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28 de maio de 2011
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00:24

Na fronteira, a luta de um procurador para investigar crimes da ditadura

Por
Sul 21
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Felipe Prestes

O procurador da República em Uruguaiana Ivan Cláudio Marx busca, desde 2008, provas sobre a participação de forças repressoras brasileiras no sequestro do padre argentino Jorge Oscar Adur e do ítalo-argentino Lorenzo Ismael Viñas, em 1980, quando atravessavam a ponte que liga Paso de los Libres, na Argentina, a Uruguaiana, no Brasil. A dificuldade, no caso, é de encontrar provas concretas da colaboração da ditadura brasileira com a da Argentina no sequestro, dentro da cooperação entre ditaduras sul-americanas que ficou conhecida como Operação Condor. Agora, Marx está mais confiante. Hoje (27), ele recebeu a visita de Pablo Vassel, integrante do Judiciário argentino e especialista nos crimes de lesa-humanidade, que se deslocou de Buenos Aires até a cidade da Fronteira Oeste, disposto a colaborar.

“O grande objetivo, que agora talvez fique mais fácil de atingir, é conseguir, dentro dos vários processos que existem sobre crimes de lesa-humanidade na Argentina, algum testemunho a respeito do momento do sequestro. O que falta à investigação é comprovar que este sequestro ocorreu aqui (em território brasileiro)”, explica Ivan Marx. O procurador conta que já havia feito vários contatos com autoridades argentinas, mas nada tão efetivo.

Pablo Vassel retorna à capital argentina, onde vai agendar encontros entre Marx a dois juízes argentinos que são os principais responsáveis por julgamentos de crimes de lesa-humanidade em solo portenho, e também com outras autoridades. “Eu não posso ficar oficiando a Argentina para me enviar todos os processos existentes e depois analisar tudo para ver onde tem algo sobre o sequestro. Preciso que eles me ajudem”, disse o procurador brasileiro. Além de buscar provas de que ocorreu o sequestro em solo brasileiro, o procurador também quer saber quem participou da ação. “Falta determinar se foi a polícia federal, a policia civil, ou o próprio Exército”.

Itália provocou investigação

O caso de Lorenzo Viñas, que é cidadão italiano, está sendo investigado pela justiça italiana desde 1998. A Itália requereu em 2007 a extradição de vários agentes da repressão no Rio Grande do Sul e em outros estados, devido à participação do estado brasileiro nas mortes de dois italianos – além de Viñas, outro ítalo-argentino, Horacio Domingo Campiglia, foi visto pela última vez no dia 12 de março de 1980, no aeroporto do Galeão, Rio de Janeiro (atual aeroporto Tom Jobim). Como o Brasil não extradita cidadãos brasileiros, os princípios de justiça internacional mandam que então o país deve tocar a investigação.

Leia mais: Itália julga sul-americanos envolvidos na Operação Condor

Respeitando este princípio, Ivan Marx requisitou, em 2008, investigação da Polícia Federal sobre o sequestro ocorrido em Uruguaiana. “Na época teve bastante repercussão na imprensa de Brasília e de São Paulo. A imprensa gaúcha nunca teve interesse pelo tema, não saberia lhe informar por quê”. Os colegas de Marx, procuradores do centro do país, não levaram adiante a investigação do outro caso provocado pela justiça italiana. “Os meus colegas entenderam que o crime estava prescrito e arquivaram”, conta. Marx não. Ao contrário dos colegas, ele entende que crimes de lesa-humanidade são imprescritíveis. “Para dizer que não estava prescrito, você tem que entender que é um crime de lesa-humanidade, que é imprescritível, o que no Brasil não é tão aplicado, mas que é algo tranquilo na Argentina, no Chile e em outros países da América Latina”

Há pouco tempo, a polícia federal entregou um relatório a Ivan Marx apontando falta de provas. O procurador, entretanto, não desistirá da investigação. “Eu continuo buscando as provas”.

Montoneros tentavam escapar das atrocidades

Lorenzo Ismael Viñas e Jorge Oscar Adur eram montoneros, uma organização que empreendera a luta armada na Argentina na década de 1970. No dia 26 de junho de 1980, eles teriam sido capturados por autoridades brasileiras quando atravessavam a ponte que liga Paso de los Libres e Uruguaiana. Viñas desejava fugir do Brasil para a Itália e Adur queria entregar uma carta ao Papa João Paulo II, que chegaria ao Brasil no dia 30 de junho de 1980, denunciando as atrocidades cometidas pela ditadura argentina.

Depois de cruzarem a ponte, os dois nunca mais foram vistos. Eles teriam sido entregues por autoridades brasileiras às da Argentina, e levados até a estância La Polaca, um centro de tortura na cidade de Libres. O governo brasileiro já reconheceu sua participação no sequestro ao conceder indenização à viúva de Lorenzo, Cláudia Allegrini.


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