Vivian Virissimo
Em um domingo atípico, Porto Alegre registrava 34º C em pleno inverno. O calor era propício ao samba na Travessa dos Venezianos, uma curta ruela situada entre as ruas Sarmento Leite e Luís Afonso, no bairro Cidade Baixa, em Porto Alegre. Ou melhor, o calor era atípico, mas o samba não. O Instituto Brasilidades está se propondo a organizar todo mês uma roda de samba de raiz num dos bairros mais boêmios e carregados de história da cidade.
Criado para fomentar a cultura popular brasileira no Rio Grande do Sul, o instituto atua há três anos. Rodas de samba já foram realizadas na Rua da República, nos arredores da Usina do Gasômetro e, desde março, têm local marcado: a Travessa dos Venezianos, que abriga 15 casas tombadas que datam do início do século XX, época em que o bairro ainda tinha ares de subúrbio rural.
Embora o local já esteja definido, o domingo do mês ainda é incerto. Um dos idealizadores do projeto, Mario de Azambuja, explica: “Não definimos o domingo do mês para fugirmos dos contornos de festa, com dia determinado”. E a preocupação de Mario tem sua razão de ser, já que as atividades extrapolam o âmbito de um evento meramente festivo: a roda de samba é apenas um braço de um projeto social mais amplo.
Para saber o dia da próxima roda, os músicos se fazem valer de um instrumento que os primeiros sambistas jamais ousariam imaginar: o boca a boca é virtual e ocorre por meio do blog, do Facebook e do Twitter.
Além da roda de samba, o Brasilidades desenvolve atividade no Bairro Sarandi, na zona norte, com oficinas de percussão com sucatas e aulas sobre software livre dentro do projeto Pontos de Cultura do Ministério da Cultura. Eles atuam de forma voluntária e uma das formas de subsidiar o projeto é a venda de camisetas que são comercializadas por R$ 25.
Outro ponto forte é a participação dos atuais moradores da Travessa que aderiram e aprovam o espírito da proposta. Toda roda de samba conta com os quitutes da Tia Vera, que oferece pasteizinhos de carne e queijo, além de cerveja bem gelada. “Esse sambinha na Travessa é muito legal. Os vizinhos apoiaram porque é uma forma de fazer com que não esqueçam da nossa rua, um patrimônio que estava bastante abandonado”, diz Tia Vera, moradora do local há três décadas, lembrando que o processo de retomada da Travessa começou com o atelier Porto Sete e com Associação Riograndense de Artes Plásticas Francisco Lisboa. “Eu estou amando toda essa movimentação, gostaria até que ocorresse com mais frequência”, completa.
Com repertório que varia dos clássicos Cartola e Noel Rosa, e reverenciando também nomes como Paulinho da Viola e Martinho da Vila, a roda de samba ocorre em local emblemático para a cultura popular africana. Mario Azambuja lembra que sempre houve uma cisão entre a cidade alta e a cidade baixa em Porto Alegre. “Até a metade do século XX, a Cidade Baixa continuava sendo reduto dos segmentos negros da população, com espaços associados à cultura popular expressa através dos batuques, das danças, ritmos e festas”, destaca. Ele também contou que a travessa era habitada por tipos populares como boleiros, prostitutas, jornaleiros, carvoveiros, pais de santo, consertadores de guarda-chuvas e imigrantes italianos que locavam as residências.
Outro organizador do evento, César Vianna, ressalta que o objetivo do coletivo de artistas é apostar na afirmação da cultura popular brasileira. “Este tipo de movimento cultural favorece que as pessoas se apropriem dos espaços urbanos como é o caso aqui na Travessa”, afirma. Mario Azambuja confirma: “Eu gosto da espontaneidade do samba. De modo espontâneo as pessoas começam a fazer parte da roda e é assim que se começa um movimento”.
Para respeitar os moradores, a roda de samba começa cedo, às 15h, e também termina cedo. Com nove músicos, a roda também conta com participações especiais. No domingo visitado pelo Sul21, o grupo Maracatu Truvão fez uma intervenção na travessa. Às 19h, as atividades foram encerradas, para tristeza dos presentes.