Por que existem 150 mil inquéritos de homicídios inconclusos no Brasil?

Por
Sul 21
[email protected]

Rachel Duarte

Mais de 151 mil inquéritos de homicídios sem conclusão no Brasil./Foto:Divulgação

Mais do que a impunidade dos corruptos ou a morosidade para a condenação das pessoas que cometeram crimes, no Brasil a falta de conclusão nos inquéritos de homicídios é outro fator que influencia no descrédito da população para com a justiça. De 50 mil homicídios ocorridos no país por ano, apenas quatro mil (8%) têm o autor descoberto e preso. São pelo menos cem mil assassinatos sem solução no Brasil até 2007 — e muitos já prescritos dentro do prazo de 20 anos previsto pelo Código Penal Brasileiro —, segundo o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). Entre os fatores que prejudicam o esclarecimento dos homicídios, o CNMP cita o sucateamento histórico da Polícia Civil, a burocracia das instituições públicas e a cultura do empurra-empurra sobre a responsabilidade das investigações.

Um levantamento divulgado pelo Conselho este mês afirma que existem 151.819 inquéritos sobre homicídios instaurados no Brasil antes de dezembro de 2007 sem conclusão — seja com oferecimento de denúncia ou arquivamento. O número aumentará até o final do ano, quando 16 estados irão apresentar seus relatórios com a estatística atualizada. O procedimento é uma das metas da Estratégia Nacional de Justiça e Segurança Pública (Enasp), criada pelo CNMP em parceria com Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Ministério da Justiça. O objetivo é tentar concluir os inquéritos abertos até dezembro de 2007, como forma de apurar a demanda de crimes sem resposta no país.

De acordo com a conselheira do CNMP e coordenadora do Grupo de Persecução Penal da Enasp, Taís Ferraz, a estratégia é composta por quatro metas, sendo a que a principal é a de conclusão de inquéritos de homicídios dolosos sem resposta. “Primeiro estamos mensurando quantos inquéritos temos no país. O que não significa que alcançaremos um número equivalente de mortes, porque às vezes os inquéritos têm mais de uma morte. Mas, com este levantamento já podemos estabelecer formas de trabalho”, disse.

Conselheira Tais Ferraz do CNMP./Foto: Divulgação CNMP

Taís ressalta que a Enasp organiza os atores envolvidos nas investigações nos estados, de modo a propor a busca de soluções para o cumprimento da meta de forma integrada. “Envolvemos os Ministérios Públicos, as Polícias Civis, o poder judiciário, as secretarias de Segurança Pública e os órgãos nacionais (OAB e Defensorias). Todos somos responsáveis pela segurança pública”, afirmou.

Para a Enasp não ficar apenas no jogo de intenções por parte das instituições em reuniões, foram definidas algumas ações concretas para agilizar e efetivar a resolução dos casos de homicídios, como a erradicação das prisões em delegacias de polícia e um cadastro nacional de mandados de prisão e alvarás de soltura. “A polícia tem números de mandados para prender pessoas e não temos controle dos casos e nem intercomunicação nos estados. Com o cadastro poderemos ver as pessoas que tem mandados de prisão de qualquer lugar do país”, explicou Taís.

O mecanismo para controle dos inquéritos, o Inqueritômetro, será atualizado mensalmente e permiterá a comparação entre os Estados com homicídios não solucionados. O Rio de Janeiro lidera a lista: 60 mil. Em segundo lugar está Minas Gerais (20 mil), seguido por Espírito Santo (13.610), Pernambuco (11.462) e Bahia (10.145). Para Estados com até 4 mil procedimentos em aberto, o prazo para concluir os inquéritos é julho deste ano; para os demais, até dezembro de 2011.

Delegacias de Homicídios podem ajudar

O tempo para iniciar a investigação de um homicídio é vital para identificação da autoria do crime. O trabalho da Polícia Civil, porém, fica comprometido em todo o país, uma vez que historicamente esta é a polícia que menos recebe investimentos, se comparada com as demais corporações.

Em alguns estados está sendo necessário um contingente maior de investigadores para realizar o trabalho; em outros, é preciso de uma força-tarefa com outras instituições.

No Rio Grande do Sul, a prioridade do novo comando da Polícia Civil é solucionar os casos de crimes contra a vida e qualificar a capacidade de atuação da corporação nestes crimes. Um projeto para construção de 10 unidades de Delegacias de DHPP (Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa) está pronto e aguardando liberação da Secretaria de Segurança Pública para iniciar as obras.

De acordo com o representante da Divisão de Planejamento e Coordenação (Diplanco) da Polícia Civil do RS, Antonio Padilha, “ainda não há previsão. Mas as regiões com maiores índices de homicídios serão contempladas”. De acordo com o levantamento da PC, deverão receber as novas delegacias as cidades de Porto Alegre, Guaíba, Viamão, Alvorada, Novo Hamburgo, São Leopoldo, Canoas, Caxias do Sul, Passo Fundo e Gravataí.

Engrenagem imperfeita

Inqueritômetro é uma forma de acompanhar as instituições na liquidação da demanda nos estados./Foto: Divulgação

Porém, além das estrutura físicas e de mais recursos para a Polícia Civil, a conclusão de um inquérito de homicídio depende do bom funcionamento de todas as instituições envolvidas, desde a denúncia, abertura do inquérito, a investigação e o julgamento.
Entre os fatores que influenciam no funcionamento deste processo deficitário para apuração dos autores dos crimes estão além da defasagem de equipamentos e recursos humanos, a burocracia de algumas instituições, a demora para interceptações telefônicas ou mesmo a falta de celeridade na abordagem dos delegados de polícia.

“Muitas vezes a demora na conclusão decorre da falta de encaminhamento do laudo pericial. Não há causa clara sobre isso. O grande mérito do trabalho da Enasp é provocar todos para encontrarmos os gargalos e as possíveis soluções”, avalia o representante da Polícia Civil do RS.

No caso do RS, foram apurados 3,7 mil casos de inquéritos por homicídios sem resposta. E, apesar do esforço com a meta da Enasp e do trabalho da Polícia Civil e do Ministério Público Estadual, o promotor responsável pela Enasp no RS, Sérgio da Fonseca, estima que 90% destes casos serão encaminhados para arquivamento. “A investigação do homicídio deve ter imediata atuação da polícia civil no local do crime, este é o diferencial em comparado com outras investigações. Agora não se descobre a autoria destes crimes. Os casos que estão nestas estatísticas são de pessoas comuns e muitos são pessoas pobres. A lei do silêncio impera nas vilas”, disse.
O papel do MP nesta estratégia nacional é de intermediar o trabalho da polícia e do judiciário, segundo o promotor. “Nosso contato com a Polícia Civil está sendo fundamental. Não precisamos acionar cada promotor para saber dos dados. A agilidade na medição é nosso procedimento agora”, disse Fonseca.

Com o trabalho, o promotor estima que em 2011 possivelmente os inquéritos não atrasarão tanto quanto nos últimos anos. Mas, alerta para o problema se acumular na última etapa do processo. “Depois, o julgamento dos processos será uma nova batalha. A média de é 4 a 5 meses para conseguir o julgamento nos casos de homicídios”, afirmou.


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora