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1 de julho de 2011
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11:10

Uma poetisa blogueira na defesa do socialismo em Cuba

Por
Sul 21
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Norelys: o nome da Rede já diz qual é a sua finalidade l Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Nubia Silveira

A cubana Norelys Morales Arguilera, uma morena tranquila, simpática, bem-falante e de sorriso largo, tinha cinco anos quando os revolucionários barbudos, liderados por Fidel Castro, Ernesto Che Guevara e Camilo Cienfuegos, puseram o ditador Fulgêncio Batista a correr de Havana em direção aos Estados Unidos. Estava com sete, quando o presidente brasileiro Jânio Quadros condecorou Ernesto Che Guevara, o ministro da Economia de Cuba, com a Grã Cruz da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul. Nasceu e vive em Santa Clara, capital da província de Villa Clara, na área central da Ilha, onde sua mãe foi alfabetizadora e seu pai, um pequeno comerciante. Ambos revolucionários. Cresceu escrevendo poemas. Na Universidade, licenciou-se em Língua e Literatura Hispanoamericana e Cubana. Fez alguns cursos técnicos na área de jornalismo e mudou sua vida profissional de professora para jornalista. Hoje, trabalha na TV Cubana e dedica a maior parte de seus dias a alimentar três blogs e à Red Blogueros y Corresponsales de La Revolución, que criou em 2009 e hoje conta com a participação de 1.325 pessoas de 30 países. Começou a trabalhar com a internet em 2005. No final de maio, participou, em Porto Alegre, do Encontro Gaúcho de Blogueiros e Twiteiros Progressistas.

Nesta sua primeira viagem internacional, Norelys conta que não é fácil ser blogueiro em Cuba. Não por razões políticas, mas técnicas. O país está conectado à rede mundial de computadores via satélite, o que torna a internet mais lenta e mais cara. “O que um blogueiro brasileiro faz em uma hora, levo seis para fazer”, diz ela. A razão? O bloqueio econômico imposto pelos Estados Unidos ao país caribenho, desde 1962.

“Os cabos submarinos que levam toda a comunicação dos Estados Unidos e da Europa para a América do Sul passam a 32 quilômetros de Cuba, mas os donos são os norte-americanos, que não dão conexão a Cuba”, explica a jornalista. A esperança de uma internet mais rápida e barata é a instalação prevista para julho, em Santiago de Cuba, do cabo submarino que ligará a Venezuela a países do Caribe, como a Ilha e a Jamaica. Enquanto isso, o governo cubano “socializou a capacidade de internet”, que se destina às universidades, aos centros de pesquisa, à área médica, ao jornalismo e a uma organização existente nos bairros, que se chama Joven Club. “Um país capitalista resolveria isto muito fácil: quem tem dinheiro que compre”, compara.

Ela aposta que com a internet mais rápida e barata uma porcentagem maior de cubanos utilizará e-mails e as redes sociais, divulgando a realidade do país. “Um jovem cubano, por exemplo, poderá dizer a um argentino que ele não precisa trabalhar em três lugares para pagar a Universidade. Em Cuba, a única coisa que faz é estudar. Essa é uma realidade subversiva ao capitalismo. E muitos perguntam: como conseguiram?” Ela explica: “Nessa ilha pobre, pequena, sem recursos, há uma redistribuição mais equitativa da riqueza. Não que em Cuba todos tenham o mesmo nível de vida, obviamente. Mas, não é como em outros países, onde vivem pessoas em muito bom nível e outros na miséria total”.

"Nessa ilha pobre, pequena, sem recursos, há uma redistribuição mais equitativa da riqueza", diz Norelys, referindo-se a Cuba l Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Defensora do socialismo cubano – “ele permanecerá ainda para os da minha geração e à do meu filho” -, Norelys não apresenta qualquer sinal de irritação quando fala dos “dois grandes mitos” que há em relação a Cuba quanto ao uso da internet.

“Um é o que diz que há censura”. Mas, pergunta-se, “se não permitem que o cabo chegue a Cuba, quem censura?” Este caso, diz ela, se parece com o caso do “homem que amarram a uma pedra, jogam na piscina, e dizem que ele morreu porque não sabia nadar”.

O segundo mito, segundo a jornalista, é o que o seu país é contra as tecnologias. Ela se indigna: “como podem pensar isso, justamente, sobre um país onde a computação é ensinada desde o primário e tem uma universidade dedicada apenas às ciências informáticas, formando produtores de softwares, administradores de redes e todas essas coisas?” A missão que se impôs é a de esclarecer, por meio da Rede e dos blogs, o que realmente acontece na Ilha.

Uma produtora de conteúdos

A blogosfera da Ilha ainda é pequena. Dos mais de 11 milhões de habitantes, 200 são blogueiros. Norelys tem três páginas. Os custos são pagos com o que recebe trabalhando como assessora de web da TV Cubana, em Santa Clara. Lembra que o primeiro blog fez com um computador de seis giga e 128 de memória RAM. “Hoje, um pendrive tem mais do que isso”. Mas, por que três e não apenas um blog?

– Porque é preciso manter o blog sempre funcionando. E muitas vezes, as plataformas não avisam que farão manutenção e o tiram do ar. O que me interessa é estar na rede e estudar os diferentes tipos de plataforma. Cada um dos blogs está hospedado numa plataforma. O primeiro que criei que foi o islamia, que está hospedado no Niri Blog. O segundo, enlamismacostura, está no wordpress e o blog de Norelys está numa plataforma cubana. Os softwares usados são os livres.

Norelys faz questão de ser didática e de deixar claro que o chamado Blog de Norelys não é dela, mas de um grupo de jornalistas. Levou o seu nome, por ter sido ela quem deu início ao trabalho. E nesse espaço, os assuntos vão da análise do jornalismo às notícias. No islamia são publicadas notícias sobre o que acontece no Caribe, como ciclones e outros desastres naturais. No enlamismacostura a preferência é por artigos. A blogueira se entusiasma não apenas com a produção dos conteúdos, mas com a reprodução deles por outros blogueiros e meios de comunicação. Nos blogs, ressalta, a linha editorial é pessoal. “Fazes o que quiseres”.

Alegra-se ao revelar os 900 acessos diários de islamia. Tem consciência de que muitos acompanham o que escreve. “Entre as dez pessoas mais lidas em blogs cubanos, estou eu. Estou, também, entre as mais influentes no Twitter em Cuba. Na página que se chama Cuba Agora e com a qual colaboro, sou uma das mais lidas”. Norelys tem tempo ainda para colaborar com alguns meios espanhóis, como InSurGente e Tercera Información, escrever poesias e cuidar do filho, Irving Pablo, e dos dois sobrinhos que ama como filhos. Conta que ela, sua mãe e sua irmã vivem ao lado umas das outras, em Santa Clara. O único irmão casou com uma sul-africana e vive na Cidade do Cabo.

Uma só blogosfera e duas posições

Como jornalista, Norelys se preocupa em dar informações corretas – “não anota isso, porque não tenho certeza e você vai dar divulgar um dado errado”, alerta. Como cubana, em esclarecer o que ocorre na Ilha. Repete mais de uma vez para deixar claro: “A blogosfera cubana é uma, como é uma a brasileira. Há uma intenção manipuladora de separar a blogosfera cubana em duas. Mas, aqui também, uns são a favor do PT e outros do Serra e não existem duas blogosferas. O que acontece, em Cuba, é que há um grupo de blogueiros pagos pelos interesses norte-americanos. São mercenários.” Ela afirma que os recursos para os blogueiros contrários ao regime socialista provêm dos cubanos que vivem em Miami, nos Estados Unidos, e de alguns que estão na Espanha. O mais conhecido e mais combatido por Norelys é o Generación Y , de Yoani Sánchez.

"Há um grupo de blogueiros pagos pelos interesses norte-americanos. São mercenários" l Foto: Ramiro FurquimRamiro Furquim/Sul21

– Seguidamente, você critica o que Yoani diz, reproduzindo em seus blogs os textos dela e dando link para o Generación Y. Isto não significa dar mais visibilidade ainda a Yoani?

– Pode ser. Mas se eu dou visibilidade a ela, ela também me dá, porque quando alguém digita o nome dela no buscador e ele está entre as tags do meu blog, eu também apareço. Nesta batalha, precisei racionalizar isso. O que importa é denunciar que esta gente quer que os Estados Unidos tenham um pretexto para invadir Cuba. Não tenho a menor dúvida disso. Um blogueiro, que se considera representante de Yoani na Espanha chegou a dizer que o melhor seria que os norte-americanos invadissem Cuba. Estamos vivendo um mundo de ilegalidade. A invasão da Líbia, por exemplo, foi injusta e ilegal. A Resolução da ONU não permitia que fizessem o que fizeram na Líbia.

Uma rede a favor do socialismo

Como o próprio nome revela, a Rede Blogueros y Corresponsales de la Revolución destina-se a defender o regime socialista cubano. Postada na plataforma Ning, concorrente do Facebook, e sediada em Palo Alto, nos Estados Unidos, a Rede conta com colaboradores da América Latina, da América do Norte e da Europa. O maior número, logicamente, é de cubanos (200), seguidos de argentinos, espanhóis e venezuelanos. “Depois de um ano, o pessoal do ning.com se deu conta de como nos organizamos e a que a rede era um êxito, o que, antes, era grátis, passou a ser cobrado. Não posso pagar. Quem paga são os meus companheiros que vivem fora de Cuba”. A página recebe, diariamente, uma média de mil acessos.

Norelys faz a mediação dos candidatos a participarem da rede. Todos devem responder a um questionário. Os aceitos passam a ser seus próprios editores de texto. Se ela nota que as respostas não estão em sintonia com o projeto, a proposta é recusada. Mesmo assim, já teve problemas com pessoas postando textos ofensivos, que foram retirados e o acesso cortado. “Trabalho com uma ideia clara”, afirma. “Este site não é para atacar a revolução cubana, nem ao (presidente venezuelano Hugo) Chávez, nem ao (presidente do Equador Rafael) Correa, nem ao (ex-presidente do Brasil) Lula, nem ao governo brasileiro. Qualquer um pode fazer uma análise de uma coisa pontual, mas não é uma plataforma contra nenhum movimento progressista”. Portanto, avisa: “Se vais atacar a revolução não te dou entrada ou te tiro. É a única regra que impus”.

Os textos publicados na rede podem ser originais ou serem cópias de blogs. O que Norelys não deseja são notícias copiadas da grande imprensa. Aceita, sim, trabalhos críticos. “Nós escrevemos criticamente sobre a nossa realidade, as pessoas dão sua opinião, a revolução critica-se a si mesma. Outra coisa são os textos ofensivos”. Segundo Norelys, seus compatriotas são profundamente críticos. Mas, sempre encontram um ponto de consenso pelo bem do país.

– Quando defendes o governo cubano, o que estás defendendo?

– Um projeto de país, de humanismo. Um projeto de distribuição mais equitativa da riqueza. Quando estou em um país tão rico como este ou como a Argentina e vejo pessoas pedindo esmolas ou crianças guaranis cantando para poder comer, lembro que somos uma ilha pobre, com 30 mil problemas, mas em Cuba não há uma só criança que vá dormir sem ter comido. Por quê? Porque há uma redistribuição da riqueza e um Estado com vontade política de desenvolver um projeto mais humano. É isto que defendo. A revolução socialista de Cuba oferece uma alternativa humana.

Um novo país

Os maus momentos passados por Cuba, nos anos 80 e 90, quando o Muro de Berlim caiu e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas se dividiu em vários países, já não existem mais. Norelys afirma que a ajuda recebida atualmente da China e da Venezuela sempre custa alguma coisa ao país. Em troca de petróleo, por exemplo, a Venezuela conta com médicos cubanos.

"Em Cuba, nenhuma medida é tomada, sem ser discutida com o povo" L Foto:Ramiro Furquim/Sul21

– Passados 52 anos da Revolução, o que melhorou e o que piorou no projeto de um país socialista, desenvolvido por Cuba?

– Fidel Castro respondeu assim ao jornalista Ignácio Ramonet, do Le Monde Diplomatique, quando ele lhe perguntou qual considerava ter sido o maior erro do socialismo: “O problema é que ninguém sabe como construir o socialismo”. E Cuba vem fazendo este caminho. Por que o país se uniu ao campo socialista nos anos 60? Naturalmente, porque os norte-americanos nos bloquearam economicamente. A Rússia e os demais países socialistas deram um comércio justo à Ilha.

O modelo socioeconômico cubano falhou, reconheceu Norelys. E novas medidas estão sendo tomadas. “Em Cuba, nenhuma dessas medidas são tomadas sem que sejam discutidas com as pessoas. Elas entendem e aportam sugestões, porque se não há consenso, nenhum governo pode se sustentar. No meu país, há consenso”, afirma a blogueira. “Apesar de tudo o que se está discutindo, as pessoas não querem o neoliberalismo. Não querem perder as conquistas sociais obtidas. Pensa-se, inclusive em racionar alguns alimentos que são subsidiados pelo Estado. E ninguém quer abrir mão da caderneta com a qual compram alimentos subsidiados”, afirma.

Norelys se entusiasma e passa a enumerar as conquistas obtidas nestes anos: “Creio que em Cuba se fizeram coisas muito boas. Criou-se um sistema educacional universal, deu-se acesso universal à saúde e há uma democracia à nossa maneira, mas democrática”. Ela questiona: “O sistema inglês é mais democrático do que o de Cuba, onde as pessoas elegem seus candidatos nos bairros, levantando as mãos?”

O capital humano da Ilha é elogiado pela jornalista. Lembra que foram os médicos cubanos que lutaram contra o cólera no Haiti, mesmo antes do terremoto de 2010. “Não trabalhamos só para nós, mas para outros países também”.

– Houve uma época em que o envio de soldados e de médicos para outros países representava a entrada de dinheiro em Cuba. Essa realidade permanece?

– Nem os militares nem os médicos nunca significaram entrada de dinheiro para Cuba. As Nações Unidas contratam alguns especialistas, como fazem com o Brasil. Estamos ajudando o Timor Leste, onde se fala português, a construir suas próprias escolas de Medicina. Há 500 jovens estudando Medicina em Cuba para depois retornarem ao seu país. São convênios de cooperação que se assinam.

– Outra questão muito comentada internacionalmente é a de que o regime socialista só se mantém enquanto Fidel estiver vivo.

– Fidel já renunciou a todos os cargos. Continua como uma liderança, mas moral, de visão política. Hoje, Fidel não tem qualquer autoridade legal, mas moral. Ele é um revolucionário, um condutor. É claro que o pensamento de Fiel Castro interessa ao povo. Foi ele quem fundou o projeto, que continua com Raúl Castro.

Poesia aos sábados

Norelys dedica os sábados à poesia e à música l Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Os poemas de Norelys são pouco divulgados. Ela tem apenas um livro publicado – Desde el Terral. Agora, prepara outro. É nas poesias que coloca todos os seus sentimentos – amores, desilusões, angústias, tristezas, alegrias – e não quer que as pessoas vejam neles alguma mensagem política, que não existem. Por isso, prefere mantê-los no desconhecimento. Não total, porque todos os sábados se reúne, em Santa Clara, com um grupo de poetas e músicos, para declamar e cantar.

“Vivo a vida com toda a intensidade que ela tem”, afirma. Trabalha intensamente, luta pelo socialismo, diverte-se e prepara um novo livro de poemas. Norelys é um exemplo de alguém que conseguiu o que Che pregava: “Hay que endurecerse, pero sin perder la ternura jamás”.

Veja aqui uma entrevista de Norelys postada por Cuba Información TV


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