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9 de junho de 2011
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14:51

Especial Fase (III): MV Bill e L.F., o bom exemplo acende a esperança

Por
Sul 21
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Rachel Duarte

Ramiro Furquim/Sul21

Alex Pereira Barbosa nasceu em 3 de janeiro de 1974, no bairro Cidade de Deus, no Rio de Janeiro. L.F. nasceu em 1993, em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. Hoje, Alex é o famoso rapper brasileiro MV Bill. Já L.F. é um dos mais de 800 jovens privados de liberdade internados na Fundação de Atendimento Sócio Educativo (Fase-RS). O que os dois têm em comum? O amor pela música.

O encontro dos dois aconteceu em abril deste ano, quando MV Bill realizou um show dentro do Centro de Atendimento Sócio Educativo Poa I, na Vila Cruzeiro. De lá pra cá, L.F. não parou de compor e aos finais de semana que pode ir para a vila onde mora reúne-se com outros amigos para cantar. O próximo passo, segundo ele, é oficializar o grupo na comunidade e iniciar uma agenda de apresentações pelo bairro. O sonho: “viver da música, gravar um CD, não preciso de fama”, disse o adolescente.

Ramiro Furquim/Sul21

MV Bill participou do show bancado pelo governo gaúcho para marcar a retomada do olhar do poder público para os jovens internos da Fase. Um dia antes da apresentação, percorreu as unidades de Porto Alegre e conversou com os adolescentes. Dois meses depois, em conversa com o Sul21, ainda se entusiasma ao relatar a experiência vivida no RS. “Eu realmente fiquei muito empolgado com a Fase. Pude olhar nos olhos, falar de perto. Isso fez toda a diferença quando fizemos o show no dia seguinte. É um projeto em que eu passei a acreditar. Por isso, já me coloquei à disposição do governo do estado para novas atividades”, disse.

L.F. lembra do dia do show onde recebeu o apelido de L.F. do rapper carioca e mostrou o seu talento para compor raps. A letra que escreveu dentro da Fase, durante os meses privados de liberdade, chamou a atenção de MV Bill.

O potencial do jovem L.F. era insuspeitado. Sua baixa autoestima nunca permitiu algo mais do que rabiscos que apagava ao final de cada composição nova. “Eu sempre escrevi. Mas eu rasgava todas as letras. Eu nunca achei que seria bom. Aí, eu me atirei no crime”, conta. Com 12 anos L.F. já estava interno da Fase, por roubos de biscoitos e outros alimentos que pegava de supermercados para comer quando não tinha mais nada em casa. Nenhuma comida e nenhum móvel, pois o pai, envolvido com o tráfico de drogas, perdera tudo para os traficantes.

Desde os 8 anos de idade cheirando loló, L.F. foi depois para outras drogas, passando a roubar para manter o vício. “Eu comecei roubando da minha mãe cigarro e depois dinheiro. Comecei a usar droga e roubava ela pra me drogar. Daí encontrei amigos que já faziam assaltos a carro e eu também fiz. Tudo era sempre pela droga”, conta.

“Eu cheirava todo dia. Eu comecei com a droga e depois comecei a roubar. Mas eu cheguei um dia em casa e meu pai tinha vendido todas as coisas da minha casa e da minha mãe e tinha transformado a casa em um ponto de tráfico. A casa era da minha mãe. Mas foi tomada pelos traficantes. Daí, eu e meus irmãos fomos morar com a minha avó”, L.F.

Pela segunda vez na Fase, L.F. encontrou em MV Bill uma inspiração. Os elogios do rapper fizeram grande diferença para ele.

Não é fácil viver do rap

Apesar de nos dias de hoje o rap estar incorporado no cenário musical brasileiro, livre do estigma da década de 80, quando surgiu no Brasil e foi considerado como um gênero violento e tipicamente de periferia, viver do rap não é tarefa fácil. Nem todos terão a mesma projeção que conquistou MV Bill, por exemplo. O cantor reconhece e alertou os jovens da Fase.

Ramiro Furquim/Sul21

“Um jovem que quer viver de música, como no caso do L.F., revela só a ponta de um iceberg. Eu falei pra ele que é muito legal a capacidade dele para fazer música e ele usa as letras como válvula de escape. Mas, além disso, a educação tem que estar neste processo. Eu tive exatamente esta preocupação quando eu conversei com todos eles. Falei que não dá pra viver só deste sonho, que pode só trazer frustração depois”, falou. Bill também contou ao Sul21 que mesmo com a conquista de prêmios por seu ativismo social e as aparições em filmes e agora até em uma telenovela da Rede Globo, ainda encontra dificuldades para popularizar seu trabalho. “Mesmo eu sendo um cara com bastante exposição na mídia, as minhas músicas não tocam em qualquer rádio, o meio artístico não é fácil. Agora, tendo uma formação acadêmica, a música ou futebol ficam apenas como hobby. Se der certo na música, bacana. Mas se não der, tem a educação que faz toda a diferença na vida”, disse.

Como todos esses alertas, L.F. sabe que será defícil viver da música, mas, inspirado por MV Bill, encontrou objetivos a perseguir quando retomar a liberdade: o rap e a educação. Mais: L.F. encontrou uma qualidade em si mesmo, o que possívelmente o livrará da baixa autoestima.

“Desde pequeno eu sempre quis cantar rap. Mas eu nunca achei que eu ia ter uma oportunidade. Acho que Deus olhou pra baixo, viu o sofrimento que eu tava passando e meu deu esta chance”, L.F.

Mais de MV Bill

O Sul21 aproveitou o contato com o rapper carioca e aprofundou a conversa sobre as impressões dele a respeito da Fundação de Atendimento Sócio Educativo do RS e sobre o enfrentamento do tema da criminalidade entre os jovens no país.

Ramiro Furquim/Sul21

MV Bill – Parece ser um atendimento bacana, mas quando se fala de jovens em conflito com a lei, eu sempre tendo a achar que este trabalho pode ser melhorado. Até por isso eu aceitei ir pra aí. Eu relatei ao governador que eu senti muita necessidade dos jovens em terem mais cultura e esporte. Foi o que mais eles pediram. Mas, mesmo com estas reivindicações, o que eu vi na Fase está muito acima da média do que eu já vi em outros lugares onde eu me relacionei com jovens no Brasil. Em outros lugares que eu fui, normalmente já na chegada eles me perguntavam qual era o tipo de fuzil que estava sendo usado nos morros do Rio e qual a droga do momento. E na Fase a curiosidade era saber como se fazia teatro e entrava na televisão, como é entrar no estúdio pra gravar um vídeo de música. Então a maioria me pareceu réu primário e com muitas chances de recuperação. Então, se eles tiverem chance de ter acesso às coisas que eles acham boas aumentam as chances de futuro ainda mais.

Sul21 – Como tu avalias as políticas de ressocialização para jovens no Brasil? Houve avanço no trabalho de prevenção da criminalidade e da violência nesta faixa etária?

MV Bill – Eu acho que o Brasil poderia ter avançado mais em termos de políticas públicas para a juventude. Quando eu me deparo com realidades como a da Fase e me surpreendo, isso é um sintoma de que pouca coisa foi feita. Eu gostaria de ver em todo o Brasil os pontos positivos que vi no RS. A realidade das casas no norte e nordeste está cada vez mais complicada. Lá as unidades são praticamente depósitos de seres humanos e os jovens, que são em sua maioria miseráveis, ficam entregues à própria sorte, esperando o dia em que as coisas serão diferentes.

Rapper e ativista MVBill fala ao Sul21 sobre a Fase/RS by Sul21

Especial Fase (I): A realidade que leva os jovens à internação
Especial Fase (II): Quem são e como vivem os jovens internos no RS?


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