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11 de maio de 2011
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00:40

Caso Banrisul – superintendente do marketing reconhece: “Tô encrencado”

Por
Sul 21
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Caso Banrisul – superintendente do marketing reconhece: “Tô encrencado”
Caso Banrisul – superintendente do marketing reconhece: “Tô encrencado”
Walney Fehlberg contribuiu para esquema que desviou verbas de publicidade do banco | Ramiro Furquim/Sul21

Igor Natusch

Para garantir a manutenção do esquema criminoso que fraudou licitações de materiais de publicidade do Banrisul, era fundamental a presença de figuras que garantissem, dentro do banco, a aceitação e aprovação dos valores superfaturados. Segundo o Ministério Público, o papel de Walney Fehlberg, então superintendente de marketing da instituição, é fundamental na engrenagem que escoava dinheiro do Banrisul. De acordo com o texto da denúncia, Walney “montou e sustentou um canal de liberação de pedidos de produção e pedidos de inserção em favor das agências de publicidade DCS Net S/A e SLM Comunicação e Marketing Ltda., com o fim de prejudicar o Banrisul e gerar enriquecimento ilícito próprio e alheio”.

No período investigado, Fehlberg era subordinado direto do vice-presidente da instituição, Rubens Bordini, também denunciado por participação na quadrilha. Além de garantir que seus superiores não interferissem contra a fraude, Walney Fehlberg mantinha relações diretas com Armando D’Elia Neto, diretor da DCS; Gilson Storck, representante da SLM; e Davi Antunes de Oliveira, responsável por gerenciar a participação das empresas envolvidas no esquema. Como superintendente, Walney teria pleno conhecimento das irregularidades nas licitações, atuando no sentido de camuflá-las e garantir os desvios.

Planilhas obtidas pela investigação mostram repasses feitos diretamente a Walney, a quem a quadrilha teria atribuído a denominação “Mr”. Nelas, estão valores desviados especialmente da organização de estandes em feiras e da confecção de materiais como placas de publicidade (frontlights) e banners.

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Arquivo eletrônico nomeado "mr.txt" mostra listagem de pagamentos. Outro nome citado é "bobo", referente a Rubens Bordini, então vice-presidente do Banrisul | Foto: Reprodução
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Anotações referentes a pagamentos para empresa Imobi revelam que "Mr" recebeu valores referentes à licitação | Foto: Reprodução

Várias trocas de mensagens via celular referem-se a “Mr”, em um contexto que, na leitura do MP, evidencia tratar-se de Walney Fehlberg. Duas das mais significativas, enviadas em sequência por Davi Antunes de Oliveira para Armando D’Elia Neto, dizem textualmente “Muita granaaaaaa” e “Não esquece de falar dos bancos com o Mr”. A prova cabal de que “Mr” é Walney Fehlberg, de acordo com a investigação, está em um caderno de capa verde e marca d’água da DCS, apreendido na empresa Conexão Sul, de propriedade de Davi Antunes de Oliveira. Em uma das páginas, a sigla surge ao lado do número nº 78153875- 80271 – o mesmo de um aparelho de rádio Nextel comprovadamente usado por Walney Fehlberg em ligações interceptadas pelo Ministério Público.

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Anotação manuscrita em caderno da Conexão Sul mostra codinome "Mr" ao lado de número Nextel utilizado por Walney Fehlberg em conversas com Davi Antunes de Oliveira | Foto: Reprodução

Walney usou nomes falsos para tentar despistar Polícia Federal

Assim que os integrantes da quadrilha perceberam a extensão das investigações, ficou clara a preocupação com a possibilidade de prisão. Duas ligações de Walney, realizadas no dia 2 de setembro de 2010, são citadas pelo Ministério Público como indicativos não apenas de que Walney mantinha contato frequente com integrantes do esquema, como também do conhecimento a respeito dos valores em dinheiro que Armando D’Elia Neto e Davi Antunes de Oliveira mantinham consigo. Na ligação para o diretor da DCS, Walney refere-se a Armando como “presidente” — o que, na visão dos investigadores, é um subterfúgio para despistar o MP e dar a entender que a conversa era com o presidente do Banrisul à época, Mateus Bandeira:

ARMANDO — Alô?
WALNEY — Ó, presidente, tudo bem?
ARMANDO — Tudo bem. Como é que tá?
WALNEY — Como eu estava lhe dizendo: entraram aqui na minha casa, tá? Buscando os documentos do banco. E ai pegaram um dinheiro que eu tinha aqui guardado e tal, e tão indo lá no marketing (do Banrisul) com uma ordem de…
ARMANDO — Tá, entraram também aqui na minha.
WALNEY — Bah, e a empresa ?
ARMANDO — Também, também entraram na empresa, entraram em tudo, empresa também…
WALNEY — Bah, então tá… Bom, o senhor peça para a Dra. Suzana então, que eu vou precisar de um advogado.
(…)
ARMANDO — Nos falamos, então.
WALNEY — Aqueles documentos que estão lá na caixa para o tribunal de contas, tem que entregar, entendeu?
ARMANDO — Sim, sim, sim.
WALNEY — Então tá!
ARMANDO — Falamos, então.

Em conversa imediatamente posterior, tanto Walney Fehlberg quanto Davi Antunes de Oliveira usam nomes falsos, aparentemente para despistar os agentes da Polícia Federal que faziam busca nas residências de ambos. Na escuta, é especialmente chamativo o pedido de Walney para que Davi auxiliasse no pagamento de um advogado:

WALNEY — Oi, Jorge!
DAVI — Opa, tudo bem?
WALNEY — Quem fala?
DAVI — É o DIEGO! Como é que tá, tudo bem contigo, meu querido?
WALNEY — Ô presidente, tudo bem… Não, presidente, é o seguinte, ó: acharam dinheiro aqui na minha casa, que eu tinha dólares e tal, tá?
DAVI — Hum…
WALNEY — E eu vou ser preso lá.
DAVI — Não, já to sabendo.
WALNEY — Tá.
DAVI — Tá, tô sabendo, já foram em todos os lugares, entendeu?
WALNEY — Aham.
DAVI — Já foram em todos os lugares, as agências todas…
WALNEY — Aham.
DAVI — Entendeu, foram em todas elas.
WALNEY — E aí?
DAVI — E ai que é uma grande operação, né? Estamos com problemas, vai ser grave o troço. Entraram nas agências, pediram todos os documentos das agências… Acharam muita coisa ai?
WALNEY — É, tinha uns dólares, um dinheiro guardado.
DAVI — Muita coisa?
WALNEY — É, mais ou menos… Uns duzentos mil, trezentos, em dólares.
DAVI — Bah, deu. Vamos ter um problema grande realmente.
WALNEY — E tu? E tu?
DAVI — Alô?
WALNEY — E o senhor, tá bem?
DAVI — Não, tudo tranquilo! Foram na minha casa, pegaram os documentos que tinha que pegar, entendeu? Pegaram todos os documentos na minha casa, pegaram tudo, foram nas minhas empresas, foram nas três empresas, entraram em todas elas, pegaram todos os documentos, tudo! Foram na casa do Sanfona (refere-se a Armando) lá, pegaram tudo, tá?
WALNEY — Tá bem.
DAVI — Foram em todos os lugares. Agora os advogados estão em ação… E frieza total, né?
WALNEY — Sim.
DAVI — Agora a questão é ficar gelado e frio, é crucial!
WALNEY — É.
DAVI — Porque o desfecho disso vai ser ruim, não tem jeito.
(…)
DAVI — Então, velho… É só para reiterar que eu sou parceiro, que estamos juntos e Deus nos ajude! E vamos aguentar no peito, venha o que vier, entendeu?
WALNEY — É, tá…
DAVI — Negando… Advogado… Tudo tá feito, não tem problema, isso ai é que tu vai ter que dar explicação. Horrível né, mas sei lá, tá bom?
(…)
WALNEY — Presidente, eu acho que eu vou precisar de advogado, que eu vou estar preso.
DAVI — Tá.
WALNEY — Eu acho que eu vou ser preso.
DAVI — Então o seguinte, eu vou mandar um pra ti ai agora, o nome dele é Cássio… Não, mas eu não sei se pode ser o mesmo, tu acha ruim, não é?
WALNEY — É, é.
DAVI — Vou mandar outro, senão vai dar muita coisinha. Então vamos arrumar outro.
WALNEY — (..) Não, eu tenho um, aquele lá de São Paulo, que é excelente…
DAVI — Tu tem como telefonar para ele?
WALNEY — A minha esposa tem, aham.
DAVI — Então manda ela ligar, qualquer coisa a gente ajuda daqui depois.
WALNEY — Tá bem.
DAVI — Se der uma despesa, tá bom?
WALNEY — Tá bem, obrigado!

Em conversa com presidente: “é dinheiro que eu fui guardando”

Durante a Operação Mercari, o então superintendente de marketing do Banrisul foi detido com altas somas de dinheiro. Em casa, Walney Fehlberg tinha R$ 198 mil em espécie, além de US$ 40 mil. Para os investigadores, a posse de semelhante montante em dinheiro evidencia a intenção de ocultar a origem e a movimentação dos valores, além de ajudar a caracterizar crimes de formação de quadrilha e peculato. Ciente da gravidade das evidências contra ele, Walney Fehlberg ligou para o presidente do Banrisul à época, Mateus Bandeira. O presidente anterior, Fernando Lemos, havia sido há pouco deslocado, por determinação da governadora Yeda Crusius, para o Tribunal de Justiça Militar. O comportamento do superintendente durante a conversa indica, de acordo com a denúncia, que Walney tinha dimensão da gravidade de sua situação:

MATEUS — Mas e o mandado de prisão, é por quê? Tem as razões no mandado de prisão?
WALNEY — Não, eles vieram aqui respeitosamente… Bom, bateram aqui, quebraram minha casa aqui… Eu tinha um, eu tenho um dinheiro que eu ia guardando, e aí agora acharam o dinheiro e tão fazendo o auto de apreensão do dinheiro e eu vou ir preso!
MATEUS — Caralho, cara!
WALNEY — É isso.
MATEUS — Mas isso é dinheiro da tua poupança?
WALNEY — É dinheiro que eu fui guardando, entendeu? Guardando de anos…
(…)
WALNEY — Eu tô encrencado, eu tô encrencado!
MATEUS — Não, fica frio, fica frio, fica tranquilo porque eu vou chamar…
WALNEY — Eu tô tri encrencado, eu tô tri encrencado, presidente!

(voz ao lado de Walney pergunta: “tu precisa de advogado?”)

WALNEY —
Não, ele vai acionar a Dra. Suzana…
MATEUS — Eu vou acionar a Suzana para ver isso aí, tá? Para ver isso ai. Fica tranquilo aí…
WALNEY — A gente deveria ter dado aqueles documentos antes, presidente!
MATEUS — Mas nós estávamos! O que é que tem a ver?
WALNEY — Aí demora e os caras acham que tem coisa!
MATEUS — Mas não pode, o mandado de prisão não pode ter relação com atraso de documentos que não tinha prazo, Walney!
WALNEY —
Pois é… Bom, deve ter uma denúncia, dos cortes dos patrocínios, gera um monte de inimigos, né? Mas sei lá, vamos ver o que vai dar…
MATEUS — Tá bom, vamos ver o que vai dar. Fica frio!
WALNEY — Tá bom, presidente.

Outras gravações obtidas pelo Ministério Público mostram que a prisão de Walney Fehlberg provocou surpresa dentro da própria família do indiciado. A esposa de Walney, Denise, ligou na manhã do dia 2 de setembro do ano passado para o filho Felipe, que atualmente reside nos EUA, para avisá-lo da prisão do pai. O tom dramático da conversa dá a entender que nenhum dos dois tinha conhecimento da origem do dinheiro apreendido pela Polícia Federal:

DENISE — O que houve é o seguinte, veio a Polícia Federal aqui em casa hoje de manhã. Fizeram uma busca e apreensão, acharam cento e tantos mil e não sei quantos dólares e…
FELIPE — (trecho ininteligível)
DENISE — É. Quarenta mil dólares, e aí levaram teu pai. Então?
FELIPE — Não é possível, mãe!
DENISE –– É possível.
FELIPE — Não é possível, não é possível!
DENISE — A mãe… Desculpe, meu amor, mas eu tinha que te contar… Eu tô sozinha em casa, a Carol…
FELIPE — (choro)
DENISE — Meu amor, calma, filho…
FELIPE — Como é que o pai tinha isso?
DENISE — Aí não sei, ele tinha esse dinheiro. Tinha os dólares, era para… A gente foi juntando pra te dar tudo, né, meu amor… Os outros dinheiros, cento e…
FELIPE — E agora, e agora?
DENISE — Não, agora ele foi preso, lacraram o marketing do banco lá. Foram no banco, tinham denuncias, né, filho…
FELIPE — (choro)
DENISE — Querido, calma, meu anjo! Calma, nós temos que ser fortes agora. É, a coisa tá bem preta, eu acho que o teu pai vai ficar bem detido agora… Mas enfim, nós vamos ter que sobreviver agora…
FELIPE — E agora, mãe?
DENISE — Eu não sei, filho. O banco tá providenciando advogado, ele falou com o presidente.

O Sul21 tentou contato com Walney Fehlberg, mas os números do ex-superintendente do Banrisul não estão mais ativos. O advogado de Walney, Marcelo Machado Bertoluci, encontrava-se em viagem para a Serra gaúcha e não atendeu a reportagem até o fechamento da matéria.

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