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16 de setembro de 2011
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14:49

“Temos juízes atemorizados na Venezuela”, diz magistrada

Por
Sul 21
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Blanca Mármol: "“No caso da Venezuela, a interferência se produz, em primeiro lugar, na nomeação, mas, especialmente, na destituição de juízes" | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Felipe Prestes

“Temos juízes atemorizados na Venezuela”. A denúncia é da magistrada Blanca Rosa Mármol, integrante da Câmara Criminal do Tribunal Supremo de Justiça do país sul-americano. Destituições de juízes, proibição de se associarem e até detenção estão entre as consequências, segundo Mármol, do controle do Judiciário venezuelano pelos poderes Executivo e Legislativo.

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“No caso da Venezuela, a interferência se produz, em primeiro lugar, na nomeação, mas, especialmente, na destituição de juízes. Em segundo lugar, muito lamentavelmente, no amedrontamento dos juízes na hora de decidir. Chegamos ao ponto de termos uma juíza presa por decidir”, conta. O caso ilustrativo apontado pela magistrada é o da juíza Maria Afuini. Em 2009, depois que a juíza colocou em liberdade um banqueiro, o presidente Hugo Chávez bradou em um pronunciamento “exigindo” 30 anos de prisão para Afuini. A juíza acabou sendo detida e está há quase dois anos sem liberdade.

Segundo Blanca Mármol, a colega apenas havia cumprido com o Código Processual do país, que dá o direito ao preso que aguarda julgamento por mais de dois anos de ser solto com pagamento de fiança ou liberdade condicional. “Há indubitavelmente um interesse pessoal no caso por parte do presidente. Foi por este pronunciamento que a juíza foi presa. Foi detida pela presunção de que teria dado a liberdade por interesse econômico. Não há nenhuma prova disto.”

Destituições de juízes

Blanca Mármol reconhece que a “tentação” dos demais poderes em controlar o Judiciário sempre existiu, bem como a interferência política na atuação dos juízes. Mas afirma que, depois de Chávez, ficou mais difícil impedir que esta “tentação” se concretize. A magistrada conta que o Tribunal Supremo de Justiça tem o poder de nomear e destituir juízes, o que faz com frequência. “O Tribunal Supremo atua de acordo com a corrente política que está imposta pelo presidente. Com este regime, muitos juízes foram destituídos, suspensos e até jubilados”, diz.

Segundo Mármol, o que se deu a partir da delegação destes poderes ao Tribunal Supremo foi uma “limpeza” no Judiciário. “Dos mais de dois mil juízes que havia, só restam 20. Todos os demais são de recente designação. Se fez uma limpeza no Judiciário. Daí porque agora os juízes temem ser destituídos e, inclusive, detidos”, denuncia.

A juíza venezuelana palestrou na Associação dos Juízes do RS (Ajuris). “Os únicos cidadãos na Venezuela que têm proibição constitucional de associar-se são os juízes” | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Em última instância quem decide sobre a destituição de um juiz é o Congresso. Há cerca de quatro anos, Blanca Mármol chegou a estar perto de ter sua destituição apreciada pelos parlamentares. Na última instância antes do Congresso, acolheram suas alegações. “O que passa é que eu estava na mesma situação que juízes que são da corrente política predominante”, diz.

Mas a interferência maior do Poder Legislativo no Judiciário está, segundo a magistrada, nas leis que aprovaram. A Assembleia Constituinte eleita logo após Chávez ter assumido o poder, em 1999, aprovou, por exemplo, a proibição de os juízes se associarem. “Os únicos cidadãos na Venezuela que têm proibição constitucional de associar-se são os juízes”.

Os juízes não estão desarticulados na Venezuela apenas por esta proibição, segundo Mármol. Ela conta que o temor de uma destituição ou até de uma detenção é um motivo bem mais forte para que a categoria esteja sem voz. Prova disto, segundo ela, é que nenhum juiz ousou apoiar Maria Afuini, a juíza presa após o pronunciamento de Chávez. “Não há nenhum juiz que a tenha apoiado, que a tenha visitado, que tenha levantado sua voz para dizer: ‘isto não pode ser’”.

Blanca palestrou sobre a situação da Venezuela nesta quinta-feira (15), na Escola Superior da Magistratura da Associação dos Juízes do RS (Ajuris), em Porto Alegre. A magistrada disse que aproveita a viagem para buscar o apoio de juízes e advogados brasileiros. “Com 36 anos como juíza sei que a única maneira de conseguir justiça é com juízes autônomos, independentes. Penso que os juízes têm que estar unidos mundialmente, porque a causa é a mesma. Precisamos do apoio dos juízes e também dos advogados”, afirma.


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