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21 de agosto de 2011
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11:39

Patrimônio Histórico: falta tombar as telas do Instituto de Educação

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Sul 21
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Saia pregueada, blusa branca e gravata, tipo laço, compunham o uniforme das alunas do Instituto de Educação l Foto: www.fotosantigas.prati.com.br

Nubia Silveira (texto) e Flavia Boni Licht (consultora)

O processo de tombamento do Instituto de Educação General Flores da Cunha não incluiu parte significativa do seu grande patrimônio cultural: as telas de Lucílio de Albuquerque – Garibaldi e a Esquadra Farroupilha, de 1919 – e de Augusto Luiz de Freitas – A Chegada dos Casais Açorianos, de 1923, e A Tomada da Ponte da Azenha, de 1922. Leila Sudbrack, que restaurou as três telas, entre os anos de 2005 e 2009, alerta que as pinturas a óleo continuam na mesma situação em que estavam antes do restauro, num local sem iluminação e sem climatização adequadas. Ela defende que as obras, que retratam a história do Rio Grande do Sul, devem ser tombadas.

Acompanhe a série Patrimônio Histórico:
– Viaduto Otávio Rocha, um alumbramento
– Restaurar custa três vezes mais do que conservar
– Travessa dos Venezianos clama por cuidados
– Concluída parte do restauro da Igreja da Conceição

Garibaldi e a Esquadra Farroupilha, de Lucílio de Albuquerque l Foto: Leila Sudbrack

Amélia Bulhões, presidente do Conselho da Associação de Ex-Alunos do Instituto, presidia a Associação, quando ela patrocinou o restauro das telas. Amélia revela que o pedido de tombamento nunca foi feito, mas que agora “estão pensando em pedir”, referindo-se ao Instituto. As telas foram encomendadas pelo governador Borges de Medeiros para o Palácio Piratini. Quando chegaram viu-se que “não havia paredes” que comportassem as suas dimensões, diz Leila. A única instituição pública com pé direito suficientemente alto para recebê-las era o Instituto de Educação, para onde foram enviadas temporariamente. Ficaram em definitivo.

As pinturas não saíram da parede, nem mesmo quando o Instituto passou por uma reforma, devido a problemas no telhado. Sobre elas caíram caliça, chuva e incidiu o sol forte. O pedido de restauro levou 32 anos para ser atendido, lembra Leila, que dá as dimensões das obras: Garibaldi e a Esquadra Farroupilha, a preferida da restauradora, mede 3,95m X 6,20m; Chegada dos Casais Açorianos, 6,30m X 5,50 m, e A Tomada da Ponte da Azenha, 3,95m X 6,20m.

Chegada dos Casais Açorianos, de Augusto Luiz de Freitas l Foto: Leila Sudbrack

O presidente do Conselho Municipal do Patrimônio Histórico e Cultural (Compahc), que está no cargo há apenas três meses, diz que, atualmente, na instrução de tombamento não são descritos apenas o prédio, mas “tudo o que tem dentro”. Esta norma não era obedecida até há alguns anos, o que fez com que apenas o prédio do Instituto fosse declarado patrimônio histórico. Antônio Carlos Selmo diz que se houver interesse da instituição, o pedido deve ser encaminhado à Equipe do Patrimônio Histórico e Cultural – EPAHC.

Amélia diz que não cabe à Associação, que tem 50 anos e 300 associados, encaminhar o pedido de tombamento ou tratar da conservação do prédio, projetado pelo arquiteto e escultor espanhol Fernando Corona. Ela lembra que o Instituto foi uma escola modelo. “Tinha a melhor equipe de professores e funcionários. Era um prêmio estudar lá”, afirma, reconhecendo que, atualmente, a escola “precisa de muitas coisas”.

Tomada da Ponte da Azenha, de Luiz de Freitas l Foto: Leila Sudbrack

Leila e Amélia têm visões diferentes sobre o acesso do público às obras. A restauradora defende que elas estejam em um local mais apropriado, para não voltarem a sofrer estragos, e aberto à visitação pública, inclusive nos fins de semana. A ex-presidente da Associação afirma que os interessados em admirar as pinturas a óleo de Lucílio de Albuquerque e Augusto Luiz de Freitas devem ligar, à tarde, para a Associação (fone 3311-0386) e marcar a hora da visita, de segunda a sexta. O visitante contará com o serviço de guia, feito por uma das ex-alunas.

Uma história de 142 anos

A história do Instituto de Educação, tombado pelo município em 1997 e pelo Estado em 2006, remonta ao século XIX. Em 1869, foi criada a Escola Normal, que funcionava na esquina das ruas Duque de Caxias e Marechal Floriano. A Escola devia formar professores e ajudar a qualificar o ensino fundamental. Anos depois, em 1901, passou a se chamar Colégio Distrital de Porto Alegre. Em 1906, recebeu outro nome: Escola Complementar.

Instituto de Educação no Centenário da Revolução Farroupilha, em 1935 l Foto: www.fotosantigas.prati.com.br

No ano da revolução que levou Getúlio Vargas à presidência do Brasil, foi determinada a construção de uma nova sede para a Escola, na Avenida Osvaldo Aranha. O projeto foi entregue ao espanhol Fernando Corona, que se estabelecera em Porto Alegre, em 1912. Ele trabalhava como projetista para a empresa Azevedo, Moura e Gertum, como lembra seu ex-aluno, o arquiteto Emil Bered. Corona foi um dos fundadores do Curso de Arquitetura do Belas Artes, hoje Instituto de Artes da UFRGS, tendo lecionado escultura e modelagem. Bered afirma que ele foi o precursor da arquitetura moderna em Porto Alegre. Trabalhava com a integração das artes, como arquitetura e escultura.

O prédio da Escola Complementar, que passaria a se chamar Instituto de Educação General Flores da Cunha, em 1939, é de inspiração neoclássica. Nesta obra de Corona, destacam-se as colunas jônicas, no pórtico de entrada. Ainda não completamente concluído, o edifício sediou o Pavilhão Cultural da Exposição do Centenário Farroupilha, em 1935.

Para a arquiteta Flavia Boni Licht, “o Instituto de Educação, unindo traços neoclássicos à funcionalidade educacional, oferece um caráter marcante, o que permitiu considerá-lo patrimônio histórico”. Ela completa, lembrando que Corona, um grande arquiteto, “pôs a sua inteligência e sensibilidade na realização desta obra, o que é adequado para a construção de um espaço para o ensino”.

Apesar de ter o prédio tombado, o Instituto de Educação, segundo a vice-diretora Andréa Dossin, recebe os mesmos recursos que qualquer outra escola. Não há verbas destinadas especificamente à conservação do patrimônio histórico. Esta mesma situação é enfrentada por muitos outros prédios públicos tombados.

Boas lembranças

Ex-alunas como Amélia Bulhões e Maria Claudia Yates Wondracek têm boas lembranças da escola, da época em que as ginasianas vestiam saia azul marinho pregueada, blusa branca, gravata azul marinho (tipo um grande laço), sapato preto e meia branca curta. O uniforme das normalistas variava um pouco: a prega da saia começava já na altura do quadril e a blusa era listrada, nas cores vermelho e branco.

Maria Claudia lembra que o maior suplício era o da inspeção do uniforme, feito pela severa vice-diretora Mary Acauan Titoff: “Ai que algum detalhe da roupa escolar estivesse errado! Era bronca certa. Mas, em geral, bastava a presença altiva de dona Mary para a meninada andar ‘com o passo certo’”. O Instituto, segundo Maria Claudia, juntava para os alunos “duas imagens de solidez: a do prédio amplo, com sua imponente escadaria central cercada de enormes telas, o pé direito muito alto e os portões de grande envergadura; e o fato de ser uma das mais importantes escolas da cidade”.

Na memória de Amélia e Maria Claudia, apesar dos anos que as separavam, ficou marcada a existência do Coral do Instituto, que – diz Amélia – “recebia todas as autoridades” que visitavam a escola. Maria Claudia lembra “com carinho do Orfeão Artístico da professora Dinah Neri Pereira e do Teatro Infantil de Olga Reverbel”. Lembra até do “Dilermando”, nome com o qual “as gurias batizaram o esqueleto que ficava na sala de Ciências. Elas o puxavam para a janela, pegavam seu braço ossudo e o faziam abanar para quem passava”.

Ramiro Furquim/Sul21
Ramiro Furquim/Sul21
Ramiro Furquim/Sul21
Ramiro Furquim/Sul21

Um ponto de encontro que não existe mais

Confeitaria Rocco, no ano de sua inauguração, em 1912 l Foto: www.fotosantigas.prati.com.br

O prédio imponente, construído na esquina das ruas Riachuelo e Dr. Flores, em Porto Alegre, faz parte da história da cidade. Apesar de fechado há vários anos, ele ainda povoa as lembranças de que tem mais de 80 anos. A ex-jornalista Lygia Nunes, 81 anos, lembra que a Confeitaria Rocco era um lugar “bem frequentado, bem atendido, elegante, perfeito”, aonde ela e a irmã Maria, mais velha cinco anos, iam uma vez por mês, levadas pela mão do pai. “Acho que era quando ele recebia o ordenado”, diverte-se Lygia.

A Rocco não foi reconhecida pelos leitores do Sul21 nas fotos publicadas, semana passada. Provavelmente por não ser mais um ponto de encontro de famílias e políticos, como acontecia na primeira metade do século XX. Ali eram promovidos grandes almoços, no salão de festas. Políticos, como Getúlio Vargas, se encarregavam de liderar intensas discussões. Borges de Medeiros oferecia banquetes oficiais na Confeitaria. E os jovens movimentavam a Confeitaria com seus namoricos. Inaugurada em 20 de setembro de 1912, ela resistiu até os anos 60, quando começou a decadência do Centro da cidade. O jornalista Jayme Keunecke, conhecido como Jotaká, diz que o local passou por duas fases. “As moças iam lá para tomar chá e nós para paquerar. Isso já na segunda fase, no início dos anos 60”, afirma o jornalista.

Os grandes jantares acontecima no salão de festas l Foto: www.fotosantigas.prati.com.br

O proprietário da Confeitaria, Nicolau Rocco (1861-1932), um imigrante italiano, passara antes por Buenos Aires, onde trabalhou na famosa Confeitaria El Molino. Ao chegar a Porto Alegre abriu a Confeitaria Sul-Americana. Com o crescimento da cidade, investiu num comércio maior. Encomendou o projeto da Rocco, em 1910, ao arquiteto Salvador Lambertini, que faleceu antes do final da obra, concluída pelo arquiteto Manuel Itaqui Barbosa Assumpção.

Confeitaria Sul América: primeiro negócio de Nicolau Rocco, em Porto Alegre l Foto: www.fotosantigas.prati.com.br

Durante a gripe espanhola, em 1918, a maioria dos empregados da Rocco adoeceu. Nicolau ofereceu sua casa às autoridades, para que nela fossem atendidos os carentes, e se orgulhava disso.

No prédio de 1.560 metros quadrados, distribuídos em quatro andares – um deles é o subsolo – e o terraço, funcionava uma fábrica de doces. Mas, é dos salgados que Lygia mais lembra. “As empadas da Rocco eram famosíssimas”, repete várias vezes. “A cozinha funcionava 100%”. Ela e Jotaká também lembram das mesas e balcões com tampos de mármore, dos entalhes feitos na madeira, de toda a luxuosa decoração. “Era um lugar de primeira”, ressalta Lygia, que gostava de comer as empadas acompanhadas por uma gasosa. “A Maria preferia guaraná”.

A Rocco, em 1945 l Foto: www.fotosantigas.prati.com.br

Ainda hoje, quem passa pelo prédio, se encanta com as esculturas existentes nas fachadas. Nem todos sabem que os gigantes ali esculpidos pelo escultor italiano Giuseppe Gaudenzi representam os atlantes, homens que teriam vivido há 18 milhões de anos no continente denominado Altântida. Dos seis atlantes, três são jovens e três velhos. Os jovens simbolizam a América e a Fartura. Os velhos, a Europa e a Abundância. O conjunto de esculturas, no alto do edifício, do italiano Frederico Pellarin, representa a luz. No ponto mais alto, encontra-se a escultura de uma mulher. A seus pés, uma lira, com duas crianças nas laterais.

A beleza do edifício e a sua importância para a história de Porto Alegre levaram o município a tombá-lo em 1997.

Local elegante, a Rocco era o ponto de encontro de famílias, comerciantes e políticos l Foto: www.fotosantigas.prati.com.b
No alto do prédio, está uma figura femina, que tem a seus pés uma lira l Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Projeto da Rocco é do arquiteto Salvador Lambertini l Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Ramiro Furquim/Sul21

Ramiro Furquim/Sul21

Endereços:

– Instituto de Educação – Avenida Osvaldo Aranha, 527 – Porto Alegre
– Confeitaria Rocco – Rua Riachuelo, 1626

De onde são?

Você sabe a que prédio pertencem as fotos abaixo? Olhem bem e escreva para o Sul21, dizendo o que você acha.

Ramiro Furquim/Sul21
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