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11 de maio de 2011
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14:36

RS perde um militante político e social. Morre, aos 60 anos, Carlos Alberto Tejera De Ré

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Sul 21
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RS perde um militante político e social. Morre, aos 60 anos, Carlos Alberto Tejera De Ré
RS perde um militante político e social. Morre, aos 60 anos, Carlos Alberto Tejera De Ré
Carlos Alberto De Ré - Foto: Divulgação /Assermbleia Legislativa

Antonio Oliveira / Agência de Notícias Assembleia Legislativa

Militante político desde jovem, terceiro filho de quatro (dois homens e duas mulheres) de Aldomar Lara De Ré, um trabalhador ferroviário , e de uma dona de casa, Carmem Tejera De Ré, trabalhadora que sempre ajudou na suplementação da renda de casa com trabalhos próprios, Carlos Alberto Tejera De Ré, o Minhoca, morreu nesta quarta-feira, de câncer, no Hospital Mãe de Deus, em Porto Alegre, aos 60 anos. Natural de Juaguari, onde nasceu a 16 de fevereiro de 1951, foi preso e barbaramente torturado durante a ditadura militar. Depois da Anistia, pela qual muito lutou, De Ré ajudou a organizar o PTB e com a perda da sigla participou da fundação do PDT, em 1980. Foi presidente da Fasc em Porto Alegre e da FGTAS durante os governos de Alceu Collares na prefeitura e no estado. Trabalhou na Assembleia Legislativa até o dia 24 de abril último como coordenador das atividades do Teatro Dante Barone e atuava no Movimento dos Ex-Presos e Perseguidos Políticos. O corpo será velado no Crematório Metropolitano de Porto Alegre a partir das 11h e, às 18h, acontecerá a cerimônia de despedida fúnebre.

Os amigos guardam lembranças de De Ré dos tempos de militância na luta armada, na clandestinidade, e mesmo nos períodos em que esteve preso. Depois da anistia, participou do Setor Jovem do PMDB e ajudou na fundação do PDT, chegando a ser eleito presidente da Juventude Socialista do partido em fevereiro de 1985. O jornalista e advogado Índio Vargas conta que conheceu Minhoca em maio de 1970. “Eu estava preso com o Felix Silveira Rosa numa sala de isolamento do DOPS, no terceiro andar do Palácio da Polícia. O Felix havia participado da tentativa de sequestro do cônsul americano, na Independência, quando eles jogaram a camionete blindada em cima do Fusca dos sequestradores e fugiram. Devia ter 18 anos naquela época. Eles chegaram trazidos pelo delegado Pedro Seeleg. O De Ré e o Luiz Goulart. Os dois tinham sido presos em Cachoeirinha, fazendo pixações e panfletagem contra a ditadura na frente de uma fábrica . Eu até brinquei quando eles chegaram. `Pô já estão prendendo até gente do jardim de infância ?´. Na hora, todo mundo riu. De Ré ganhou o apelido de Minhoca porque era muito branco, magro e alto. Depois, eles foram transferidos para o Presídio Central e eu perdi o contato, só retomando mais tarde”.

O economista Ubiratan de Souza diz que “ele veio do movimento estudantil secundarista. Aos 15 anos já era militante. Nós atuamos juntos na resistência armada, na clandestinidade. Ele era um dos mais novos e um militante exemplar, arriscando a vida na luta contra a ditadura. Participou da luta armada na VPR junto com o Calino Pacheco e o Carlos Araújo. Foi preso e torturado no DOPS e em quartéis de Porto Alegre, prisões no interior e na Ilha do Presídio”.

Militante do Movimento dos Ex-Presos e Perseguidos Políticos, Sérgio Luiz Bittencourt diz que “ele era meu amigo desde 1967. Militou no Barncaleones, organização secundarista de esquerda de grande atuação nas mobilizações e passeatas entre 1967 e 1968. Juntos, participamos do Congresso da Uges em julho de 1968, em Santa Rosa, para eleger o novo presidente da entidade. A cidade foi cercada pelo Exército e ameaçada de invasão, se o nosso candidato, o André Luiz Fávero, vencesse a eleição. Ele participou das lutas pela Anistia, pela democratização do País e da campanha Diretas Já”. .

Uma vida de militância

De Ré dizia que um dos episódios mais nítidos da sua memória quando ainda menino, com dez anos, “foi o da Campanha da Legalidade, em 1961”. Conforme depoimento dado à coletânea A Ditadura de Segurança Nacional no RS, Volume 2 – Repressão e Resistência nos Anos de Chumbo. “Recordo ouvir no rádio as músicas marciais que precediam os noticiários e os batalhões de ferroviários em passeata pela cidade” de Santa Maria. “Minha mãe inscreveu-se como enfermeira nos voluntários da legalidade e meu pai participou de toda a mobilização”, disse.

Desde pequeno, levado pelo pai e pelo irmão mais velho, César, a assembleias do Sindicato, presenciou alguns movimentos grevistas em Santa Maria, onde moravam. Dai para a militância estudantil, foi um passo. Estudando no Colégio Manoel Ribas, De Ré sentiu na própria pele o primeiro efeito do golpe de 1964. Tinha apenas 13 anos, quando um amigo de escola avisou que o colégio estava cercado pelo Exército. Voltou correndo para casa e seu pai já tinha sido levado preso pelos militares. “Este fato me marcou muito”, pois “significou o primeiro ato de violência da ditadura recém-implantada em minha vida, o que me levou a começar, mesmo que de maneira superficial, a refletir sobre as coisas”, falou.

Para aprofundar esta reflexão teve o incentivo do primo Luiz Eurico Tejera Lisbôa (Ico), que fora morar uns tempos na casa dele em Santa Maria (Luiz Eurico, preso e assassinado pela ditadura, era irmão do compositor, cantor e escritor Nei Lisbôa e da jornalista Noeli Lisbôa e marido de Suzana Lisbôa). “Ele passou a me falar sobre questões da burguesia e do proletariado, me dando alguns textos e sugerindo alguns livros que eu deveria ler”, disse De Ré. Em 1967, quando tinha 16 anos, a família de De Ré mudou-se de Santa Maria para Porto Alegre, onde montou uma casa de comércio, e ele foi estudar no Colégio Júlio de Castilhos.

Neste ano o Grêmio Estudantil do colégio foi fechado e uma turma de estudantes criou o Grêmio Livre do Julinho. Foi também neste ano que, participando de uma manifestação pacífica do Julinho até a Praça da Matriz, contra os acordos MEC-Usaid, enfrentou sua primeira repressão policial, tendo que fugir da Polícia de Chqoque e da Brigada Militar e se esconder dentro da Catadral Metropolitana. De nada adiantou. Foi espancado dentro da casa de Deus, junto com alguns colegas, entre eles o depois jornalista Laerte Meliga. Os líderes do Grêmio Livre foram todos expulsos do colégio e outros mais jovens, entre eles De Ré, tiveram que assumir as tarefas de mobilização dentro da escola.

No mesmo ano de 1967 aconteceu o racha no IV Congresso do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e criada a Dissidência do Rio Grande do Sul. “Participei de algumas reuniões na casa de um de seus dirigentes, Luiz Pilla Vares, que, aliás, morava bem perto da casa dos meus pais”, contou De Ré em seu depoimento.

Mas o namoro com a Dissidência durou pouco. E foi rompido justamente na primeira ocasião em que o grupo de De Ré, Luiz Eurico e Claudio Gutierrez decidiram fazer a primeira desapropriação na casa de um coronel do Exército que guardava muitas armas: metralhadoras, granadas e pistolas. O coronel era pai de uma companheira do grupo. A operação foi realizada com sucesso e Luiz Eurico e Gutierrez tiveram que sair da cidade por algum tempo. Foram para São Paulo.

Barbaramente torturado

A primeira prisão de De Ré aconteceu em dezembro de 1969, quando ele tinha 18 anos e Laerte 17. Militavam na Aliança Operário Estudantil. Estavam junto com Luiz Goulart Filho e um operário de nome Lauro Goulart fazendo uma pixação e distribuindo panfletos contra a ditadura, em Cachoeirinha. Ficaram presos no DOPS, no Palácio da Polícia, até meados de 1970. Condenados a seis meses de prisão, acabaram no Presídio Central, de onde foram soltos por já terem o período da pena cumprido. De Ré e Laerte foram, então, militar em São Paulo, por já serem conhecidos aqui no estado. Lá, chegaram separados, com os nomes de guerra de Juca e Sebastião, mas acabaram se encontrando ocasionalmente.

Durante o período em que atuou na clandestinidade em Porto Alegre, o nome de guerra de De Ré era Danilo. Luiz Goulart e o operário Lauro abandonaram a lua armada e a clandestinidade nesta época. Em dezembro de 1970, exatamente um ano depois da primeira prisão, De Ré foi novamente preso, como militante da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), um dia após participar de uma expropriação realizada numa agência do Banco Itaú-América no Grupo Hospitalat Conceição.

Por infantilidade, decidiu ir à casa dos pais, no dia seguinte, para se despedir da mãe (o pai tinha ido ao banco) e dizer que estaria viajando (iria para São Paulo, embora não revelasse a ela o destino). Quando saia, foi preso pelo delegado Pedro Seeleg, que já o conhecia. Antes que pudesse apanhar o revólver e enfrentá-lo, levou uma coronhada e foi jogado dentro de uma viatura policial, onde já estava o também militante Flávio Gil Reis, o Flavinho, e levado outra vez para o DOPS.

Naquele dia, ele pensou em agarrar-se ao volante do carro e jogá-lo dentro do Arroio Dilúvio para poder fugir. Só não fez isto porque Flavinho estava aqlgemado e se caísse no arroio, certamente não poderia fugir e morreria. De dezembro de 1970 a fevereiro de 1973, De Ré comeu o pão que o diabo amassou e jogou no lixo. Vida de cão. Pior que cão. Sofreu todos os tipos de torturas inimagináveis, comandadas por Pedro Seeleg e Nilo Ervelha. Choques em todos os lugares sensíveis do corpo (unhas dos pés e das mãos, anus, ouvidos, pênis, lingua, pau-de-arara), mas um que marcou mais que todos (aplicado por oficiais do DOI-CODI do Rio de Janeiro). Ele contou que “…fui obrigado a engolir uma esponja de aço que só não era totalmente ingerida porque seguravam a ponta na qual eram colocados os fios elétricos. O choque, agora, era também interno, queimando a garganta…”, relatou De Ré.

Neste último período de prisão, De Ré esteve com Flavinho no DOPS, 18º RI em Porto Alegre, de volta ao DOPS, VI Regimento de Cavalaria de Alegrete, Ilha do Presídio em Porto Alegre e Presídio Central, para cumprir pena, de onde saiu em liberdade condicional.


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