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6 de agosto de 2011
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10:45

Longa “Diário de uma Busca” faz um retrato da infância no exílio

Por
Sul 21
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Longa “Diário de uma Busca” faz um retrato da infância no exílio
Longa “Diário de uma Busca” faz um retrato da infância no exílio
flavia e joca
Flavia, com o irmão Joca, em pré-estreia ocorrida em Porto Alegre (Foto: Cristiano Estrela/Sindbancários)

Felipe Prestes

A história de Celso Afonso Gay de Castro, um militante de esquerda acusado de ter se suicidado, após um malfadado (e duvidoso) assalto, investigada pela própria filha. Este componente já seria o suficiente para um ótimo documentário. Mas Diário de uma Busca traz ao espectador ainda mais que essa narrativa. A estreia de Flávia Castro dirigindo um longa-metragem é seguramente um dos melhores retratos de uma infância vivida em aparelhos da luta armada e no exílio sob uma ótica brasileira.

“Eram minhas lembranças que eu queria de alguma forma contar. Acho que tem poucos relatos no Brasil, o ponto de vista da criança no exílio. No Chile e na Argentina já existem mais”, afirma a diretora. Flavia revela que, ao começar a escrever o roteiro, rapidamente percebeu que a trajetória do pai – e, por conseguinte, da família – na resistência às ditaduras no Brasil, no Chile e na Argentina, tomariam espaço no documentário.

O filme mostra o retorno de Flavia com a mãe, Sandra, a “aparelhos” onde viveram em Buenos Aires e Santiago, com Celso, quando a diretora era uma menina seis, sete anos de idade, e com o irmão ainda mais novo, Joca. Retrata a derrota de militantes de esquerda de toda a América do Sul para o Exército chileno, as lembranças da menina que viu a casa ser invadida por repressores e que se despediu de sua primeira amiga. A volta dela à Embaixada da Argentina em Santiago, onde dormiu por vários dias em um corredor depois do golpe e ao hospital em Buenos Aires, que abrigou exilados, onde Flavia teve uma infância finalmente livre e rodeada por outros filhos de militantes.

Livro aberto de uma família atingida por uma tragédia

Em Diário de uma Busca não há qualquer prurido em abrir a intimidade da família de Celso Gay de Castro e da própria diretora do filme. Trata-se de um relato franco. As três esposas que Celso teve, as irmãs, os filhos falam abertamente sobre luta armada e sobre a possibilidade de a pessoa querida ter cometido um crime, que pode não ter tido qualquer conexão com a militância política, uma vez que o caso se deu em 1984.

De volta a Porto Alegre, depois de ter vivido na Argentina, Chile, França, Venezuela e em São Paulo – onde participa da fundação do PT – Celso de Castro não se adapta à rotina na Câmara dos Vereadores da capital gaúcha, e a uma realidade em que não encontra o espaço político adequado para colocar em prática os sonhos pelos quais devotou sua vida. A depressão, o envolvimento com cocaína, o contexto que termina na casa do alemão e ex-cônsul paraguaio, Rudolf Goldbeck, no bairro Moinhos de Vento, é retratado de forma absolutamente verdadeira, o que se materializa principalmente pelas cartas que Celso escreve.

A família mergulha de cabeça no projeto. Flavia e o irmão, Joca, em um determinado momento conversam sobre como é explicar para os amigos o que aconteceu com o pai. Mas a diretora diz que o filme não funcionou como uma sessão de psicanálise em que despeja assuntos que estavam represados. “Sem muita análise, certamente não teria feito o filme. Para poder falar destas coisas, eu tive que trabalhar estas questões antes”, explica.

Apesar disto, Flavia diz que para ela e para Joca o tema nunca foi um tabu. “Na casa das minhas tias, na casa da minha avó, sim (era um tabu). Eu sempre falei abertamente com o Joca sobre o assunto”. Quando surgiu o projeto do filme, em 2002, gerou reticências na família – as filmagens começaram em 2007. Com tanto tempo buscando informações sobre o tema, a família foi tratando o tema com a naturalidade vista por quem assiste as entrevistas do filme.

flavia castro
Flavia: Falta de perícia prejudicou investigação (Foto: Cristiano Estrela/Sindbancários)

Investigação

Apesar de todos os contornos que traz, Flavia Castro afirma que o objetivo da película era mesmo desvendar o mistério que envolvia a morte do pai. Foi a sensação de que o caso estava mal contado que despertou o interesse. Apesar de não conseguir resolver o mistério, “Diário de uma Busca” traz luzes sobre ele.

A análise de um especialista sobre a posição que em que as balas que mataram Celso o atingiram mostra que dificilmente foi um suicídio, tese da polícia. Os policiais já estavam na porta do apartamento e dizem que, ao ser surpreendido pela polícia, Celso e um parceiro teriam se suicidado. Outras evidências de que a versão da polícia é mal contada também aparecem durante o filme.

Flavia disse que a busca pela verdade sobre o caso foi bem maior do que a mostrada aos espectadores do filme, chegando a ir até o Paraguai atrás de evidências sobre o envolvimento de Rudolf Goldbeck com o nazismo, o que poderia ter relação com o caso do bairro Moinhos de Vento, porque vizinhos afirmaram que Celso, que era jornalista, e um parceiro de assalto, pediam ao alemão documentos. A polícia não fez perícia do “crime”, o que dificultou uma conclusão sobre o caso. “Como a perícia não foi feita, a gente não tem como concluir de fato o que aconteceu”, diz Flavia.

Estreia como veterana

Não passa pela cabeça de quem assiste a “Diário de uma Busca” a diretora ser uma estreante. Isto se explica pelo fato de que Flavia Castro trabalha há muitos anos com documentários, principalmente fazendo roteiros. Foi assistente de importantes documentaristas na França, tendo trabalhado, por exemplo, em “Diário de Che na Bolívia”, do suíço Richard Dindo, de 1994. No Brasil, está trabalhando como roteirista em “Golpes do Estado Novo”, ainda não lançado, do diretor Eduardo Escorel. “Diário de uma Busca” foi premiado em festivais no Brasil, no Uruguai e na França.

Diário de uma Busca (Flávia Castro, Brasil / França, 2011. 105 minutos)

Onde assistir em Porto Alegre:
– CineBancários (Rua General Câmara, 424, Centro) às 15h, 17h e 19h até o dia 21 de agosto. Ingressos a R$ 5.
– Santander Cultural (Rua Sete de Setembro, 1024, Centro), às 17h. Ingressos a R$ 6


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