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25 de maio de 2011
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22:14

Coreia do Sul: desenvolvimento com inovação e mão-de-ferro

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Sul 21
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Coreia do Sul: desenvolvimento com inovação e mão-de-ferro
Coreia do Sul: desenvolvimento com inovação e mão-de-ferro

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Navio sul-coreano (Foto: Wikimmedia Commons)

Felipe Prestes

Uma delegação gaúcha, composta por integrantes do governo e empresários, embarca para a Coreia do Sul neste sábado (28). No país asiático, poderão ver como um pequeno país, devastado por uma guerra, conseguiu após 50 anos ser uma potência industrial, que compete no mercado internacional com produtos de alta tecnologia. Este desenvolvimento, como mostram especialistas, foi conquistado com investimentos muito fortes do estado em grandes conglomerados privados. Um investimento controlado pelo estado de forma autoritária, para que as empresas trabalhassem em torno de um projeto de desenvolvimento nacional.

O professor do Departamento de Sociologia e Política da PUC-RJ Bruno Borges, conta que após a Guerra da Coreia, que estabeleceu a divisão entre as Coreias do Sul e do Norte e terminou em 1953, a parte sul-coreana estava devastada, e o novo país vivia da exportação de arroz e de cabelos para perucas. A partir dos anos sessenta, um regime autoritário transformou o país em uma potência exportadora, baseado em grandes conglomerados privados, os chaebols, cuja atividade era incentivada e controlada pelo estado. “O governo investia na iniciativa privada, mas de maneira muito controlada. Centralizava os recursos vindos das exportações e controlava a saída de capitais, com isto refinanciava o desenvolvimento”, diz.

Estes grandes conglomerados, como Samsung, Hyundai e Daewoo, conseguiram, com um investimento continuado no país em educação e desenvolvimento tecnológico passar de uma atividade de indústria de base para a vanguarda tecnológica em setores como o de eletroeletrônicos e o automobilístico. “A Samsung é um grande exemplo disto. Começou de maneira muito humilde, produzindo coisas muito básicas. Hoje, é uma das líderes mundiais em LCD, telas de cristal líquido, telefonia móvel. Eles conseguiram manter um padrão de inovação durante muito tempo, de maneira intensiva”, afirma Bruno Borges.

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Seul, à noite (Foto: Wikimmedia Commons)

Investimento e contrapartidas

O professor de Relações Internacionais da FGV Maurício Santoro compara a ação do governo sul-coreano no fomento à indústria com a do BNDES no Brasil. “Eles fazem que o BNDES faz no Brasil, mas em muito maior escala e, o que é mais importante: o dinheiro do governo coreano vai atrelado a uma série de metas que as empresas têm que alcançar”, conta. Santoro relata que entre contrapartidas cobradas pelo governo da Coreia do Sul estão metas de exportação e reinvestimento de parte dos lucros das empresas em pesquisa para o desenvolvimento tecnológico.

Enquanto isto, o Brasil consegue em poucas áreas estar na vanguarda em tecnologia. Em especial, Maurício Santoro cita a aviação, com a Embraer, e a área de petróleo e derivados com a Petrobras. Em comum, ambas são empresas com forte participação do estado. “Uma das controvérsias do BNDES é que ele dá muito dinheiro para empresas que exportam commodities de baixo valor agregado e, muitas vezes, com um nível de dano ambiental bastante elevado. Um exemplo é a celulose, que é muito financiada pelo BNDES”, diz o professor da FGV.

Em parte, isto se explica pelo fato de que o Brasil tem um parque industrial voltado essencialmente para o mercado interno. Por isso, o país não teve tanta preocupação em competir no mercado internacional, com produtos diferenciados. A Coreia do Sul não pode se dar este luxo, uma vez que o país tem um pequeno mercado consumidor. “No Brasil, a gente formou um parque industrial diversificado, e tem um mercado interno muito dinâmico. Em momentos de crise internacional, por exemplo, a Coreia do Sul sofre muito. O Brasil, menos”, explica o professor da PUC-RJ Bruno Borges, especialista em desenvolvimento comparado.

coreanos smart tv
Sul-coreanos observam a "smart tv" (Foto: Divulgação)

Mesmo com as vantagens deste mercado interno, que permitiu ao Brasil, desde o governo JK, atrair empresas estrangeiras, interessadas em produzir aqui e para o mercado brasileiro, o país perde muito não estando na vanguarda do desenvolvimento tecnológico. “(Gera) emprego mais bem pago, exportação de maior valor agregado, que não é tão danosa para o meio-ambiente. Hoje, o produto que o Brasil mais exporta é o minério de ferro. A tonelada do minério de ferro não vale U$ 200 — menos que um tênis de primeira linha — e deixa uma marca profunda no meio-ambiente”, diz Maurício Santoro.

O professor da FGV afirma que para o país conseguir este desenvolvimento tecnológico é preciso investir em educação, como fez a Coreia do Sul. “Para gerar este tipo de produto mais avançado tem que investir muito em educação, pesquisa científica e tecnológica, tem que ter engenheiros de muito boa qualidade. Não é um atraso que se vença da noite para o dia. Muito da prosperidade atual que eles estão vivendo é consequência de investimentos que foram feitos na educação, sobretudo nas áreas de exatas, engenharia, informática, que vêm lá dos anos sessenta, do pós-guerra da Coreia”, diz.

O professor da PUC-RJ Bruno Borges ressalta, contudo, que o modelo sul-coreano não é perfeito e não pode servir todo ele como exemplo. “A Coreia do Sul se democratizou apenas nos anos 1990. O desenvolvimento foi dirigido de maneira bastante autoritária, de cima para baixo. Seria impensável no Brasil adotar o modelo coreano de desenvolvimento”, afirma. Ainda assim, Borges diz que a parceria entre empresas e estado na Coreia do Sul pode servir de aprendizado para a comitiva gaúcha que visitará o país, bem como para o papel da educação no desenvolvimento. Além disto, os governos têm condições, segundo o professor da PUC-RJ, de amenizar os riscos dos empreendedores que desejam competir no mercado internacional. “O que o estado pode fazer é amenizar o risco que é competir na fronteira. Por exemplo: financiar muito mais a inovação. O governo pode fazer isto. Para que as próprias pessoas que queiram investir em inovação, não tenham medo de fracassar”, diz.

Tarson: governo buscará investimentos que dialoguem com a economia local (Foto: Ramiro Furquim/Sul21)

“Não nos interessa termos maquiladoras”

O assessor de Relações Internacionais do governo do estado, Tarson Nuñez, afirma que a comitiva não vai à Coreia do Sul a fim de reproduzir o modelo brasileiro de atrair empresas estrangeiras, sem grandes contrapartidas. Ele conta que cerca de 40 pequenas e médias empresas sul-coreanas foram mapeadas pela embaixada brasileira em Seul como sendo interessadas em investir no Brasil. O Rio Grande do Sul vai atrás destas empresas e também dos grandes conglomerados, como Samsung e Hyundai.

Para Tarson o exemplo a ser buscado é o da parceria entre a sul-coreana Hannah Mícron e a gaúcha Parit Participações, que formam juntas a HT Mícron Semicondutores, para a produção de semicondutores em São Leopoldo. “O esforço pela vinda de pequenas e médias empresas está sempre ligado à contrapartida de desenvolvimento tecnológico local. O que a gente mapeou foram empresas coreanas, pequenas e médias, que, para se expandir, queiram se associar às empresas daqui. Não nos interessa termos aqui maquiladoras, fábricas que só montam aqui. Nosso objetivo é fortalecer as nossas empresas como atores econômicos relevantes em nível global”, diz.

Tarson explica que, mesmo com os grandes conglomerados sul-coreanos, o estado buscará investimentos que “dialoguem com a economia local”. O exemplo é a possível instalação de um estaleiro da Samsung para a produção de plataformas de extração de petróleo no Polo Naval de Rio Grande. “Trazermos para cá um estaleiro, que é um equipamento industrial de grande dimensão, gera todo um setor de fornecedores a sua volta, como na área de equipamentos de solda, de fornecimento de peças. Tu consegues fazer com que esta empresa dialogue com a economia local”.

A comitiva também buscará aprender de que forma a Coreia do Sul deixou de ser um país pobre e agrário para se tornar um país desenvolvido e que está na vanguarda da ciência e da tecnologia. Para isto, secretários do estado visitarão institutos como o Korean Advanced de Institute of Science e Tecnology (Instituto Coreano de Ciência e Tecnologia) e o Eletronic e Telecommunication Research Institute (Instituto de Pesquisa em Eletrônica e Telecomunicações). “Queremos saber como se relacionam os laboratórios, as universidades com o poder público e a iniciativa privada. Vamos aprender como a Coreia se transformou de um país basicamente agrário há 40 anos atrás, se transformar em um país de ponta”, afirma Tarson Nuñez.


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