Últimas Notícias>Internacional|Noticias
|
28 de setembro de 2011
|
09:45

Em Wall Street, jovens combatem desigualdade dos EUA

Por
Sul 21
[email protected]
Escolha de Wall Street como local dos protestos tem uma mensagem direta: quem pagou a conta pelas barbeiragens dos grandes especuladores foi a população | Foto: Carwil Bjork-James/Flickr

Felipe Prestes

Decifrar as manifestações políticas dos últimos meses tem desafiado analistas. Elas surgem nas redes sociais e aparecem na rua, mesmo com apoio de partidos e organizações, mas sem que estes estejam à frente. A grande imprensa de Nova York tem se valido disso para desqualificar os jovens que se manifestam desde o último dia 17 sob o slogan Occupy Wall Street (Ocupar Wall Street). Artigo do New York Times diz que o movimento é difuso, etéreo, sem objetivos claros – o jornal mostra os manifestantes como jovens em busca de diversão, enquanto o Wall Street Journal pontua que não basta uma hashtag no Twitter para se fazer uma Praça Tahrir.

Leia mais:
– Editorial: Protestos crescentes nos EUA e nos países europeus

Era uma resposta do jornal ao fato de o Zuccotti Park, a duas quadras da Bolsa de Valores de Nova York, onde estão acampando algumas centenas de manifestantes, ter sido rebatizado como “Praça da Liberdade”. Os protestos que tiveram início na Tunísia, ganharam os países árabes e chegaram a Inglaterra e Espanha são uma evidente inspiração dos jovens estadunidenses que desafiam Wall Street.

De fato, como alega o Wall Street Journal, o movimento ainda não tem a dimensão dos protestos nos países do Oriente Médio, nem o foco tão explícito quanto era a derrubada de ditadores para os árabes. A matéria do NYT também se esforça para mostrar como são poucos os jovens, comparando as mil pessoas que têm aparecido diariamente nas imediações da “Tahrir” nova-iorquina com as 100 mil que participaram de protestos de trabalhadores em Wisconsin no início do ano.

Entretanto, o jornal erra ao dizer que os manifestantes “não clamam por nada em particular”. Eles têm, sim, motivações claras. Combater a desigualdade social nos Estados Unidos é a principal delas. O desemprego é citado frequentemente nas faixas e nos fóruns de discussão, enquanto a pobreza bate recordes nos Estados Unidos. Neste caso, a escolha de Wall Street como local dos protestos tem uma mensagem direta: quem pagou a conta pelas barbeiragens dos grandes especuladores foi a população.


No dia 17 de setembro, primeiro dia de protestos em Wall Street, manifestantes gritam para o mercado financeiro: “Paguem sua parte!”

Uma das frases dos manifestantes, que intitula marchas e está nos cartazes, é “We are the 99%”, o percentual se refere aos 99% não-milionários dos Estados Unidos. Os jovens têm realizado discussões, palestras e atividades artísticas na Liberty Plaza. Um dos temas discutidos é o imposto sobre grandes fortunas e o apoio à criação da Wall Street Financial Especulation Fee, uma taxa sobre operações na Bolsa de Valores, conhecida também como Robin Hood Tax. Na última sexta-feira (23), houve atividade intitulada “How to Tax Milionaires” (Como taxar os milionários).

Na efervescência da praça, é certo, têm se misturado várias pautas. Há atividades contra o uso de armas e energia nuclear e atos em apoio a sindicatos. No último sábado, a execução de Troy Davis foi motivo de protesto. O tema do racismo também aparece com a adesão à campanha “End The New Jim Crow”. As leis de Jim Crow eram as leis racistas aplicadas em cidades e estados norte-americanos que foram revogadas em 1964. A campanha aponta que os negros são 13% da população do país, mas representam 38% da população carcerária. Há palestras sobre o Manifesto do Partido Comunista, energia renovável, a história das lutas sociais. Uma apresentação explicou como funcionou o 15-M dos indignados espanhóis.

Por David Shankbone/Flickr
Uma das frases dos manifestantes é “We are the 99%”, o percentual se refere aos 99% não-milionários dos Estados Unidos | Foto: David Shankbone/Flickr

Repressão e crescimento

O desdém dos jornais nova-iorquinos é um dos sinais de que os protestos preocupam. No sábado, 80 manifestantes foram presos pela polícia. Foi o maior número de prisões em um protesto na cidade desde a manifestação contra a Guerra do Iraque, durante uma convenção do Partido Republicano em 2004. Vídeos registram a violência com que policiais reagiram a manifestações pacíficas. O uso de gás de pimenta contra jovens mulheres gerou debate na imprensa norte-americana.

O nome e o telefone do policial que seria responsável pelo uso do gás foram divulgados por manifestantes na internet e sobre ele já recaem mais denúncias de má conduta. As autoridades temem pela segurança do policial. Mesmo que o número de manifestantes seja pequeno, como aponta a imprensa nova-iorquina, o impacto de suas ações tem tido grande alcance. O britânico The Guardian, por exemplo, tem dado ampla cobertura ao Occupy Wall Street. Jornais de todo mundo têm se interessado pelos protestos pelo que representa Wall Street para a economia mundial e para a crise.

O El País, da Espanha, aponta que o acampamento tem se estruturado cada dia melhor. E que os funcionários do US Postal Service se tornaram grandes aliados dos acampados, já que recai sobre 120 mil deles a ameaça de demissão. Nas redes sociais, o Occupy Wall Street recebe apoio em todo o mundo e vários jovens cruzaram o país até Nova York.

Emails com link para o site do Occupy Wall Street estavam sendo bloqueados pelo Yahoo. Em lugar da mensagem que confirmava o envio do email aparecia um aviso de que havia “conteúdo suspeito” no texto. O próprio Yahoo confirmou o bloqueio, que atribuiu a um erro e prometeu consertar. Por outro lado, os mascarados do grupo de hackers Anonymus deram as caras pela Liberty Plaza e prometem atacar sites de grandes corporações financeiras.


Vídeo registra a agressão às jovens manifestantes com spray de pimenta

Também começam a pipocar versões do Occupy em outras grandes cidades estadunidenses, um movimento que pode se acentuar nos próximos dias. Em Chicago, um pequeno grupo de manifestantes foi para as ruas e em Los Angeles militantes se organizam para iniciar a “ocupação”. Em San Diego, a ocupação por tempo indeterminado de um espaço público em Gaslamp District já tem início marcado para o dia 7 de outubro. Embora tido como mambembe, o acampado de Nova York também foi marcado com antecedência para começar no último dia 17 de setembro. E o período que antecedeu este dia foi marcado por assembleias e treinamentos.

Movimento contra a especulação financeira vem se ampliando para outras cidades norte-americanas | Foto: David Shankbone/Flickr

Os jovens têm recebido apoios de personalidades como a atriz hollywoodiana Susan Sarandon. Nesta terça, ela visitou o acampamento. A atriz, que militou contra a Guerra do Iraque e milita por causas como a erradicação do trabalho infantil, deu conselhos e respondeu questionamentos dos manifestantes. Ela aconselhou-os a manter um foco em uma causa específica e a colher assinaturas para petições. O linguista Naom Chomsky enviou na segunda uma carta de apoio aos manifestantes. “Qualquer um com os olhos abertos sabe o severo dano do gangsterismo de Wall Street para a população dos Estados Unidos e do mundo”, diz trecho da carta.

Na noite de segunda , passou pelo acampamento o cineasta Michal Moore. Cerca de 100 pessoas ouviram Moore discursar pessoalmente e outras cinco mil por transmissão online. Ele recordou que há onze anos, protestou em frente à Bolsa de Valores de Nova Iorque junto com integrantes do grupo Rage Against the Machine. E sentenciou que no futuro será reconhecida a importância dos acampados. “Daqui a cem anos as pessoas lembrarão que vocês vieram a esta praça e começaram este movimento”.

Veja a localização dos protestos em Nova York.


Visualizar Wall Street Ocupada em um mapa maior


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora