Noticias|Últimas Notícias>Política
|
29 de junho de 2011
|
14:29

Ações pontuais não vão evitar mortes por conflitos na Amazônia

Por
Sul 21
[email protected]
Audiência pública na Câmara debateu ações para combater a violência na Amazônia

Rachel Duarte
De Brasília

Medidas pontuais para combater a violência na Amazônia não estão evitando mortes envolvendo conflitos por terra. Além de investigar os assassinatos recentes, o Brasil precisa adotar medidas estruturais para resolver a questão. A avaliação foi feita por entidades, autoridades e parentes de vítimas em conflitos agrários, durante audiência na Câmara dos Deputados nesta terça-feira (28).

Leia mais:
– Imprensa não sabe o que acontece na Amazônia, diz jornalista

A audiência foi pedida pelos deputados Luiz Couto (PT-PB) e Manuela D’Ávila (PCdoB-RS). Segundo eles, o trabalho sobre a questão de conflitos agrários iniciou no legislativo a partir da discussão em plenário sobre os recentes assassinatos no Pará. “Queremos reduzir principalmente a sensação de impunidade que os criminosos têm, que motiva ainda mais a recorrência de mortes na região”, disse Manuela.

Nos últimos dez anos, o número de mortes foi 709, segundo a Ouvidoria Agrária Nacional. No debate, as instituições representadas defenderam a implantação de medidas estruturantes que tratem as causas das mortes. A reforma agrária poderia reduzir as estatísticas de homicídios em zona rural.

"Medidas paliativas não adiantam", alertou Dom Landislau Biernaski, da CPT

“A violência no campo já é endêmica. Medidas paliativas não adiantam. O Código Florestal do jeito que foi aprovado irá permitir que a violência siga acontecendo. Aumentar a fiscalização e atuar com medidas nas causas dos crimes, como a instalação da Reforma Agrária que se fala há anos. Mais do que uma bandeira comunista, ela é uma necessidade real. Sem isso não haverá paz no campo”, disse o presidente da Comissão Pastoral da Terra (CPT), Dom Landislau Biernaski.

Massacre de Corumbiara

O representante do Movimento Camponês Corumbiara, Francisco Batista da Silva, relatou o trágico episódio ocorrido em Rondônia, em 1995. Segundo o ativista, em Corumbiara 335 pessoas “foram torturadas e massacradas, e outros exterminados sumariamente”. Ele citou a participação de policiais militares a serviço dos fazendeiros no ataque aos trabalhadores rurais e detalhou os fatos da época. “Na madrugada trabalhadores foram atacados pelo batalhão de Polícia Militar. Dois jovens foram condenados, injustamente como forma de resposta do estado a violência ocorrida na época”, disse.

Trabalhador rural Adelino Ramos, morto com cinco tiros em 1995 | Foto: Divulgação

Entre os presos, Claudemir Ramos, filho do líder dos trabalhadores Adelino Ramos, morto por ter denunciado os autores de extração de madeira em áreas de preservação. A filha de Adelino, Glauceli Ramos, estava na audiência e recordou emocionada a descoberta do corpo do pai no Instituto Médico Legal e as atrocidades cometidas contra o seu irmão.

“É muito difícil falar sobre isso ainda. Além de perder meu pai perdi meu irmão que foi preso injustamente. Eu estava no massacre e eu pergunto como que a máquina fotográfica que meu irmão utilizava poderia ter disparado um tiro em um policial?”, questionou, sobre o teor do processo que condenou o irmão ao regime fechado.

Em Rondônia o Massacre do Corumbiara foi um dos 48 episódios ocorridos em Rondônia e que resultou em 71 vítimas fatais. Deste total, a Polícia Civil conseguiu concluir 22% das investigações, sendo que 14% foram condenados.

Enterro de Adelino Ramos, assassinado por denunciar extração de madeira em Rondônia.

Segundo o secretário de Segurança, Defesa e Cidadania de Rondônia, Marcelo Nascimento Bessa, o caso de Adelino Ramos ocorreu por conflitos de posse de terras, mas esta não é a única causa de mortes no campo no Estado e no país. “Crimes ambientais como extração de madeira, plano de manejo e crimes contra a flora também são fatores de mortes no campo. E os conflitos agrários não são decorrentes da falta de medidas de segurança. A falta do Estado na fiscalização de crimes ambientais, falta de ações para fomento da cadeia produtiva e a ausência de uma regularização fundiária também influenciam”, disse.

Ele citou a Operação em Defesa da Vida implantada pelo governo federal após as mortes no Pará no último mês também como exemplo da ação imediatista do Estado no enfrentamento dos crimes rurais. “A operação é episódica. Quando a força pública federal sai, os problemas estruturantes continuam”, disse.

Federalização dos crimes x Órgãos especializados

Segundo o presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Gabriel Wedy , os juízes federais estão buscando a federalização dos crimes contra os Direitos Humanos. “Com isso acabaremos com 98% de impunidade no estado do Pará. No caso do Massacre de Corumbiara, o Brasil recebeu três sanções da OEA (Organização dos Estados Americanos). Quem recebe a sanção não é o Estado, é a União. Ela é quem deve responder. Estes casos devem ter os inquéritos denunciados pelo Procurador Geral da República, que está longe do local do crime”, defendeu.

Gercino Silva defendeu a implantação de ouvidorias agrárias nos Estados

Já o Ouvidor Agrário Nacional, Gercino, José da Silva Filho, disse que o governo federal não concorda com a federalização, uma vez que deve haver competências específicas ao alcance de estados e municípios. Segundo ele, a intenção é ampliar a política em funcionamento em 10 Estados brasileiros, regida pelo Plano Nacional de Combate à Violência no Campo. “Temos que criar ouvidorias agrárias nos Estados, tornar as polícias especializadas nesta área, ter Defensorias Agrárias, de modo que, quando houver um conflito o cidadão seja amparado efetivamente”, falou.

O secretário executivo da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, Ramaís de Castro, defendeu a iniciativa da ministra Maria do Rosário que buscou identificar os brasileiros ameaçados de morte por conflitos agrários no norte do país. “Ela visitou os três Estados onde ocorreram episódios de assassinatos. Temos uma lista de centenas de pessoas que correm risco e estamos dando proteção a elas”, disse.

O apoio do governo federal é por meio do Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos, como foram reconhecidas pela União as pessoas como o senhor Adelino Ramos, que denunciam crimes em zona rural. “Temos 150 pessoas protegidas. Por meio de acompanhamento da Polícia Civil nos estados ou pela Força Nacional, quando necessário”, destacou.


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora