica apoiando? Por que, hoje em dia, um anunciante não apoia um jornal de esquerda?
Bastos —
É que a Última Hora era um jornal barato. Por que era um jornal barato? Porque ela simplesmente alugava uma oficina; não tinha oficina própria. O Samuel tinha oficina no Rio, em São Paulo. Acho que tinha o jornal em sete ou oito estados: Bahia, Pernambuco, Paraná …

"Quem implantou a Última Hora foi o Getúlio Vargas (D) no governo dele" | Foto: metajornalismobrasil.blogspot.com

Felipe – Ele tinha fortuna para investir ou tinha anunciantes? Os anunciantes apoiavam um jornal de esquerda?
Nubia — Ou tinha dinheiro do governo?
Bastos —
Ele tinha esquemas. E vamos ser honestos: tinha dinheiro do Governo. Quem implantou a Última Hora foi o Getúlio Vargas no governo dele, porque toda a imprensa era contra ele e ele disse: “Vou botar o Samuel (a fazer um jornal).”

Elmar — A Última Hora aqui em Porto Alegre tem esse aspecto: era um jornal que tentava se afirmar num ambiente, em primeiro lugar, de jornais muito fortes. O Correio do Povo era uma potência. E ainda tinha a Folha da Tarde, que também era uma grande leitura, e tinha o jornal O Dia, dos católicos…
Bastos —
Tinha o Diário de Notícias, que era um jornal importantíssimo.

Elmar — Ligado à rede dos Associados. A Última Hora para abrir um espaço tinha que…
Bastos —
Mas o Neu Reinert fez um trabalho muito meritório na vinda da Última Hora pra cá. Por quê? Porque o Neu primeiro convenceu o Samuel a ter páginas sobre o Rio Grande do Sul – acho que era na Última Hora de São Paulo, que tinha páginas do Rio Grande do Sul. Então, durante um ano, eu acho, trabalhavam na sucursal da Última Hora (em Porto Alegre) o Aveline e o Florianão.

Elmar – Nessa etapa inicial.
Bastos –
É. Nessa etapa inicial. Ele (Neu) queria provar que tinha condições de (ter o jornal aqui). Então, eles fizeram um trabalho jornalístico muito bom e conquistaram o Samuel. Ele resolveu bancar o jornal aqui. O Samuel era um idealista.

"A Última Hora só apoiou o Brizola no episódio da Legalidade. Ela era crítica do governo Brizola" | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Elmar — A Última Hora aqui teve uma vida de autonomia, né?
Bastos –
Tranquilamente. Por exemplo, todo mundo acha que a Última Hora apoiava o Brizola. Mas, a Última Hora apoiou o Brizola no episódio da Legalidade. Ela era crítica do governo Brizola. O Brizola não gostava muito da Última Hora não. Ela não estava afinada com o Brizola. O Samuel era afinado com o Jango. O Samuel gostava muito de presidente da República: Getúlio, Juscelino, Jango. Presidente da República era com ele.

"O Jango sempre se afinou com o partidão. O Brizola, não" | Foto: Acervo Fotográfico do Museu da Comunicação Hipólito José da Costa


Elmar — A Última Hora tinha uma influência grande do partidão.
Bastos –
Tinha. A redação tinha muita gente do partidão.

Elmar – E o Brizola tinha uma briga com o partidão.
Bastos –
O Jango sempre se afinou com o partidão; o Brizola, não. O partidão apoiou o Brizola na eleição de 1958 e o Brizola negou o apoio: “Eu não quero apoio de vocês”.

Elmar — É que o Brizola achava que o partidão operava no mesmo eleitorado dele e ele se defendia. Tanto que depois, com o PT, ele manteve a mesma postura.
Benedito – Mas, em 1958, ele fez uma aliança para poder se eleger
(Brizola costurou – apesar das objeções no PTB –uma coligação com o PRP – Partido de Representação Popular, de Plínio Salgado, e o PSP – Partido Social Progressista, de Adhemar de Barros).

O Ary de Carvalho arreglou
com a nova situação,
logo depois do golpe”

Elmar — E a Última Hora teve uma característica importante: a do Rio foi fechada no dia 31 de março, quando deu o golpe. A daqui ficou quase cinco dias a mais funcionando.
Bastos —
Não, não. Ficou mais. Ficou um mês e tanto.

Felipe — Como foi a invasão da redação aqui em 1964?
Bastos —
Não, não houve uma invasão da redação aqui. O que houve foi o seguinte: o Ary de Carvalho, que era o dono do jornal — o diretor do Samuel aqui –, no primeiro dia, já se arreglou com a nova situação. Tanto é que o grande questionamento do Mário de Almeida é uma primeira página que ele fez para a Última Hora e que não saiu. Ele não sabe até hoje como é que não saiu. Ele (me disse): “Bastos, me explica, tu estavas lá comigo. Como é que não saiu? Eu fiz aquela página, encaminhei para a oficina, e não saiu.” Claro, o Ary se atravessou e mudou a primeira página. O Mário tinha feito uma primeira página de contestação ao golpe. Era o primeiro de abril. Então, o Ary se atravessou.

Mário de Almeida: capa da UH contra o golpe não saiu | Foto: Coletiva.net

Elmar – Tenho um exemplar da Última Hora do dia dois, três de abril, em que ela, na contramão de toda a imprensa, dizia que o Jango ainda estava no país.
Bastos –
Não, não era bem primeiro de abril. É que enquanto o Jango estava no país, a Última Hora ainda manteve a posição (favorável a ele). Mas, assim que o Jango saiu, o Ary virou. O interlocutor dele era o Godoy Bezerra, cronista esportivo e advogado do jornal. O Godoy fez a aproximação dele com o pessoal todo (do golpe).

Kolecza (dirigindo-se ao Felipe) – Sobre a tua pergunta: houve prisões, mas o principal objetivo deles (da repressão) foi o arquivo fotográfico. Eles foram lá, porque queriam determinadas fotos. Foram mexendo nas gavetas e tal. Aí, o chefe do arquivo, o Jacques Pireur, propôs: “Vocês me digam o que vocês querem, mas vocês não vão bagunçar isso aqui”. Isso porque, ao contrário do Correio (do Povo), que tinha o mais fantástico arquivo fotográfico dos (últimos) cem anos, oitenta, noventa (anos), mas tudo bagunçado, a Última Hora tinha tudo arquivadinho, direitinho. Houve uma negociação. Eles pediram as fotos que queriam e elas foram entregues. Neste episódio do arquivo quem teve um papel muito importante foi o Nestor Fredrizzi, que era o chefe de redação.
Bastos –
Também tenho uma história para contar que dignifica o Nestor.

Kolecza – É onde eu quero chegar. Numa reunião com os generais da alta, de muita estrela no ombro, houve um comentário acintoso, sei lá, bagaceiro, de um general em relação aos jornalistas da Última Hora e o Nestor reagiu com dignidade. De tal forma que ele calou os milicos.
Bastos —
A minha história é um pouco diferente. É que o Ary era muito malandro. Depois, ficou rico. Ele fez O Dia, comprou a Última Hora. Ele era enfant gâté do (banqueiro) Amador Aguiar. Foi o Amador quem deu suporte para todos os empreendimentos de toda a vida do Ary. Mas é o seguinte: logo que o Ary aderiu (ao golpe), ele disse para o (Paulo) Totti e o (João) Aveline: “vocês têm que se esconder porque querem prender vocês”. Então, o Totti e o Aveline trataram de se esconder e me designaram como representante deles junto à redação. Eu comecei a ficar matreiro com aquele troço. Falava pro Nestor: “Nestor, o Totti e o Aveline querem voltar a trabalhar”. Ele dizia: “O Ary diz que não dá, que eles ainda estão em quarentena, têm que ficar fora”. Aí passaram uns 15 dias, eu disse pro Nestor: “olha Nestor, isso aí está me cheirando mal. Vou te pedir um favor: vou bater o ponto dos dois e tu vais assinar o ponto como chefe da redação.” E o Nestor disse: “correto. Eles não estão escondidos por determinação da direção do jornal? Estão. Então, está correto. Faça isso”. Um mês e dez dias depois da saída do Aveline e do Totti da redação, eles não aguentavam mais. Estavam angustiados. E me pediram: “nós queremos nos reunir com o Ary, nos leva na casa do Ary.” Levei os dois na casa do Ary. O Ary, quando nos viu entrando na casa dele, ficou branco, pálido. Pensei que ele ia desmaiar. Ele morava lá perto da Carlos Gomes. Ele disse: “É, agora, estou com um problema com vocês aí. Não sei como é que vou resolver isso”. Os dois: “Mas qual é o problema? Nós não queremos continuar no jornal, não tem ambiente para nós continuarmos. Nós queremos que tu nos demita e pronto. Pegamos a nossa demissão, o dinheiro da demissão e…”. E o Ary: “Não, mas o problema é esse: os novos donos são de direita e não querem…”

Nestor Fedrizzi cala a boca dos militares que falavam mal de um jornalista da UH | Foto: sarh.rs.gov.br

Nubia — Os novos donos eram os Sirotsky?
Bastos –
Não. O Sirotsky só entrou em 1967. Os novos donos eram o Ary de Carvalho, o Ricardo Eichler, o Dante de Laytano e o Otto Hoffmeister. Eram quatro empresários que compraram a Última Hora. O Samuel vendeu para eles as dívidas da Última Hora. Eles assumiram as dívidas, ficaram donos, deram 50% das ações para o Ary. Os outros três ficaram com 50%. Bem, aí o Ary disse: “pois é, os novos donos não querem indenizar os funcionários comunistas”. Eu disse: “Mas não tem esse problema Ary”. E ele: “por quê?”. Eu digo: “porque eles não estão há 30 dias fora do jornal”. “Como não estão há 30 dias?”. “Não, não estão, porque eu bati o ponto deles e o Nestor, com a autoridade de chefe de redação, abonou”. Aí ele se entregou. Disse: “mas o Nestor não podia ter feito isso”. Quer dizer, era uma malandragem dele. Eu tinha outra história para contar do Mário de Almeida, mas essa aí é a meu favor e eu não sei se vale a pena contar (risos).

Elmar – Eu queria esclarecer uma coisa, porque é uma coisa historicamente importante: tenho informação de que no dia 1º de abril, a Última Hora foi empastelada em todos os estados, menos no Rio Grande do Sul. O Samuel se escondeu.
Bastos —
Ele foi para a França. Em Porto Alegre, o jornal circulou até o início de maio. No início de maio para e, cinco dias depois, é lançada a Zero Hora.

Elmar – Mas por que houve essa mudança de nome se ela tinha aderido?
Bastos —
Ela aderiu, mas eles (os novos donos) não queriam ficar com o nome, com a marca. Eles quiseram se desmarcar. A intenção deles era se desmarcar.

"Não tenho dúvida de que se pegam o Mário de Almeida, matam o Mário de Almeida, principalmente naqueles primeiros dias" | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Nubia – E a história do Mário de Almeida?
Bastos –
É o seguinte: ele era odiado pela polícia. O Mário tinha uma coluna, na página central do jornal, que era pau na polícia. Um troço devastador. Era pau, pau, pau na polícia. E eu não tenho dúvida de que se pegam o Mário de Almeida, matam o Mário de Almeida, principalmente naqueles primeiros dias. Cheguei um dia no jornal e me deu um cutuco. Eu sabia que o Nestor (Fedrizzi) estava guardando o Mário de Almeida. Eu digo: “Nestor, todo mundo da redação sabe onde o Mário de Almeida está”. O Nestor tinha se mudado de apartamento. Ele morava na Silva Só e se mudou para a Tomaz Flores. “Todo mundo está sabendo que o Mário está guardado no teu antigo apartamento. Daqui a pouco pegam um cara, ele não vai querer contar, mas batem nele e ele entrega. Batendo, o cara entrega.” Eu propus, então: “vamos fazer o seguinte Nestor: tu me entrega o Mário e tu não vai saber onde é que vou guardá-lo. Tu só sabes que estou guardando o Mário, mas não sabe onde”. Peguei o Mário e levei. Eu tinha um irmão solteirão, que morava sozinho, que não era metido em política. Disse pra ele que o meu amigo estava correndo risco de vida e meu irmão topou abraçar o Mário. O Mário ficou no apartamento que ele tinha na Cidade Baixa, numa rua em que não me lembro o nome. Meu irmão tinha muitas mulheres que iam lá. Gostava muito, principalmente, de prostituta. Eram as namoradas do meu irmão. O Mário traçou todas (risos). E tomou todas. Meu irmão também gostava de um trago. E o Mário tomou toda a adega dele. Meu irmão dizia: “bah! Aquele chupa mais que eu”. O Mário, sempre que me encontra, diz: “esse aqui salvou minha vida”. Não tenho dúvida. Salvei a vida dele.

Escondi o Mário de Almeida
na casa do meu irmão.
Mas, ele começou a surtar”

Nubia – Não foi o Mário que vocês foram levar para fora de Porto Alegre no teu carro?
Bastos —
Essa é maravilhosa! O João Ferreira deve ter te contado a história. É o seguinte: o Mário ficou um mês na casa do meu irmão, mas daí começou a surtar. Estava trancado lá dentro. Não podia sair. Fui na casa da Ivete Brandalise, que era colega do Mário do Teatro de Equipe, porque o Mário me pediu: “vai lá, pede para Ivete para eu ir pra Concórdia, na casa dela em Santa Catarina”. Chegamos na casa da Ivete — eu e o João Ferreira — e a Ivete nos convenceu com um argumento forte: “Bastos, Concórdia é desse tamaínho. Todo mundo conhece o Mário. Nós passamos um mês de férias lá e todo mundo conheceu o Mário. Agora, ele vai pra lá e em vinte minutos está preso. Mas acho que vocês têm onde esconder o Mário: na fazenda do pai do Paulo José”. O Paulo José, ator da Globo. O pai do Paulo José era engenheiro do DAER e era do partidão. Aí eu e o João Ferreira chegamos no apartamento do pai do Paulo José, que era na Barros Cassal. Isso é um mês depois do golpe.

"O pai do Paulo José estava guardando no apartamento 25 guris" | Foto Ramiro Furquim/Sul21

Elmar — Os caras estão caçando…
Bastos —
Estão caçando todo mundo. Aí nós chegamos ali, apertei a campainha, veio o pai do Paulo José atender a porta. Perguntei: “O Orlando está?”, porque eu conhecia o irmão do Paulo José, o Orlando. Ele disse: “não, o Orlando viajou. Está em São Paulo. Mas o que o senhor queria?” Eu digo: “é que nós somos amigos do Mário de Almeida”. E ele: “Ah, então entra”. O pai do Paulo José conhecia o Mário de Almeida. Quando nós entramos, tinha – acho — que uns 25 jovens, estudantes. O pai do Paulo José estava guardando no apartamento 25 guris. Os caras estavam tomando um sopão. A mãe do Paulo José servindo um sopão ali pros guris. O velho estava guardando na casa dele todo aquele bando.

Elmar — Era o lugar menos indicado para levar o Mário.
Bastos —
Cheguei e disse: “olha, o problema do Mário é o seguinte: ele está surtando. No lugar onde ele está guardado não vão descobri-lo, porque eu não vou lá”. A ponte que eu fazia é que eu almoçava na casa dos meus pais e meu irmão também. Aí nós trocávamos informações. O Mário mandava recado e eu mandava recado pra ele. E não tinha como descobrir. “Mas, ele quer sair”. O pai do Paulo José nos disse: “Vocês têm mais sorte do que juízo. Estou indo amanhã para minha fazenda em Lavras do Sul. Mas, só tem o seguinte: o Mário é dinamite pura, e dinamite pura eu não tiro de Porto Alegre. Vocês vão me entregar o Mário lá perto de Arroio dos Ratos”. Eu digo: “não tem problema. Nós entregamos o cara”. No outro dia, de madrugada – estava escuro ainda – saímos no meu carro.

Bastos – Próximo encontro meu com o Mário de Almeida: 1979, eu trabalhava na (rádio) Guaíba. Estou numa entrega de prêmios para jornalista, com o Tonho Caldas (Francisco Antônio Caldas, diretor da Empresa Jornalística Caldas Jr) e o Mário de Almeida foi representando ninguém mais, ninguém menos, do que o Roberto Marinho (risos), dono da Rede Globo, porque o Mário era da Fundação Roberto Marinho.

Se os policiais tivessem pegado o Mário, iam matá-lo como mataram o coronel da Base Aérea, o Alfeu Monteiro. O Alfeu Monteiro foi quem comandou a sublevação dos suboficiais e sargentos da Aeronáutica, que esvaziaram os pneus e os tanques de gasolina dos aviões na Legalidade. No dia 31 de março ele foi executado no Cassino de Oficiais. Um oficial atirou nele, na cara dele assim. Matou ele ali.

Euclides Kliemann depondo sobre a morte da mulher: "“O Kliemann teve três azares na vida" | Foto: reprodução

Elmar – Voltando para a Última Hora. O jornal tinha uma bronca com a polícia porque toda a cobertura da Última Hora era muito crítica. A Última Hora fazia, o que seria correto: ouvir a polícia e ouvir as vítimas, coisa que hoje não se faz. Mas a Última Hora também fazia umas marotagens.
Bastos –
O Caso Kliemann, por exemplo (assassinato de Margit, mulher do deputado Euclides Kliemann e, a seguir, do próprio deputado). Fui entrevistado sobre o caso e disse: “O Kliemann teve três azares na vida. Primeiro, ele antecipou a volta de Santa Cruz (para Porto Alegre). Ele foi para passar um final de semana e voltou no domingo. Tinha que voltar na segunda. O sobrinho dele foi na casa dele, achando que a família não estava em casa. Aí encontrou a tia e a matou. Tenho certeza disso. E o livro do Celito (De Grandi, autor de Caso Kliemann, a história de uma tragédia) conduz a isso. O Celito não tomou posição, mas os depoimentos que ele colheu, principalmente de uma das filhas, dizem literalmente isso. Em segundo lugar, o vereador lá de Santa Cruz (Floriano Peixoto Karan Menezes, conhecido por Marechal) acusou o Kliemann de assassino, na rádio, e o Kliemann entrou no estúdio desarmado. O Marechal estava com um revólver na mão e matou o Kliemann. O terceiro azar dele foi pegar o Sérgio Jockymann com toda a sua criatividade, como o super-editor da Última Hora. O Jockymann redigia as principais matérias. Aí ele criou aquele mundo todo.

O Índio Vargas
queria sequestrar
um dos Sirotsky”

Elmar — O próprio Jockyman deu um depoimento sobre esse caso ao Coojornal. Ele conta que inventava personagens, como a dama de vermelho.
Bastos –
É. Ele inventou a dama de vermelho e várias outras coisas. Ele era muito criativo.

"O Índio Vargas vai na minha casa para eu colaborar no sequestro de um dos Sirotsky" | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Nubia – Vamos falar de novo sobre 64? Como foi a reação ao golpe nas redações? Há também um lado engraçado como o do João Aveline ter apelidado o Flávio Tavares de gelatina.
Bastos —
O Aveline apelidou o Flávio de gelatina porque o Flávio tinha diálogo com a redação e tinha diálogo com a direção. Então ele disse: “é o nosso gelatina”. Aí, quando o Flávio foi preso como o doutor Falcão, na guerrilha de Caparó, eu cheguei para o Aveline e disse: “se ele é gelatina o que nós somos?” O Aveline reagiu: “Eu não sou um irresponsável. O Partidão tem uma linha: não tem luta armada, não pode haver luta armada, não tem como derrubar isso aí com luta armada”. Estamos conversados. Mas, tenho uma boa história para contar do Índio Vargas. Ele estava metido com o Edmur (Péricles Camargo) em assalto a banco, para fazer caixa e comprar arma. E eles resolveram sequestrar um dos dois Sirotsky (Maurício ou Jayme). Eu trabalhava na RBS. O Índio vai na minha casa para eu colaborar. Eu digo: “Índio, tenho um impedimento ético aí”. Ele diz: “como?” Explico: “Fui colega do Jayme dez anos em Passo Fundo. O Maurício foi colega do meu irmão mais velho dez anos. O Semi, o outro irmão deles, foi colega da minha irmã dez anos. Eles frequentavam a minha casa. O Jayme não me chama de Nenê, ele me chama como minha mãe me chamava, de Nene, como é que eu vou participar de um negócio desses? Estou impedido. Agora, te garanto o seguinte: nem a minha mulher, que está ali na outra sala, vai saber dessa história. Fica tranquilo. Não vou contar para ninguém.” Acabaram não sequestrando. Não sei por quê.

Nubia – Havia muita gente dentro das redações envolvida com a luta armada, não é mesmo?
Bastos –
Tinha. O Cleiton Metz, por exemplo, era repórter da Zero Hora – depois foi repórter da Folha da Manhã –, cobria o setor econômico e estava metido no pesado do negócio.

"Os militares delegaram para os donos dos jornais e seus prepostos fazerem o trabalho sujo da censura"|l Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Nubia – Nas redações também houve, além da censura política, a econômica. Um exemplo para mim foi a proibição de noticiar o Movimento dos Sem Terra, quando ele surgiu. Isso me cheirou a uma censura mais econômica do que política, já que as empresas estavam muito ligadas aos agropecuaristas.
Bastos –
Aí eu tenho uma tese. Acho que o pior crime que a ditadura fez não foi a censura. A censura explícita foi um hiato, um período não muito longo. O pior é que eles promoveram a autocensura. Quem tinha que decidir o que publicar, noticiar, era eu, responsável por um jornal, por uma televisão. Eu é que tinha que decidir. Dizem que os militares são burros. Eles não são burros. Eles foram muito inteligentes. Eles delegaram para os donos dos jornais e seus prepostos – no caso, eu era um preposto — fazer esse trabalho sujo. Fomos nós, jornalistas que estávamos à frente das redações dos jornais, das rádios e das televisões (que praticamos a autocensura).

Felipe — Ficou uma herança disso. Até hoje há um receio de publicar certas coisas.
Bastos –
É. Acho que é uma consequência natural. Não era o Maurício (Sirotsky) que dizia o que eu tinha que botar ou não. Mas, se eu botasse o que não devia, ele me tiraria no dia seguinte.

Hamilton Chaves, uma das grandes influências na vida jornalística de Bastos | Foto: Arquivo Pessoal


Igor Natusch – Quais as pessoas que influenciaram a tua carreira de jornalista?
Bastos —
Quem me levou (para o jornalismo) foi o José Silveira, que teve muita influência sobre mim. É uma figura importante do jornalismo brasileiro. Para tu teres noção, ele foi, durante 20 anos, secretário do Jornal do Brasil. No período do grande Jornal do Brasil. A segunda figura que me influenciou muito foi o Hamilton Chaves, que foi meu chefe de redação no O Clarim. A terceira pessoa foi o (João) Aveline, que foi meu chefe.

Elmar – Vamos falar sobre a queda da Caldas Jr. (empresa que publicava três jornais – Correio do Povo, Folha da Tarde e Folha da Manhã – e era proprietária da Rádio e da TV Guaíba). A quebra da empresa foi uma coisa totalmente inesperada, porque a Caldas Júnior era uma superpotência. Em 1972, quando voltei para Porto Alegre, a Caldas Júnior ainda pagava o salário dos funcionários com dinheiro dos classificados.
Bastos —
Bom, eu tenho duas teses. Cheguei em Porto Alegre com 16 anos, defendendo teses. Imagina, agora. Com 76 anos, defendo 500 teses. Uma das minhas teses é que a maxidesvalorização do cruzeiro foi fatal.

Breno Caldas deixou o
Delfim Netto esperando
por ele e ganhou um inimigo”

Elmar – Mas, todo mundo foi avisado.
Bastos –
O chefe da Casa Civil, Leitão de Abreu, era amigo do Breno Caldas (proprietário da Empresa Jornalística Caldas Júnior) e não o avisou. Foi um equívoco. Mas, aí tem o detalhe da soberba do Breno Caldas, que vou relatar agora. O governo avisou toda a grande imprensa – a Veja, a Manchete, o Estadão, o Diário de Minas, o Jornal do Comércio, de Pernambuco, a Rede Globo, a Zero Hora, todos foram avisados. E todos se prepararam para suportar esta maxidesvalorização. Por equívoco, não avisaram o doutor Breno.

Breno Caldas (D), ao lado de Arlindo Pasqualini: Delfim esperou por Breno durante cinco horas | Foto: Instituto Caros Ouvintes

Elmar — Não foi por equívoco.
Bastos –
Acho que foi. Deixa, primeiro, eu defender minha tese. Depois, tu rebate. Foi um equívoco. Só que o Leitão de Abreu mandou o Delfim (Netto, ministro do Planejamento, Orçamento e Gestão) resolver o problema aqui, em Porto Alegre. Só que daí o doutor Breno deixou o Delfim durante cinco horas na casa do Tonho (Francisco Antônio Caldas, filho de Breno Caldas) esperando por ele. O Delfim cansou e foi embora. E ganhar o Delfim de inimigo naquela hora, pela mãe do guarda! Não tem inimigo pior.

Elmar — O Breno conta nas memórias dele que lhe prometeram que o Delfim daria uma solução. E que o Delfim veio aqui, tergiversou, não falou com ele e foi embora.
Bastos –
Não falou com ele, porque ele não foi falar com o Delfim.
Tenho outra história do Breno Caldas. O representante da (TV) Manchete veio a Porto Alegre e o doutor Breno deixou-o de castigo na antessala dele na Caldas Júnior, das duas às sete da noite. Aí, às sete da noite, o cara pegou um táxi, subiu o morro e foi falar com o (Otávio) Gadret, na (TV) Pampa. E a Manchete fechou com o Gadret. Acho que outro fato, que desestabilizou a Caldas Júnior, foi a (construção da) televisão (Guaíba). O doutor Breno teve uma proposta do Roberto Marinho para que a TV Guaíba integrasse a Rede Globo e ele não quis porque os editoriais na Rede Globo seriam do Roberto Marinho e não os dele. Ele não admitia isso. Quis fazer uma televisão regional. Não existe televisão regional. Acho que ali ele se quebrou.

Bastos teve paralisia facial e foi trabalhar. Breno Caldas teve o mesmo problema e não saiu de casa por 45 dias | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Nubia – Era difícil a convivência com o Breno Caldas? Tu eras o chefe de jornalismo da Rádio Guaíba.
Bastos –
Não. Tive uma boa convivência com ele. Até porque tive um problema muito parecido com o dele: já tive várias paralisias faciais. Numa delas, eu recém tinha ido para a Caldas Júnior. É de fundo nervoso. Tive paralisia facial e fiquei torto. Mas, fiquei torto na sexta-feira e na segunda-feira estava lá trabalhando. Vi que o doutor Breno me olhava. Eu passava na frente do gabinete dele e ele me olhava. Um dia ele me chamou e disse: “tu notas que eu fico te olhando?” Digo: “É doutor Breno, mas não é só o senhor, é todo mundo. Estou torto”. Ele disse: “mas eu estou é te admirando”. Digo: “por que doutor Breno? Não tem porque me admirar”. E ele disse: “estou te admirando, porque tu entortaste e na segunda-feira estavas aqui trabalhando, como se não tivesse acontecido nada”. Digo: “estou entortando pela quarta vez”. E ele: “Eu entortei uma vez e fiquei 45 dias trancado no arado. Só saí quando desentortei”.

Tenho outra história boa para contar do Doutor Breno, de quando o Brizola voltou do exílio. Eu dirigia o jornalismo da Guaíba e o (Armindo Antônio) Ranzolin era o diretor da rádio.

Bastos – Fiquei dois anos na Rádio Guaíba, de 1977 a 1979. Foi uma bela passagem, uma bela experiência. E o doutor Breno era uma figura muito interessante. Ele acompanhava todos os noticiários da rádio. Aí ele dizia: “tinha tal erro de português no noticiário das quatro da tarde. Eu ia ver e tinha o erro”. Ele tinha senso muito aguçado de jornalismo.

Nubia – Em 61, tu entraste para o PTB? Como foi essa história de entrares num partido, sendo jornalista?
Bastos —
Não entrei no partido. Afinei com o PTB na época da Legalidade. Até a Legalidade eu não tinha partido. A Legalidade me fez ir pro PTB.

No primeiro dia, Brizola
ficou tentando que o Jânio
renunciasse à renúncia”

Benedito – O que tu fizeste na Legalidade?
Bastos —
Eu era repórter da Última Hora. Cobria a Assembleia e, um pouco, o Palácio, que era mais coberto pelo Flávio Tavares. No dia 25 (de agosto de 1961), duas e meia da tarde, estou atravessando a Praça da Alfândega e me pecho com o Silveira, pai do jornalista Norberto Silveira. Ele era presidente do Instituto Brasil-URSS. E me diz: “Bastos, tu estás indo para o jornal?”. Digo: “tô”. E ele: “acelera o passo porque o Jânio renunciou”. Eu: “como Silveira?” Ele: “o Jânio renunciou”. Saí pensando com meus botões: “mas esses comunistas sempre fazendo terrorismo (risos). Agora, vem me inventar essa história que o Jânio renunciou. O Jânio fez uma carreira toda: se elegeu vereador, deputado, governador, por vários partidos diferentes; foi deputado federal pelo PTB do Paraná, uma loucura, só para ser presidente da República e, agora, vai renunciar sete meses depois? Que história é essa?” Quando entro na Última Hora, a redação estava um caos, estava em polvorosa. O Jânio tinha renunciado mesmo. Então, eu soube da notícia da renúncia do Jânio assim. Aí subi para a Assembleia, para o Palácio. No primeiro dia, o Brizola ficou tentando que o Jânio renunciasse à renúncia.

Brizola não conseguiu falar com Jânio. Soube por Carlos Castelo Branco que a renúncia era irrevogável | Foto: Acervo Fotográfico do Museu da Comunicação Hipólito José da Costa

Benedito — Ele queria que o Jânio viesse para cá?
Bastos —
É que o Jânio tinha programado uma vinda pra cá na segunda-feira e renunciou na sexta-feira anterior. O Brizola não conseguiu falar com o Jânio. Só com o Carlos Castelo Branco (assessor de imprensa do Jânio), que disse para ele que a renúncia do Jânio era irrevogável. Eu ia todos os dias para o Palácio. Ia para casa para tomar banho, mudar de roupa e voltava para o Palácio.

Felipe — O Jânio disse que era irrevogável, mas o objetivo dele não era ser ungido ao poder de volta?
Bastos —
Essa é a minha tese até hoje.

Felipe — Então por que ele não aceitou o apoio do Brizola?
Bastos –
É que já tinham transformado em fato consumado a posse do (Ranieri) Mazzilli. O que o Jânio achava que não ia acontecer, já tinha acontecido.

Elmar – O Castelinho, o Lucídio Castelo Branco, tem um depoimento importante.
Bastos –
Ele foi a Montevidéu (em 1961, quando o vice-presidente retornava ao Brasil) e o Jango o nomeou seu assessor.

"O que eu fiz na Legalidade? Participei da revolução dos jornalistas" | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Elmar — O Lucídio diz uma coisa muito importante nesse depoimento dele: o Brizola propôs ao Jango que não aceitasse o parlamentarismo, que ele seguraria as pontas e garantiria a posse do Jango como presidente, sem parlamentarismo. Seria uma revolução. Ele diz que o Jango recusou, primeiro, porque, de certa forma, ficaria refém do Brizola. E, segundo, porque acho que não era do temperamento do Jango fazer esse tipo de enfrentamento.
Bastos —
Qual é a leitura que eu faço hoje? O que eu fiz? Participei da revolução dos jornalistas. Primeiro, quero dar um depoimento para vocês: tenho partido, tenho clube de futebol. Já fui chefe de redação, diretor de jornalismo, de rádio, de jornal, de televisão; diretor de setor de esportes também, e eu era conselheiro do Grêmio. Fui 30 anos conselheiro do Grêmio. Infelizmente, fui cassado pelo povo há um ano, quando a minha chapa era da direção e a direção estava em penúltimo lugar no campeonato brasileiro. É duro ser cassado pelo povo. (risos)

Na época (da Legalidade), o Luiz Carlos Barreto, esse cineasta que está aí até hoje, o Barretão, era repórter da (revista) O Cruzeiro. Tenho a seguinte cena cravada na minha retina: o Barretão subiu numa cadeira, numa mesa da sala de imprensa do Palácio, e exortou os jornalistas: “vamos lá pressionar o presidente. Não podemos aceitar o parlamentarismo e tal”. O grupo tinha entre 150 e 200 jornalistas. O Batista Filho foi quem credenciou os jornalistas na Legalidade. Credenciou 400 pessoas. Tinha alemão, italiano, espanhol, americano. Tinha de tudo. Gente que veio pelo Rio de Janeiro e gente que veio por Montevidéu e por Buenos Aires. E o Barretão, com o Flavio Tavares e o Tarso de Castro – olha que parceria! –, conduzindo o pessoal. Fomos lá, interpelamos o Jango. Ele deu a explicação e disse que já tinha aceitado (o parlamentarismo). Explicou as razões dele: não queria ver derramamento de sangue. Naquela época, eu era contra o parlamentarismo, só que, hoje, faço a seguinte reflexão: não tinha como (Jango assumir). 1961 foi pouco depois do Fidel (Castro) ter assumido o poder (em Cuba). Os americanos não iam aceitar arrancar no muque: o III Exército subir e chegar em Brasília. Naquela época, eu não achava isso, estava com a tese contrária, mas hoje eu acredito que os Estados Unidos não deixariam o Jango assumir na marra a presidência.

"Barretão exortou os jornalistas: 'vamos lá pressionar o presidente. Não podemos aceitar o parlamentarismo'" | Foto: cinemagia.wordpress.com

Lorena Paim – Quem teve a ideia do parlamentarismo?
Bastos –
A minha tese, baseada em informações que tenho, é de que o Almino Afonso teve a ideia (do parlamentarismo). O Tancredo (Neves) foi quem desenvolveu. Foi ele quem se encontrou com o Jango (em Montevidéu) e convenceu o Jango (a aceitar).

Elmar — Mas o Brizola era contra?
Bastos —
É, o Brizola era contra radicalmente, e ele se afastou do processo. No momento em que o Jango chega (a Porto Alegre) e demonstra que vai aceitar o parlamentarismo, o Brizola tira o time dele fora.

Nubia – A Nídia Guimarães contou em seu depoimento sobre a Legalidade que o Josué foi mandado pelo Brizola para o Rio de Janeiro, a fim de montar a Cadeia da Legalidade por lá.
Bastos —
É verdade. Mas, não foi para montar a Cadeia da Legalidade. Foi pra publicizar a Cadeia da Legalidade. Durante 20 anos, cobrei um livro sobre a Legalidade de duas pessoas: do Flávio Tavares, porque ele estava na antessala do Brizola o tempo todo da Legalidade, e do Josué Guimarães, que esteve no Palácio todo o tempo. O Flávio está escrevendo um livro agora. O Josué não escreveu e ele tinha muitas histórias para contar.

Josué Guimarães foi ao Rio de Janeiro publicizar a Cadeia da Legalidade | Foto: paginadogaucho.com.br

A noite dos tanques foi aterrorizante. Chegou a notícia que os tanques da Serraria estavam vindo para atacar o palácio. Aí é um negócio que eu tenho dificuldade para falar agora, senão eu me emociono. Os estudantes arrancaram os bancos da Praça da Matriz e criaram obstáculos em todos os acessos ao Palácio para prejudicar a chegada dos tanques. Mas, no Palácio, deu uma esvaziada. Muita gente começou a sair. E o Josué com aquela verve dele: “Acho bom fechar essa porta, senão daqui a pouco não sobra ninguém aqui dentro”.

Vou contar outra história do Josué. Na Legalidade, o pseudônimo dele era Jorge. O do contato dele, João. E o João liga, dizendo: “Jorge, consegui aquele alfaiate”. “Sim, e daí?”, pergunta o Jorge, que era o Josué. O João responde: “Ele já fez as casas, a lapela; só falta a antena”. (risos) Ele já tinha montado o transmissor. Outra história: o mesmo João liga para o Jorge: “Consegui seis pássaros. Mas, só tem quatro pilotos”.

Brizola se elegeu governador
do Rio de Janeiro
por causa da Legalidade”

Elmar — Que lição a Legalidade nos deixou?
Bastos —
A resistência democrática e a defesa da Constituição. Claro que o Brizola foi meio gênio político no comando da Legalidade. Tomou o pulso. Articulou tudo; fez tudo. Mas acho que isso teve consequências para a carreira dele.

"A Legalidade teve consequências positivas para a carreira política de Brizola" | Ramiro Furquim/Sul21

Elmar — Negativas?
Bastos —
Positivas. O Brizola se elegeu deputado com 250 mil votos, o quarto na votação do Rio de Janeiro no ano seguinte, por causa da Legalidade. E por que, na volta do exílio, ele se elege governador do Rio de Janeiro? Vou contar um episódio aqui. Estou contando muita vantagem. Eu era diretor de jornalismo na (TV) Gaúcha e participava das reuniões da (TV) Globo. Aí teve uma reunião para a preparação da primeira eleição direta, aquela de 1982. Cada um dava o quadro do seu estado. Pedi para a Alice Maria, que estava dirigindo a reunião, para dar a minha opinião sobre o Rio Grande do Sul e um pitaco sobre o Rio de Janeiro. O Brizola estava com 4%. Isso era março. Disse que no Rio Grande do Sul deveria ganhar o segundo colocado nas pesquisas. E sobre o Rio: “só vou dizer uma coisa para vocês: o Brizola está com 4% (de preferência dos eleitores), a Sandra Cavalcanti está com 50%. Não sei se o Brizola ganha a eleição, mas que ele vai disputar no Fotochart, vai. Usei uma linguagem de turfe”. Depois que o Brizola ganhou a eleição, a Alice Maria me disse: “Bastos, agora, para saber sobre qualquer eleição, vou ligar para ti. Agora, tu és meu guru, no caso de eleição”. A própria votação do Brizola para presidente, em 1989, no Rio Grande do Sul, foi de 60% do eleitorado gaúcho. Aquilo foi consequência da Legalidade. Não tenho dúvida disso.

Benedito – O governo do Brizola tem outra marca, que são as brizoletas, a construção das escolas. Isso também não foi importante?
Bastos –
Claro que foi. Me perdoe. Cometi um equívoco. O Brizola teve duas grandes coisas na carreira política dele toda: a Legalidade e a escola de turno integral. Vou ser sincero com vocês. Não é porque sou brizolista, trabalhista, mas acho que não tem salvação para a sociedade brasileira fora da educação de turno integral. Aí o guri passa todo o dia lá, na escola, e não vai ficar chapado nas esquinas. Ele estará no colégio. Como governador, ele construiu 6 mil escolas no Rio Grande do Sul, chamadas de brizoletas. Este nome foi dado a um bônus que o Brizola criou na Legalidade. Mas, com o tempo, as escolinhas de madeira do Brizola, passaram a ser chamadas de brizoletas.

"O Brizola teve duas grandes coisas na carreira política dele toda: a Legalidade e a escola de turno integral" | Foto: Reprodução

Benedito — Foi uma coisa fantástica: construir, naquele momento, 6 mil escolas em um estado que tinha quantos municípios?
Bastos –
Duzentos e poucos. É que o Brizola, pela vida dele, achou que o estudo o ajudou a se desenvolver. Ele enfrentou muitas dificuldades. Foi ascensorista na Galeria Chaves. Comeu o pão que o diabo amassou. Foi estudar em Viamão, de graça, na Escola Técnica. Toda a vida dele foi de dificuldades e foi com o estudo que ele pôde ascender. Então, ele achava que isso tinha que ser esparramado para todo mundo.

Elmar — O Pedrinho Alvarez, que hoje está com quase 90 anos, tem um livro de memórias pronto, escrito já há uns dez anos, que vai ser publicado. Ele conta o seguinte: estava lá na casa do comandante do III Exército na hora da decisão. E quando o Jango disse “não, eu não vou resistir, não quero derramamento de sangue”, o Brizola ficou furioso. O Jango saiu da sala e o Brizola gritou: “vai rengo, filho da puta, tu nunca mais vais voltar ao Brasil”. Tu acreditas?
Bastos —
Teve alguma coisa disso. Vou contar uma história: o Pedro Alvarez era vizinho da minha noiva, na época. Minha noiva morava na frente da casa do Pedro. Era 1964, período do golpe. Havia passado uma semana (do golpe). Estou lá, visitando minha noiva. Estamos dentro do carro. Aí vejo o Pedro atravessar a rua com um ar agressivo. E ele grita com uns caras que estavam num carro parado atrás de mim: “seus cafajestes, seus vagabundos, não sei o quê, não sei o quê”. Os caras arrancaram e saíram, e ele atirou neles.

Pedro Alvarez, perseguido, fugiu para o Uruguai | Foto: Arquivo Pessoal

No dia seguinte estou lá com minha noiva, quando vejo passar, dentro de um fusca, dois caras, com cabelo bem raspado, com umas camisas de física. Vi que eram militares. Passaram uma vez, passaram duas, passaram três. De dez em dez minutos, eles passavam ali, na rua Oscar Bittencourt. Aí eu disse para minha noiva: “entra aí (no carro) que eu tenho que fazer um negócio”. Comecei a seguir os caras. Eles aceleravam, eu acelerava; eles diminuíam a marcha, eu diminuía a marcha. Daí eles pararam o carro, na (rua) José de Alencar, em cima dos trilhos do bonde. Saíram os dois de dentro. Eram dois polacos, grandes e fortes, com duas metralhadoras a tira colo. Me perguntaram: “Por que tu estás nos perseguindo?” Eles tinham ido lá provocar o Alvarez, matar o Alvarez. Eu digo: “estou com a minha noiva e aí passam dois homens olhando para o lado…” Eles fazem um ar de inteligente e dizem: “não, nós estávamos olhando para o outro lado”. O lado da casa do Alvarez. Dei de namorado ciumento e eles me liberaram. Fui correndo na casa do Alvarez. Ele não estava. Falei com a esposa dele, dona Iná: “Olha, manda o Alvarez se mandar porque os caras vão faturar ele”. Aí contei a história. E ela disse: “foi bom tu nos contar. Amanhã ele vai para o Uruguai”. No outro dia, o Alvarez se mandou para o Uruguai. O Alvarez disse que vai contar essa história no livro. Só que o Alvarez deu um pouco de Sérgio Jockyman. Ele diz que os caras que estavam ali na frente eram o trio da segurança. Um deles, o coronel Léo Etchegoyen. Não sei se eram esses. Estava evidente que era o pessoal do DOPS. Estavam num carro do DOPS. Mas, acho que não eram do primeiro time. O Alvarez, no entanto, chegou mais perto deles.

O Rio Grande tem
uma tradição quase
histórica de mudar”

Felipe — Uma pergunta de quem não viveu a época da Legalidade. Tu disseste que aderiste ao PTB depois da Legalidade. A Legalidade deve ter empolgado muita gente. Por que, depois, o (Ildo) Meneghetti ganhou a eleição (o candidato do PSD havia governado o Estado de 1955 a 1959 e foi reeleito para o período 1963-1966)?
Bastos —
Bom, aí tu te esquece que um ano antes, em 1962, o Brizola se elegeu deputado federal pelo Rio de Janeiro com 250 mil votos, quando o eleitorado do Rio de Janeiro era de 1 milhão de votos. Ele fez um quarto do eleitorado para deputado federal.

Ildo Meneghetti entregou o governo para Brizola e recebeu-o de Brizola | Foto: pt-br.interpedia.wikia.com

Felipe — Sim, mas por que ele perdeu no Rio Grande do Sul? O PTB perdeu aqui no Estado.
Bastos —
É que o Rio Grande tem uma tradição quase histórica de mudar (o partido no governo). Tanto é que o Meneghetti entregou para o Brizola e depois recebeu do Brizola.

Elmar – O governador só fez o seu sucessor durante o período da ditadura. Desde que houve a eleição direta, nenhum governador se reelegeu ou fez o sucessor.
Bastos —
Mesmo depois da ditadura. O Jair Soares (PDS, atual PP) perdeu para o Pedro Simon (PMDB), que perdeu para o Alceu Collares (PDT). Depois, veio o Antonio Britto (PMDB), o Olívio Dutra (PT), o Germano Rigotto (PMDB), a Yeda Crusius (PSDB) e, agora, o Tarso Genro (PT). O gaúcho é do contra. Isso é básico.

"Durante um comício, Brizola foi até a Igreja e pediu para o padre desligar o alto-falante, e o padre desligou" | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Kolecza — Acho que está faltando tirar do Bastos o clima político que se vivia nas décadas de 50, de 60, de polarização e de fortalecimento do trabalhismo e o que isso significava socialmente, o que acarretava politicamente. Até a década de 60, nós tivemos uma politização do governo no Sul, no sentido positivo de as pessoas tentarem ter consciência das coisas que estavam acontecendo na frente do seu nariz. Elas estavam buscando explicações e tomando posições. O Bastos me contou um episódio que retrata bem isso. Acho que é a campanha de 1958. O Brizola tinha um comício numa cidade dessas aí lá da zona fria, da calota fria. Mas o Brizola vai atrasando. O comício que estava marcado para as nove da noite no inverno, no descampado, numa praça, começou lá pela meia-noite. Vocês já imaginaram o pessoal na praça esperando o candidato, que chegou três horas atrasado? E não tinha showmício!
Bastos —
Pensei que tu ias contar uma história que eu gosto muito de contar. Estávamos num distrito de Marcelino Ramos. E o Brizola chega lá para fazer um comício às nove da manhã. O padre, que era da Frente Democrática, falava aos berros, no alto-falante, dentro da Igreja, abafando o comício. O Brizola foi a pé até lá e pediu para o padre desligar o alto-falante, e o padre desligou. Dessas histórias de campanha, vou contar uma do Collares, que acho maravilhosa. Era a campanha de 1982. O Collares não tinha chance nenhuma. O PDT estava sem dinheiro para a campanha. Então, viajavam o Collares e o motorista dele. Os dois sozinhos foram fazer uma série de comícios. Começaram em Erechim, vieram descendo por Getúlio Vargas, Sertão, Coxilha, Passo Fundo, Tio Hugo, Tapera, não sei onde mais. Foram até Cruz Alta, a última parada. Eles fizeram 12 comícios num dia. Começaram às oito da manhã e eram dez da noite. Estavam os dois indo para um hotel, em Cruz Alta, quando o motorista se vira para o Collares e diz: “doutor, o senhor não leve a mal, mas o senhor não tem que dar uma mudadinha no seu discurso?” E o Collares: “qual é o problema Wílson?” O motorista explicou: “O senhor fez 12 comícios, e os 12 discursos foram iguais” E o Collares: “Mas como tu é burro negrão. Só tu ouviu os 12 discursos”. (risos)

Elmar — Eu queria colocar uma questão sobre a qual tens bom conhecimento. É o seguinte: a Assembleia sempre foi o núcleo do noticiário político. Mas, hoje, isso não é mais assim. O que está acontecendo?
Bastos —
Acho que é culpa da Constituição de 1988. Morei um ano em Brasília, cobrindo a Constituinte. A Constituição foi toda conduzida para a implantação do parlamentarismo. Mas o Sarney, com a força do Executivo, derrubou o parlamentarismo. As medidas provisórias, por exemplo, são de um sistema parlamentar. Então, nós vivemos as práticas de um sistema parlamentar, sem ter um sistema parlamentar. E o Congresso perdeu a força com as MPs. Há muito pouca coisa de iniciativa tanto dos deputados federais e estaduais quanto dos vereadores. O Executivo ganhou muita força.

"Na Legalidade, fui militante, não fui jornalista" | Foto: Museu de Comunicação Hipólito José da Costa

Benedito – Tu falaste sobre a tua militância no PTB, em virtude da Campanha da Legalidade. Isso não é característico do jornalismo daquele período? De ser alinhado partidariamente? De os jornalistas terem posição política e partidária?
Bastos —
Vou fazer uma confissão de fé aqui: tenho partido, tenho clube, mas sempre procurei ser isento na minha profissão. Sempre privilegiei o jornalismo. O único episódio em que eu militei foi a Legalidade. Ali fui militante, não fui jornalista.

O Flávio Tavares deu uma declaração, num programa da Globo News, muito interessante. Disse uma coisa que não tinha me ocorrido: que a atitude do Brizola na Legalidade pode ter sido influenciada pelo Che Guevara, porque o Brizola, uma semana antes da Legalidade, teve um encontro de uma hora com o Che – só os dois –, em Punta del Este (Uruguai, onde aconteceu a Conferência do Conselho Interamericano Econômico e Social, promovida pela OEA).

Tenho um pecado
no jornalismo, causado
pela minha militância”


Kolecza — Tu tocaste numa das questões mais enrustidas hoje no jornalismo: a tendência que havia de os jornalistas estarem afinados com o pensamento progressista, às vezes do partidão, às vezes do PTB, ou com outros pensamentos que surgissem na mesma direção. Quem faz pesquisas sobre jornalismo tem destacado que isso era uma tendência dos jornalistas, que tinham uma situação social média — de média para baixo — e que ascendiam ao jornalismo e se identificavam com a posição política (de sua classe de origem). A questão que eu coloco é a seguinte: por que, agora, quando 99% dos jornalistas são diplomados, nós temos a direitização da grande mídia brasileira de uma forma homogênea, avassaladora? Será que não dava pra 10% pensarem diferente?
Benedito – Deixa eu ajudar um pouco, provocar mais: tem uma tese no jornalismo brasileiro — uma tese hegemônica — de que o jornalismo tem que ser isento. Acho que o jornalismo tem que ser isento – ouvir todos os lados, narrar os fatos –, mas isso não quer dizer essa coisa pasteurizada. Por exemplo, os grandes jornais norte-americanos têm posição, eles se assumem. O New York Times faz um editorial na época das eleições dos Estados Unidos e diz “apoiamos fulano de tal”. No Brasil, isso é tido como uma coisa execrável. Eu, no entanto, acho execrável é você se esconder atrás da pretensa imunidade, da pretensa imparcialidade.
Kolecza — Mais dramático ainda: essa pasteurização, essa hegemonização direitizante, que hoje predomina de ponta a ponta nos jornais, anulou, bloqueou, neutralizou, esterilizou aquela que era uma característica universal dos jornalistas: a de sempre estar propenso a se apaixonar por uma causa de direitos humanos, dos pobres, dos miseráveis. É do sangue do jornalista se inclinar para os oprimidos. Independe da situação social dele (jornalista). Ele pode ser um jornalista rico, mas não admite que aconteça tal coisa com tal pessoa ou com tal grupo social, como o índio, por exemplo. Tu não vês, hoje, nos colunistas da grande mídia, dos grandes jornais, das televisões, o que eu estou falando, de que ele não concorda que tal coisa esteja acontecendo. O caso mais recente é o do Código Florestal. É um retrocesso votar o que o Getúlio (Vargas) votou lá por quarenta e poucos e ainda se mantinha e ainda segurava as coisas. Agora, eles querem dar uma volta por trás e querem raspar tudo o que tiver de vegetação e tu não vês na grande imprensa alguém dizer assim: “mas espera aí moço, para com isso”. Aí tardiamente surge a Marina (Silva, ex-senadora e candidata derrotada à Presidência, em 2010). Dá um estalo no governo e eles conseguem adiar o projeto. Isso é um ecocídio programado. Cadê os jornalistas desse país?
Elmar — O Bastos tem essa experiência. A sua filiação partidária não tem nada que ver com a sua operação profissional. Tem que estar frio na jogada. Na hora de pautar o repórter vai pautá-lo para ir atrás do fato.

Renato Portaluppi: entrevista exibida em horário errado | Foto: gremiocopero.com

Bastos — Eu tenho um pecado nesse lado. No terreno esportivo. (risos) Desculpe te interromper, mas essa história é boa. Era decisão do título mundial do Grêmio, em 1983, em Tóquio, e eu dirigia o jornalismo da TV Gaúcha (hoje RBS TV). Aí me aparece o João Bosco Vaz, que agora é secretário (extraordinário da Copa, de Porto Alegre). Ele era um excelente repórter e tinha uma entrevista gravada do Renato (Portaluppi), dizendo que queria sair do Grêmio. Eu dizia: “olha, o bom senso indica botar (a entrevista no ar) no outro dia, ao meio dia, no programa de esportes”. Havia os que queriam colocar logo depois do jogo. E a decisão foi posta em votação. E eu defendendo a minha posição. O diretor da rádio e da televisão era o Nelson Vaccari, que insistia: “é muito bom botar isso aí no ar, no que terminar o jogo”. Eu digo: “olha, sou suspeito, porque sou conselheiro do Grêmio. Então, vou me dar por suspeito e vou tirar o meu time de campo”. E eles decidiram contra mim. Colocaram (a entrevista no ar, no final do jogo). E, para o azar nosso, quem colocou a entrevista no ar foi o (Jorge) Seadi, que é fanático pelo Internacional. Ele não resistiu: mal o De León levantou a taça, o Seadi exibiu a entrevista do Renato. Pô! No outro dia, foi uma revolução. Foi um erro meu. Eu quis ser isento e não podia ser isento: eu dirigia o jornalismo, tinha que ter sentado o pé.

Elmar – Como conselheiro do Grêmio acompanhaste e aprovaste esse projeto da Arena? Que informação tu tens sobre esse projeto? Estou falando porque tentei obter informações e não consegui absolutamente nada. Nada. A OAS não fala, o Grêmio não fala.
Bastos —
É que é um grande negócio para a OAS. Mas não tem outra saída. A saída é essa. Os clubes não têm como resistir. O Internacional tentou até a última hora, mas acabou se entregando para a Andrade Gutierrez. É que as grandes empresas é que têm o poder de fazer isso aí. Eles têm os mecanismos lá para obter financiamentos. O clube não tem estrutura para comandar isso. Nem o Internacional, nem o Grêmio, e acho que clube nenhum tem. E esse é o sistema que impera no mundo.

"Do Grêmio, sou sabujo" | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Elmar – A OAS recebeu 37 hectares. Oito hectares é a Arena do Grêmio, o resto é dela. E vai receber 35% das rendas que o Grêmio tiver durante 20 anos. Fiz uma pesquisa na imprensa e não tem matéria nenhuma esclarecendo isso. Tentei a OAS e a empresa não fala. Tentei o Grêmio e o Grêmio não fala.
Bastos —
Eu era contra a Arena, como conselheiro do Grêmio. Mas o conselho do Grêmio, por esmagadora maioria, aprovou. E eu sou como o Viladonica, repórter esportivo da rádio Farroupilha na década de 50. O Viladonica era tão colorado que, quando ia ao campo e o Inter era atacado, ele ficava de costas para os times (risos). Eu sou meio assim. Fecho com o Grêmio sempre. Do Grêmio, sou sabujo. Tem uma decisão do Conselho do Grêmio, que apoiou (o negócio com a OAS) por uma maioria esmagadora. Não foi uma maioria apertada e tal. Foi uma goleada.

Nubia – Sempre foste gremista?
Bastos —
Sempre fui gremista. Fui influenciado por um colega meu de colégio, em Passo Fundo: Júlio gordo. Ele era filho de um militar, em Minas Gerais. O pai dele era oficial do quartel (em Passo Fundo) e ele era meu colega de aula. Era muito doente pelo Grêmio. Eu não tinha clube na época. Mas daí com pena dele, que sofria muito — era o período do rolo compressor, o Internacional ganhava todas, com Tesourinha, com Adãozinho – passei a torcer pelo Grêmio. Era uma loucura o time do Internacional, na primeira metade da década de 40. Então até por solidariedade ao Júlio gordo fiquei gremista. Eu gostava muito de futebol. Com 12 anos acompanhava o meu time de Passo Fundo. O Quatorze ia jogar em Erechim — ia de trem para jogar contra o Atlântico, contra o Ipiranga — e eu ia acompanhando a comitiva. Meu pai tinha sido um dos fundadores do clube. Os clubes do interior eram muito fortes.

"Fábio Koff é o maior dirigente de futebol que tem nesse país" | Foto: Grêmio.net


Nubia – Fala um pouco da tua convivência com as grandes figuras do futebol.
Bastos —
A grande ligação minha no futebol é o Fábio Koff que, para mim, é o maior dirigente de futebol que tem nesse país. Fui o coordenador da primeira campanha do Koff, que ele perdeu para o (Hélio) Dourado. Fui coordenador da segunda campanha, que ele ganhou do Rafael dos Santos. Koff é uma figura incrível. Ele era muito agitado. Na época, eu dirigia a TV Gaúcha e descia sempre (do Morro Santa Tereza) para almoçar no salão dos executivos da RBS. Depois do almoço, eu passava no Grêmio. Koff chegava lá às 8h da manhã e saia às 10h da noite. Eu ia lá entre duas e três da tarde, um horário que eu sabia que ele estava sozinho. Conversava com ele. Koff falava mal de todo mundo. O maior corneteiro que eu conheci na vida. “Esse meu treinador aí, agora, inventou não sei o quê. Isso é uma droga. Esse médico aí não cura. Os caras se contundem e não se recuperam e tal”, dizia. Outro dia falava do massagista: “esse massagista é um gordo. Como é que pode ser um gordo? Tem que entrar correndo no campo e tal”. Ele corneteava todo mundo, todos os dias. Um dia eu chego lá e o Koff diz: “mas que mancada que eu dei”. Digo: “o que houve?”. E ele: “esse lateral esquerdo aí, sugestão minha, o cara não joga nada”. (risos) Eu digo: “ah! Não, Fábio. Tu chegaste no ápice dos corneteiros”. Ele diz: “por quê?” E eu: “porque tu estás corneteando a ti mesmo”. (risos) “Chegaste no ápice da tua carreira de corneteiro. Um dia é o vice-presidente de futebol, outro dia, o treinador, outro, o médico, noutro, o lateral, mas agora estás corneteando a ti mesmo”. (risos)

Nubia – No Grêmio, eras um conciliador? Um cara de conchavo?
Bastos –
Não. É que eu tinha boa memória. Sabia as ligações do pessoal: fulano é de fulano, fulano é de cicrano. Sabia quem era de quem. Sabia mapear. É que são 300 conselheiros e eu tinha todos na minha cabeça. Hoje, está completamente diferente. Hoje, é difícil.

Igor — O que mudou na administração de um clube de futebol do tempo que tu entraste como conselheiro para agora?
Bastos —
Ele abriu. Hoje, tanto o Grêmio quanto o Internacional têm tendências. Tipo o PT, que tem as suas tendências. Tem o Inter Grande, o Inter isso, o Inter aquilo. Lá no Grêmio tem o Grêmio Acima de Tudo, o Grêmio Independente, o Grêmio isso, o Grêmio aquilo.

"Paulo Odone pôs o Fábio Koff para escanteio" | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Mas, tenho uma história do (atual presidente do Grêmio, Paulo) Odone que vou contar pra vocês. O Fábio Koff era ex-presidente do Grêmio e inimigo do Rafael. O Odone queria embretar o Fábio. Nesse tempo, eu trabalhava na Zero Hora. Odone passou no jornal, me pegou e me levou até a casa do Fábio. Chegamos lá e o Odone propôs que ele assumisse. O Fábio não falou nada, mas a mulher dele esperneou: “não, o Fábio não volta mais. Não tem condições. Não vai voltar não. Não tem essa hipótese.”. E Fábio diz: “não. Não volto”. E o Odone, espertamente, diz assim: “bom, mas eu só tenho um nome para colocar”. O Fábio diz: “qual é o teu nome?”. O Odone: “o Rafael Bandeira do Santos”. E o Fábio: “está certo o teu nome”. Ele havia recusado o convite e não podia ficar jogando contra o Odone, que pôs ele para escanteio. Foi uma jogada inteligente do Odone.

Talento para negociar
na política, no esporte
e no jornalismo

Nubia – Mas, no jornalismo tu sempre foste um bom negociador, apesar das pressões tanto dos patrões quanto das equipes.
Bastos —
Acho que isso é talento. Na RBS, como já contei, tinha uma amizade pessoal com o Maurício e o Jayme. Não tenho queixa do meu período na Caldas Júnior. Pela Difusora (atual Rede Bandeirante), tive uma passagem muito boa. Tivemos o Câmera 10, um telejornal diferenciado. Quem deu o primeiro emprego para o Sérgio Zambiasi (ex-senador), em Porto Alegre, fui eu. O Mondongo, o Érico Sauer, que era do plantão de esportes, chegou para mim e disse: “Tem um italianinho lá na rádio de Estrela que quer vir para Porto Alegre”. Digo: “mas a única vaga que tem aí é de noticiarista”. “É, ele já fala no microfone. Mas acho que topa”, me disse o Mondongo. E eu: “manda ele vir aí. Faz um teste com o Gilberto Gianuca. Se ele aprovar no teste, ele vem”. O Zambiasi veio, fez o teste, numa sala grande da redação da Difusora, que tinha um imenso ar-condicionado, que fazia um barulhão tremendo. Um italianinho assustado. Acho que ele pensou que aquele ar ia explodir. Passou no teste, ficou de noticiarista. Mas, apenas dois meses. Saí da Difusora antes de ele ascender. Voltei para a Gaúcha. Dois meses depois (de ingressar na Difusora), o Zambiasi já estava no microfone.

Elmar – Por que o Zambiasi voltou para o microfone depois de ter ficado tanto tempo fora, dedicando-se à política?
Bastos –
Numa conversa que tive com ele, alegou que foi por causa da paixão que ele tem pelo rádio. Não consegue viver sem o rádio.

Bruno Alencastro/Sul21
"Contratei a Ana Amélia junto com a Yeda Vargas. Ana Amélia descobriu que ganhava menos. Eu disse: 'A Yeda foi Miss Universo e tu, Miss Lagoa Vermelha" | Foto: Bruno Alencastro/Sul21

Nubia – Também levaste para a TV Difusora a (ex-miss Universo) Yeda Maria Vargas.
Bastos —
É. Nós perdemos algumas pessoas no Câmera 10. A apresentadora era a Tereza Machado, que saiu. Não sei mais quem saiu. E tivemos de fazer uma reformulação. Aí, botei o Lauro Quadros como apresentador de esportes. O pessoal protestou: “mas, o cara é feio”. Eu disse: “vem cá, televisão é comunicação, e ele comunica. Vai emplacar”. E emplacou. Aí, contratamos a Yeda Maria Vargas, que tem uma voz grave, era Miss Universo. Contratei junto, para fazer o comentário econômico, a (atual senadora pelo PP) Ana Amélia Lemos. Quem lançou a Ana Amélia (na televisão) é o locutor que vos fala. Só que eu cheguei para a Ana Amélia e ofereci um salário que era uma porcaria. Tipo mil cruzeiros na época. Ela me disse: “Bah! Mas, eu não vou trabalhar por isso aí”. E eu: “Olha Ana Amélia, não estou te contratando para tu trabalhares aqui e ganhares fortuna; estou te contratando para tu catapultares a tua carreira”. Ela disse: “deixa eu pensar. Volto em dois dias”. Ela pensou e voltou depois de dois dias, dizendo: “gostei daquele termo ‘catapultar’. Vou aceitar. Vou pagar para trabalhar para esses padres (os padres capuchinhos eram donos da TV Difusora), vou gastar tanto de gasolina, tento de cabeleireiro, mas vou investir em mim”. Tudo bem. Só que poucos dias depois ela entra esbaforida na minha sala, me xingando: “Tu és muito mau caráter. Um canalha. Um estelionatário”. E eu: “Mas que agressividade é essa?” Ela me responde: “tu estás pagando mil para mim e três mil para a Ieda Maria Vargas”. E eu: “na proporção, tu estás em vantagem Ana Amélia”. Ela reagiu: “pô, tu ainda me diz que estou em vantagem, ganhando três vezes menos que ela!” Digo: “ela foi Miss Universo e tu foste Miss Lagoa Vermelha”. Ela conta esta história no livro do Salimen Júnior sobre a história da televisão. (risos)

Carlos Araújo: a grande influência sobre a presidenta Dilma | Foto: Fredy Vieira

Benedito – Tu acompanhaste um bom período da história republicana, com episódios muito marcantes. Como estás vendo o processo de transformação hoje?
Elmar –
A Dilma tem uma vertente brizolista forte, não tem? Ela vem do PDT.
Bastos – Não. Ela tem uma influência do (ex-marido Carlos) Araújo, que é um grande amigo dela.

Elmar – Mas o Araújo não é uma corrente marxista.
Bastos –
O Araújo era, sim, marxista. A origem dele é o partidão, as ligas camponesas, a VAR-Palmares. Tudo sempre na esquerda. Eles ficaram desconfortáveis no PDT e saíram. Ela foi para o PT. Ele não.

Elmar – Deixa eu dizer uma heresia: o único grupo que derrotou o Brizola, numa convenção do PDT, foi o da Dilma e do Araújo.
Bastos —
É verdade. Foi impressionante. Mas, houve outro episódio.

Elmar — Qual foi a influência desse pedetismo e desse trabalhismo na Dilma?
Bastos —
A Dilma vivenciou muito o partido. Foi uma das fundadoras do PDT. Teve uma participação muito ativa. Mas, ela foi judiada no governo do Collares (1991-1994). Era um quadro muito importante e ficou na Fundação de Economia e Estatística por muito tempo. Foi durante uma crise política que o Collares a colocou na (secretaria de) Minas e Energia. A Dilma deveria ter ocupado uma posição melhor. Ela tinha sido uma excelente secretária da Fazenda (da Prefeitura, quando Collares foi prefeito, de 1986 a 1989). A Dilma é muito competente.

A Dilma se impôs
ao Lula pelo
conhecimento”

Elmar – No discuto da Dilma, tu não encontras vestígios dessa coisa marxista, revolucionária. É mais trabalhista do que qualquer outra coisa. Positivista quase, porque o trabalhismo tem muito do positivismo.
Bastos –
A Dilma é muito pragmática.

Benedito — O que você está chamando de não-marxista e trabalhista?
Elmar –
Não acredita na luta de classes. Não aceita a luta de classes. Acha que o caminho é uma conciliação, que é possível conciliação de classes. O marxista não acredita na conciliação de classes.
Benedito – Para acertar a linguagem: não é uma visão social-democrata?
Elmar – Não. É uma visão trabalhista. A luta de classes é intermediada pelo Estado. O Estado é o elemento conciliador. O discurso dela é getulista.
Igor – Dá para dizer que a Dilma ainda é trabalhista?
Bastos –
Não. Ela é PT hoje.

"A Dilma assumiu a Secretaria de Minas e Energia e não sabia nada do assunto. Estudou e, em três meses, dominava tudo" | Foto: Divulgação

Igor – Ela é coerente com os ideais políticos do PT?
Elmar – O PT é uma multiplicidade de coisas.
Bastos —
A Dilma é muito competente. A Dilma assumiu a Secretaria de Minas e Energia e não sabia nada de minas e energia. Ela estudou. É aplicada. Em três meses, dominava o assunto. Tanto é que ela se impôs ao Lula pelo conhecimento. Foi numa reunião em Minas. O Lula se encantou com ela: “essa mulher sabe tudo”. Pelo conhecimento, ela conquistou o Lula. Não era ninguém, conversou com o Lula e saiu ministra de Minas e Energia.

Benedito – O Lula é, sobretudo, um sindicalista.
Elmar – Por isso, ela se identifica com o Lula.
Benedito – Nós estamos discutindo muito princípios e quero saber do Bastos como ele está vendo os resultados dos governos Lula e Dilma.
Bastos –
Dilma é um prosseguimento do governo Lula com algumas nuances. É da biografia dela. Por exemplo, em relação ao Irã o Lula tinha uma posição e ela tem outra, por causa do feminismo dela. Como é que ela vai acertar que façam com a mulher (Sakineh Mohammadi Ashtiani condenada à morte por apedrejamento) o que querem fazer? O Lula podia, ela não pode. As divergências são aí. São em pequenos detalhes.

Benedito – Cada um tem lá as suas idiossincrasias, as suas características próprias.
Bastos –
Vou ser sincero com vocês: eu me considero amigo pessoal da Dilma. A gente se identificou muito no período em que ela foi secretária e eu fui secretário (de Comunicação do governo Collares). Atuamos muito politicamente junto. Então, me afeiçoei a Dilma. Sou meio suspeito para falar dela. Mas o discurso que ela fez! E quem faz os discursos da Dilma é ela mesma. O discurso que ela fez para o (presidente dos EUA, Barack) Obama… ôpa! Foi um discurso de fundamento, colocando posições concretas.


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