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9 de maio de 2011
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09:30

Alceu Collares: “Vem aí uma revolução. Mas não há quem lidere as massas”

Por
Sul 21
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Bruno Alencastro/Sul21
Alceu Collares: longa conversa sobre a política e a vida - Foto: Bruno Alencastro/Sul21

Nubia Silveira

Alceu de Deus Collares não tem e nunca teve papas na língua. É daqueles gaúchos que dão um boi para não entrar numa briga. Mas, em compensação, dão uma boiada para não sair dela. Está sempre pronto para um bom papo e uma boa discussão. Não tem medo de nada. Nem da morte. Nasceu negro e pobre em Bagé, a mesma terra do general-presidente Emílio Garrastazu Médici. De tempos em tempos, a cidade sofre os horrores da seca, um fenômeno natural previsível. Os governos, porém, jamais montaram alguma ação preventiva, para evitar o sofrimento da população. Nem o do próprio Collares. Ele reconhece que esta falta de ações se deve à política miúda praticada no Estado e nos municípios.

Ex-vereador, ex-prefeito, ex-deputado federal e ex-governador, Collares sofreu o preconceito de cor até mesmo dentro de seu partido. Trabalhista histórico, começou a vida pública no PTB e segue no PDT. Só deixou os partidos liderados por Getúlio Vargas e Leonel Brizola, quando a ditadura determinou a existência de apenas dois partidos: Arena e MDB. Não teve dúvidas: ficou na oposição emedebista. E sempre brigando por tudo o que acredita.

Aos 83 anos – é de 7 de setembro de 1927 – prepara um documento para apresentar ao PDT. Sonha com a realização de um grande encontro do partido, como o que Brizola realizou em Lisboa. Acredita que só assim, com debates e planejamento, os trabalhistas retornarão ao lugar de destaque que sempre ocuparam no cenário nacional. Sua maior convicção é de que “vem uma revolução por aí”. Mas, diz ele, “as massas não têm quem as saiba dirigir e para onde dirigir”

Na política e na vida, é um intuitivo. Fala, segundo ele, sem pensar. Kardecista, acredita que, como tantos outros oradores brilhantes, é iluminado por um ser inteligente. Qual? Desconhece. Na vida, enfrentou momentos de extrema penúria. Nunca desistiu. Também enfrentou a condenação de uma sociedade conservadora, quando decidiu se separar da primeira esposa, Antônia, e casar com a loira Neuza Canabarro, professora, que foi secretária de Educação de seu governo (1990-1994). Estão juntos há mais tempo do que poderiam imaginar. E ele gosta de falar da família, composta por seus filhos e netos e pelos filhos e netos de Neuza.

Entre suas dores, a maior foi a da perda de um filho, que morreu afogado. Entre as alegrias, está a adoção de uma menina, que criou e orientou com amor. A adoção – alerta – não foi uma substituição, porque não há o que compense a perda de um filho. A filha, que queria ser cantora, está bem-casada e vive feliz no Paraná. Collares, no entanto, ainda se preocupa com os caminhos percorridos pela juventude: “Não tenho a menor noção do que eles pensam. O nosso atraso é monumental”.

A longa conversa (quase três horas) com o ex-governador aconteceu numa noite calorenta de verão. Na mesa, microfones e gravadores disputavam lugar com salgadinhos, docinhos, vinho e água. Ao redor dela, sentaram-se com Collares a equipe do Sul 21 — Felipe Prestes, Igor Natusch, Nubia Silveira e Rachel Duarte -– e três jornalistas convidados: Carla Kunze, Danilo Ucha e Williams Barros. Nenhuma pergunta ficou sem resposta. Alceu de Deus Collares estreia a série de bate-papos, sem hora para terminar, com homens e mulheres que tenham se destacado em suas áreas de atuação. Uma série que o Sul21 começa a publicar neste mês de maio, quando comemora seu primeiro aniversário.

“Com o PTB, Brizola seria presidente da República. É certo”

Danilo Ucha — Vamos começar pela política. A pergunta clássica, comum, óbvia, nesse momento, é: como o senhor está vendo esse início dos governos federal e estadual, que são de um mesmo partido?
Alceu Collares —
Considero que estamos em um momento importante na vida política brasileira. Com fatos que há 10, 20 anos jamais se imaginaria: que se pudesse ter na presidência um operário (Luiz Inácio Lula da Silva), um pau-de-arara, um líder sindical com uma visão, uma sensibilidade, uma capacidade tão extraordinária de enfrentar os problemas mais graves como ele enfrentou. Mas mais incrível ainda é a transferência que ele fez dos votos para a Dilma (Rousseff), e mais incrível ainda é imaginar que a Dilma, que trabalhou conosco aqui (no governo Collares), tenha chegado à Presidência da República. Isso tem que ter algum fundamento, alguma concepção, alguma lógica. E (o filósofo e jornalista espanhol José) Ortega y Gasset nos ensina que o homem é ele e as suas circunstâncias. Aliás, ele fala em espanhol: “soy yo y mi circunstancia”. Então, o homem é ele e as suas circunstâncias. No caso, é a Dilma e as suas circunstâncias. Uma mulher que, na flor de sua juventude, teve a coragem de pegar em armas junto com outro companheiro nosso (Carlos Araújo, ex-marido de Dilma), excelente parlamentar, político da melhor cepa, coerente na defesa das suas ideias. Com coisa de 18 ou 19 anos, ela pega em armas. Quem pegou em armas pode ser ou não criticado, mas não deixa de ter o lado positivo de ter tido a coragem de colocar em risco a própria existência. Eles colocaram em risco a própria existência para tentar restabelecer a liberdade política no país. Depois, com a redemocratização, chega o nosso magnífico, extraordinário e meu irmão Leonel de Moura Brizola, com o PTB. Com o PTB, Brizola seria presidente da República. É certo. Mas, aí deram um jeito. O Golbery (do Couto e Silva, chefe da Casa Civil dos governos Ernesto Geisel e João Figueiredo) e outros. No Tribunal Superior Eleitoral, a sigla PTB (foi dada) para a Ivete Vargas. Mas o Brizola não esmoreceu. Aliás, é bom que vocês conheçam, porque eu tive o prazer de conhecer, um poema que está inserido em um quadro negro, na sede do partido em Brasília, do (Carlos) Drummond de Andrade, com título “Um homem que chorou por três letras” (“Eu vi…”, publicado no Jornal do Brasil de 15 de agosto de 1980).

(Collares chora)

Brizola perde a sigla PTB e chora - Reprodução / Livro Um Brasileiro Chamado Brizola

Era extraordinário o amor que o Brizola tinha pelo que ajudou a construir. Ele ajudou a construir a sigla. E era um enxame de senadores, deputados, empresários, aderindo ao Brizola com a sigla PTB. Nós perdemos a sigla. Houve um esvaziamento total, porque o Brizola sem sigla não era o candidato que eles imaginavam que chegaria com facilidade à Presidência da República. Então, sai ele, na tentativa da sua fé, sua perseverança e sua teimosia (para) construir uma nova sigla. E nós tivemos uma participação muito boa. Conversei com os deputados federais sobre a sigla. Eles imaginavam que o bom para um partido seria uma sigla com uma letra só. Com duas ou no máximo três. Com quatro, nunca.

Williams Barros — O senhor lembra de alguma sigla?
AC —
Vou dizer. O Brizola nos levou para o Rio. Fomos na casa do Cibilis Vianna. Um apartamento abaixo do apartamento onde morava o Brizola. Aí (se reuniram) Darcy Ribeiro, Jerônimo Dias, Fernando Lyra, aquele petebismo todo, trabalhistas, na casa do Cibilis Vianna. E ele (Brizola) pediu escusas, porque se retiraria para fazer uma visita para Dom Paulo Evaristo Arns. Parece que está doente agora né?

"Brizola era um democrata"

Williams — É, agora está doente.
AC —
Nós ficamos lá. E eu levava uma decisão da bancada: no máximo três (letras). Aí o Brizola chega tirando do bolso, e diz assim — ele não perguntou para nós se nós tínhamos chegado a uma conclusão: “O bom da sigla é P, porque a lei obriga; T, porque não podemos deixar de botar trabalhista; N, porque somos nacionalistas, e D, porque Dom Evaristo pediu”. Eu peguei o Darcy Ribeiro e disse: “Darcy repete a sigla”. “Não sei” (disse o Darcy Ribeiro). Eu disse: “o senhor vai defender a sua sigla, PTND, e eu vou defender (a minha)”. Eu defendia PTD. Não PDT. O Brizola falou hora e meia e nós começamos a levantar — Glênio Peres, Marcão (Marcos Klassmann) e outros – placas (com) PTD, que era o que nós queríamos. Brizola cancelou os trabalhos. Ou melhor, mandou continuar. E se reuniu com a cúpula do partido. Quarenta minutos depois voltou e disse: “Vocês me venceram”. Eu sempre conto isso e alguns fatos que vou contar para vocês para mostrar que, apesar da imagem de caudilho, de ditador, de autoritário, de autocrata, o Brizola era um democrata. Quando eu disse pro Darcy Ribeiro repete a sigla do chefe. (Ele disse) “Não me lembro”. Eu disse: “está vendo doutor, não serve”. Ele falou uma hora e meia: “P por isso, T por isso, N por isso e D por isso”. Ele terminou e eu pedi a palavra. Aí, comecei a defender PTD, quando chegou no N — eu estava mais era condenando a sigla dele, estava desmoralizando a matéria que era dele, o objeto — eu chamei o Tim, professor Tim de Brasília (Paulo Tim, professor da Universidade de Brasília), que é um sociólogo, e digo: “Vou dar um aparte para o professor Tim, para ele falar sobre nacionalismo e o que resultou desse nacionalismo, porque o Hitler, o Mussolini, todo o excesso nacionalista sempre resulta em algum processo autoritário, autocrata ou déspota”. E ele diz: “Não pode dar”. Eu digo: “Não, doutor, o senhor sabe por que eu dou? Porque o tempo é meu, a não ser que o senhor me corte a palavra. Se me cortar, eu desço, sou disciplinado, vou me sentar quietinho”. Então, (ele disse) está bem, deu (o tempo); o Tim colocou. Quando chegou na metade do que eles estavam falando — uns 12 minutos — eu vi que eu ia ganhar. Brizola disse: “Vocês me venceram. É PTD mesmo, PTD. Todo mundo lá (cúpula do partido) disse que eu não tinha razão.” Mas quem criou mesmo a sigla foi o Lidovino Fanton. Ele se suicidou, o pobrezinho.

“Apesar da imagem de caudilho, Brizola era um democrata”

Williams– Qual é o nome dele?
AC
— Lidovino Fanton. Acho ainda que tinha resquícios da perda da sigla, porque ele era um italiano muito comedido, muito concentrado no que fazia. E nós perdemos por questão de minutos. Entramos atrasados com o pedido de registro no Tribunal Superior Eleitoral. Então, perdemos a sigla. Mas, quando nós lançamos com PTD em Brasília, porque eu é que era líder da bancada, ele me chamou e disse: “Bota um riscozinho no D e fica PTB. Então, vamos criar a sigla PDT.” Foi ele quem criou a sigla PDT. A sigla não foi o Collares (que criou), não foi o Brizola. As letras PDT têm fonia, têm beleza para a pronúncia. Então, essa é a história que nós contamos do início da redemocratização. E, também, sempre faço questão de contar que o Brizola era democrata. Outra vez que ele demonstrou ser democrata foi com o Lula, em 79, quando ficou (no segundo turno para a Presidência da República) só o Collor e o Lula.

Williams — 89
AC —
89, obrigado. Brizola disse: “Não dá, como nós vamos deixar um homem desses (Lula)? Não vamos botar um homem desses aí (na Presidência da República). O homem não tem nada, não sabe, não é alfabetizado.” E eu: “ele (Brizola) não conhece o cara. Esse aí é trabalhador”. Sabe quem é que foi em defesa do Lula? Eu e o (José Carlos) Brandão Monteiro, um deputado federal, que era do Rio de Janeiro, e morreu já. E fomos em cima dele (Brizola). Ele chegou lá no Riocentro (no Rio de Janeiro) e foi defender a não aprovação do partido pela candidatura do Lula. Mas chegou um momento que comprova como ele era democrata. Ele disse: “Ah, então vocês querem esse rapaz. Vamos fazer essa burguesia engolir esse sapo barbudo”. Estão lembrado? Dali pra diante mostra que ele era democrata.

Williams — Era o segundo turno né?
AC —
Era o segundo turno. No primeiro, ele foi candidato. Ficou (perdeu) por 500 mil votos, que não recebeu em São Paulo. Foi uma tragédia.

Danilo Ucha — Governador, o senhor, que tem uma boa experiência com isso, tanto é que está falando, nos diga: por que o Brizola não foi a São Paulo?
AC —
Ele foi várias vezes. Duas provas de que ele era um grande democrata. Conto, não para me exibir: eu era uma espécie de Sancho Pança dele. Ele Don Quixote e eu, Sancho Pança. Ele era monumental.

Bruno Alencastro/Sul21
"Eu era uma espécie de Sancho Pança de Brizola" - Foto: Bruno Alencastro/Sul21

Ucha — Há muitas pessoas que dizem que o Brizola não conseguiu os votos que necessitava para se eleger presidente da República porque não insistiu com São Paulo.
AC —
Não. Seguinte: esse (sindicalista Luiz Antônio) Medeiros que esta aí, estava no PDT ontem (filiou-se ao PFL, pelo qual foi eleito deputado federal, em 1999). Estava lá no Ministério do Trabalho (era secretário de Relações de Trabalho), dirigia a Força Sindical junto com um cara que foi ministro do Trabalho e era “boleado dos cascos”, meio louco, não me lembro o nome dele. Pedia assim, cachorrinho também é gente. Cadela também é gente. Não me lembro o nome dele.

Williams — Ministro do Collor?
AC —
É.

Williams — (Antônio) Rogério Magri
AC —
O Magri. “Cachorro também é ser humano”.

Williams — Foi flagrado levando o cachorro no veterinário em carro oficial.
AC —
Tem que me ajudar. No debate, na discussão, na oratória, na conferência eu não me perco. Mas, na conversa, de quando em quando, sabe como é que eu faço? Eu me castigo. Vou até o fundo, buscando relembrar, para não deixar avançar… Senão avança. E eu estou com 83 anos e 83 não é brincadeira, puta que pariu.

(risos)

Carla Kunze — 82 né? 83 é só em setembro.
AC —
83, vou fazer 84.

Carla – Qual é o dia do seu nascimento?
AC —
7 de setembro.

Williams — 7 ou 12?
AC —
Sete.

Carla – Em tudo que é lugar está 12.
AC —
Na certidão está 12. Eu tinha um paizinho tão bom, tão amigo, analfabeto pobrezinho, descarregador de carvão, magro, mas era um trabalhador. E ela (a minha mãe) era uma índia maior do que ele. Uma vez eu disse um nome feio para um carreteiro e o carreteiro pegou um pau e me deu uma paulada na mão. Eu tinha oito anos. Aí cheguei chorando e a velha Severina chamou o velho João e disse: “vai lá e mata ele, não pode dar numa criança assim!”. O velho João foi lá e fez acordo com o cara.

(risos)

Carla — Era um político né?
AC —
Acho que sim. Mas deixa eu lembrar São Paulo. Eu era secretário-geral do partido. O Fernando Lyra era uma das lideranças cogitadas para vice, ou foi vice. Foi vice né? (Foi candidato a vice-presidente na chapa de Leonel Brizola, em 1989). E chegamos em São Paulo com esse “Bagre”, Magri.

Ucha – Rogério Magri.
AC —
Rogério Magri. Com o Magri, eles nos encerraram lá em um escritório de advocacia. (E disseram) não dá para ficar aqui, apoiar o Brizola tendo o Adhemar de Barros (Filho) como presidente do PDT. Ele é o empresário mais atrasado do mundo. Como é que nós vamos fazer? Como é que nós vamos chegar aos trabalhadores com ele? Aí o Brizola deu um jeito: o Adhemarzinho saiu. E eles não ficaram. E aí, o Brizola perdeu. Porque o Adhemar arrumava uns 600, 700 negócios por aí, então essa passagem tem que ser reconstruída.

“Era só encontrar argumentos lógicos e o Brizola mudava”

Ucha — Houve também o episódio do impeachment do Collor.
AC –
Os caras-pintadas gritavam “fora Collor”. E o Brizola defendia que não podiam cassar o mandato de um presidente da República. Nós dizíamos que junto com o Collor tinha uma turma de ladrão. Mas, quem (naquele momento) estava no banco dos réus, diante do júri popular brasileiro, chamava-se Collor de Mello, (o candidato) em quem nós não votamos. Não demorou muito, o Brizola se levantou e pediu o voto para que o PDT também acompanhasse a cassação, a aprovação do impeachment de Collor. Então, isso é prova de que, no fundo, aquilo que era aparência de um ditador, de um caudilho, era um democrata. Era só encontrar argumentos lógicos, fortes, capazes de modificar sua forma de pensar que ele mudava. Mudava com facilidade. Três vezes aconteceu isso. E eu como intérprete nas posições contrárias.

Ucha — E o Lula.
AC —
Tem o Lula. (Brizola) vai com o Lula, porque eu e o (ex-deputado José Carlos) Brandão (Monteiro) dissemos assim: “Doutor, ele é um trabalhador. Pode até errar, mas é trabalhador”. E ele ficou meio abalado com o argumento, porque sempre defendeu os trabalhadores. É impressionante o amor que ele tinha pelos trabalhadores. Ele chegou a ser vice do Lula. Acho que foi em 94 (foi candidato a vice na chapa de Lula, em 1998. Perderam as eleições para Fernando Henrique Cardoso). E daí pra diante ele dizia: “Lula é um trabalhador”. Usava nossos argumentos. Dizia: “pode errar, mas é um trabalhador”. Não se imaginava (naquela época) que o Lula pudesse atravessar oito anos na mais extraordinária liderança.

"Não se imaginava que o Lula pudesse atravessar oito anos na mais extraordinária liderança" - Foto: Divulgação

Ucha — Exatamente. O mais impressionante para mim no governo Lula foi a popularidade que ele conseguiu obter. Ponto 2: creio que é um dos únicos exemplos mundiais de transferência total de popularidade. Transferiu tudo para a Dilma.
AC —
Eu conheço o (caso) do Getúlio com o… como é que era o… em 1950… 46, general Lott estava perdendo a eleição. Era Lott né? Henrique Teixeira Lott estava perdendo a eleição e o Getúlio decidiu apoiar e o cara ganhou a eleição. Claro, não era um momento como agora. E era o Getúlio. (Nas eleições de 1945, Getúlio apoiou Eurico Gaspar Dutra, ministro da Guerra durante todo o Estado Novo. Dutra se elegeu presidente. Lott nunca chegou à presidência, apesar de ter concorrido em 1960).

“Dilma é forte na defesa de suas ideias”

Williams — É, era o que eu ia dizer, ninguém imaginaria um novo Getúlio, né?
AC —
Não.

Williams — Imagina, cada país tem o seu Getúlio.
AC —
Transferir votos é uma das formas mais diferentes de se fazer política. Mais difíceis.

Ucha – É. Mais difíceis.
AC —
Mais difícil. Por isso, nós achamos que Ortega y Gasset estava na vida, estava no projeto, da Dilma. Ela foi a nossa secretária da Fazenda (secretária municipal da Fazenda de Porto Alegre, de 1985 a 1988). Quando começaram a falar no nome dela e que diziam que ela era muito braba, eu dizia: ela não é muito braba, ela é muito forte. É muito rigorosa com a defesa de suas ideias.

Williams — Como foi que o senhor conheceu a Dilma? Como começou o seu relacionamento com ela?
AC —
Na redemocratização. Quando criaram a sigla, eles estiveram juntos. Ela e o (Carlos) Araújo (ex-deputado estadual e ex-marido da presidenta Dilma Rousseff) nos ajudaram a construir a nova sigla partidária.

Williams — O PDT.
AC —
Sem dúvida alguma. E a influência era brizolista. Não era collarista. Minha primeira menção para vereador foi a mais difícil, porque eu não era nem um ilustre desconhecido. Era só desconhecido.

(risos)

Eu não tinha nada.

“O mundo não é mais de um líder apenas”

Ucha — Temos uma pergunta meio delicada, que temos de fazer. Com a morte do Brizola o partido, o PDT, caiu muito…
AC–
Caiu.

Ucha — Como é que o senhor vê esse quadro? O senhor acredita que o partido se reerguerá?

Carla — E complementando: quem seria o novo líder do partido?

Ucha — Até diríamos que o partido não tem um líder. O nome mais conhecido é Alceu Collares.

AC — Vocês estão patinando em uma ideia superada. O mundo não é mais de um líder. O mundo não é mais do individualismo, do personalismo, do imediatismo. O mundo vem em golfadas muito fortes de coletivismos, de ideias transformadoras, de uma nova era que está chegando aí.

Houve um fenômeno interessante: o primeiro índio, que se viu obrigado a pensar em uma moeda, levou seu tacape e foi trocar por um bem qualquer feito por outro índio de outra tribo. Quando ele levou seis ele disse: “Nós temos que criar uma moeda, um instrumento que represente esses bens que nós estamos fazendo. E quando nós tivermos 100 para trocar, como nós vamos fazer?” Aí aparece um sistema de trocas, um sistema de permuta.

Bruno Alencastro/Sul21
"Esse mundo da Bolsa de Valores é um mundo de papel" - Foto: Bruno Alencastro/Sul21

Carla — Escambo.

AC – O Câmbio?

Ucha — Es, escambo.
AC —
Escambo. Troca de produtos: gado, ouro, prata, bronze. Só que, com o correr do tempo, o sistema financeiro — digo que é nacional e internacional, especulativo e volátil. Esse mundo da Bolsa de Valores é um mundo de papel, fortunas de trilhões e bilhões de dólares.

Williams — Hoje nem papel é. É uma ideia.
AC —
Tem autores que chamam de a dolorosa, a aclamada invenção do século XX, que é o sistema financeiro que se apropriou inclusive dos sistemas da economia real.

“Ninguém vive sem dívida, daí a razão da mentira do déficit zero”

Carla — Sim, porque o dinheiro nem existe realmente. É uma ideia que está dentro de um banco de dados.

AC– É ficção.

Carla — É uma ficção. Um jogo de poder.
AC —
Agora, não se imaginava que ele fosse desmoronar, que fosse se descontrolar, atingindo os limites do bom senso, dando um prejuízo de 50 bilhões de dólares e levando gente para a cadeia. Mas, de que adianta?

Williams — É, o dinheiro evaporou.
AC –
– O nó górdio está no sistema bancário. O Brizola chegou e caminhava comigo próximo ao Banco do Brasil. Ele dizia: “Collares, as sedes desses bancos parecem boates de tão bonitas; todas cheias de luzes e coisas e nomes. Esses devem estar ganhando muito dinheiro”. Eles passaram a ser os proprietários da economia. Ninguém vive sem dívida, daí a razão da mentira do déficit zero.

Carla — Do déficit zero.

(risos)

AC — Mentira muito cretina. Eu disse em um programa de televisão, a que compareci, que se eu fosse governador e tivesse o Aod Cunha de secretário da Fazenda eu diria: “tu não vai sair. Agora, tu vai me mostrar onde é que eu tenho que gastar, pois não pude gastar até agora. Não pude fazer nada. Tive que economizar. Economizar para dizer para eles que tem o déficit zero. Agora, tu vai ficar comigo para dizer onde é que tenho que gastar. Tenho que começar”. E aquele guri (Aod Cunha) é muito rápido, já quer ir para o colorado agora, já está querendo ser o CEO do colorado (Aod assumiu como CEO do Sport Club Internacional em janeiro de 2011). Tomara que o nosso Fernando — Fernando Carvalho é filho do Marcelo, te lembra do Marcelo?

Carla — Tomara que ele consiga sobreviver lá no Inter sem déficit zero.

Ucha — Voltemos à questão da política partidária. Não é o PDT que perdeu importância e representatividade no país. Todos os partidos perderam.

AC – Muito bem. Deixa eu concluir meu negócio: a avaliação da crise do sistema financeiro não pode ser rápida. É coisa de horas e horas e horas de debates. Tem que ir nas origens, no nascimento do sistema financeiro nacional e internacional, especulativo e volátil, e os males que eles produziram. Eles destruíram as economias reais. Elas não têm como se refazerem. A reconstituição (deve ser) a partir dos Estados Unidos, por uma série fatores, mas principalmente, porque foi dos que gastou mais. Eles gastam desbragadamente.

Williams — Mais do que têm.
AC —
Mais do que têm. Mas o sistema financeiro provoca alguns lucros tão extraordinários. No cartão de crédito, por exemplo, os juros chegam a 235%. No crédito pessoal, no Banco do Brasil e em outros, a 135%. Isso que, quando na agricultura, na pecuária, na indústria, no comércio, em média, o lucro é de 35% ou 40%, eles festejam. Agora, no sistema financeiro, quando é menos, é de 150%, eles (do sistema financeiro) ficam tristes, porque tudo desmoronou.

O sistema financeiro nacional, internacional, especulativo e volátil, se desprendeu do econômico. O sistema financeiro tem vida própria. Vem em grande parte de investimentos em bolsas e tu não sabe se o ativo da empresa corresponde mesmo ao volume de ações que está lá (no mercado) ou se emitiram sem lastro. Em 73 — não me lembro quem era o presidente dos Estados Unidos — foi decidido que não tem que ter lastro ouro nenhum.

“A tragédia do americano são os fundos de pensão”

Williams — Nixon.
AC –
– Nixon. Não tem que ter lastro nenhum. Vai emitindo. Esse Ben Bernanke (presidente do FED, o Banco Central norte-americano), o que ele fez? Quando no auge dessa crise do sistema financeiro nacional e internacional, especulativo e volátil, ele disse: “não tem problema, não se preocupem, porque eu vou lá no banco Federal Reserve e faço a emissão de alguns trilhões de dólares e vou de helicóptero atirar no pátio das empresas, para cobrir os déficits”. Porque não tem lastro. Hoje, o lastro está muito mais na emissão de títulos do tesouro americano. Foram colocados 600 bilhões de dólares — agora, 75 bilhões de dólares mensais — no mercado, para reativá-lo e, principalmente, para a criação de emprego, porque a tragédia do americano são os fundos de pensão.

Os fundos de pensão, como sabemos, são alimentados por contribuições dos trabalhadores. E eram a fonte geradora dos grandes lucros do capital financeiro. Agora, o governo norte-americano coloca 75 bilhões de dólares no mercado por mês, na tentativa de reativar a economia do país. Sem falar das guerras. São 800 bases norte-americanas …

Ucha — Mas isso está fazendo o dólar derreter no mundo todo e aumentando a inflação norte-americana.
AC —
Já derreteu e é exatamente aí que eu vejo a impossibilidade da imprensa de aprofundar o conhecimento sobre isso. Já derreteu. O que salvou mais ou menos o capitalismo, e eu sou capitalista … Vou mostrar, ao longo deste debate aqui, que comunismo e socialismo nunca existiram. Só onde existiu socialismo foi no quilombismo dos negros ou na propriedade dos índios. O socialismo real era uma mentira, era capitalismo de estado puro. Tanto era capitalismo de estado que…

Bruno Alencastro/Sul21
"Só onde existiu socialismo foi no quilombismo dos negros" - Foto: Bruno Alencastro/Sul21

Ucha — Pode ser uma fase, o capitalismo de estado é uma fase.
AC —
Não pode ser. Tanto que a Rússia, entre os 17 países que formavam a chamada União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, era dirigida por gente da KGB. Só da KGB.
Vim aqui para falar profundamente dessa merda toda, quer dizer dessa situação toda.

(risos)

Nubia Silveira — O senhor é contra o palavrão?
AC —
Totalmente; só eu que posso dizer. Eu sou a pobreza em ascensão.

Carla – Li uma entrevista da Neuza Canabarro (mulher de Collares) que achei fantástica. Ela revelou algumas coisas da intimidade de vocês. Aquela coisa de que sou eu quem alcanço o controle remoto para o Collares, o neto reclamou que o avô não faz nada, que é a avó que faz tudo.

AC –– É mesmo?

Carla — Ela contou várias coisas. Também disse que quando alguém lhe pergunta se tem vontade de voltar a participar de um governo, tem a sensação de um dever cumprido. Seguindo nesta linha, pergunto: o senhor tem vontade de voltar a cargos eletivos? O senhor tem a mesma sensação de dever cumprido que tem a sua mulher? Alguma coisa ficou pendente?
AC —
Trabalho com vocês há um monte de tempo. E aprendi com o Brizola: vou seguir o que quero dizer. Para o Brizola, tu perguntavas uma coisa e ele respondia outra.

Carla — Não tem problema. Na sequência, o senhor responde.
AC –
– Quem minimizou a crise financeira? O Estado? Diversos países tiveram de emitir trilhões de dólares para impedir a crise que…

“Quem chega ao poder pela força, nele permanece pela força e dele sai pela força”

Ucha — O senhor acha que esse foi um golpe às ideias liberais?
AC —
Não. O liberalismo — deixa eu te dizer.. Estava o Brizola lá em casa e me diz assim: “Mas Collares, tu que é metido nesses negócios de mandinga, de colocar despacho nas encruzilhadas, vocês foram avisados que ia cair o mudo de Berlim?” Nenhum futurólogo foi capaz de dizer, dois minutos antes: “Olha, vai cair o muro de Berlim”. E caiu, caiu o muro de Berlim. Dissolveu-se, desagregou-se a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Mas caiu o muro de Wall Street. O neoliberalismo foi empedrado, sem cerimônia nenhuma, nenhuma. Tu podes pegar esse fulano de tal aí… esse… daqui era o Roberto de Campos, o Mário Henrique Simonsen. Hoje esse rapaz que escreve aí, e foi ministro também….

Williams – Pérsio Arida? Gustavo Franco? Na sua opinião, já que caiu o socialismo, caiu o neoliberalismo, na sua opinião…
AC —
Não caiu o socialismo. Não houve socialismo. Vocês não ouviram o que eu disse. Provem-me onde houve a propriedade coletiva dos bens de produção. Onde tinha? Tudo ali era capitalismo de Estado. E foi o Brizola quem evitou, mais uma vez, como Don Quixote de La Mancha e o Sancho Pança dele, né? “Não bota no PDT que é partido socialista, porque vocês não sabem o que é um partido socialista, porque vocês não sabem o que é socialismo. Socialismo é propriedade coletiva dos bens de produção. Fora isso não tem socialismo. É uma das mais generosas utopias, das mais belas utopias.” Tanto é que o Marx dizia: “proletários do mundo, uni-vos para a grande revolução”. E pregava o direito da força, querendo dizer que só pela força podia-se chegar ao poder. E quem chega ao poder pela força, nele permanece pela força e dele sai pela força. Não tem saída. O capitalismo tem defeitos? Tem. Milhões de defeitos. Mas tem que ter a contraposição, que é o combate ao monopólio, ao oligopólio, ao cartel e ao dumping. Então, o trabalhismo hoje é a voz corrente, é a ideia mais forte que existe apelando inclusive aos próprios dirigentes das grandes nações para a utilização do Estado num triângulo: Estado, capitalismo e trabalhador.

Ucha — Mas o trabalhismo não está organizado como ideologia.
AC –
– Ele não é uma ideologia. Ele é um movimento. Ideologia é quando tem prevalência de ideias fixadas, definidas para saber objetivos que vais aprender ou vais buscar. O capitalismo não tem. E isso é no mundo todo. Na Inglaterra, cheguei a conhecer municípios socialistas, mas todos bateram com a cola na cerca. Todos bateram. Tinha professores, tudo era pago pelo estado. O que dá certo é Estado, capitalismo e trabalhismo. Com todos os defeitos que se viu até agora, foi só capitalismo. Me dá uma sociedade que tenha sido socialismo.

"Revolução cubana foi uma frustração" - Foto: Reprodução

Williams — E o que o senhor diz do exemplo cubano?
AC —
Foi uma frustração.

Williams — Foi uma tentativa…
AC —
E o mais doloroso.. Deixa eu dizer para vocês.

Nubia – O senhor conhece Cuba?
AC —
Conheço. Mas aí, o socialismo é a mais bela de todas as utopias.

Nubia — Mas o que o senhor dizia sobre governar pela força?
AC —
A força … governar pela força não conduz nunca ao êxito. Eu tenho um poema que eu vou declamar agora, porque vocês me convidaram. Tem um monte de comida aí.

(risos)

“Dar a cada um o que necessita é uma belíssima de uma utopia”

Nubia — A cubana foi realmente uma revolução para acabar com uma ditadura …
AC —
Deixa eu só dizer. A URSS e o muro de Berlim foram as mais belas de todas as utopias. Dar a cada um o que necessita e a cada um segundo a sua capacidade de produção é, sem dúvida, uma belíssima de uma utopia. E ele tomou o mundo todo. A guerra fria foi o que salvou, salvou o americano, a economia americana, que agora deu com os burros n’água…

Ucha — …e manteve a União Soviética por mais tempo.
AC —
E manteve a União Soviética por mais tempo. Não teve ainda a experiência de socialismo, propriedade coletiva dos bens de produção. Deixa eu dar um dado, nós estamos preparando…

Felipe Prestes — …e o poema?
AC –
– Vem depois. Vocês não têm a menor noção do tempo que eu vou passar aqui.

(risadas)

“A humanidade não vive sem utopia, sem sonho, sem aquilo que o pobre fala: esperança, esperança”

Nubia — Mas se essa utopia morreu. Qual é a nossa próxima utopia?
AC —
Se eu tivesse uma resposta tão fácil assim, eu não estaria com vocês. Eu estaria lá em Harvard, me formando em outra merda qualquer. Menos aqui, menos com vocês, com quem estou vivenciando um momento rico da minha existência. Eu tenho por ele, pelo Danilo Ucha, uma enorme admiração, e se ele está aqui é porque aqui tem gente boa. Porque se não vai é porque não tem gente boa. Ele não é burro. Bom, deixa eu só dizer o seguinte: essa travessia empolgou a juventude no mundo, porque a juventude traz na alma a utopia de um Estado que possa produzir justiça, bem-estar, qualidade de vida para todos, e não para alguns, como é o capitalismo com seus defeitos. Então, essa utopia — tem um guri aí, no Uruguai, Eduardo Galeano, que escreveu “Veias abertas da América Latina”. Ele fala sobre utopia, a utopia fica a dez quilômetros, eu caminho rumo à utopia, vou indo, vou indo e chego lá perto, e ela está mais longe ainda. Aí eu vou numa nova caminhada em busca da utopia, e chego lá e ela está muito mais longe ainda. Afinal para quê serve a utopia? Pra isso: para que não se deixe de caminhar. Acho isso uma maravilha. A humanidade não vive sem utopia, sem sonho, sem aquilo que o pobre fala: esperança, esperança. É o que o velho João dizia para mim, quando não tinha comida, a velha Severina dizia “meu filho hoje não tem comida, amanhã vai ter”, “mãe mas eu estou com fome é hoje”. Sabe o que nós fazíamos? Nós fazíamos uma visita pra um vizinho que era carroceiro e fazia sopa com restos dos animais que a charqueada não aproveitava. Uma sopa grande. E nós íamos pra lá. Mas deixa eu dizer: eu acho que eu não conseguiria um grupo de pessoas que tivesse a coragem de me ouvir o tempo que nós estamos falando. Porque rádio e televisão não permitem isso, e você não encontra com quem debater. Não encontra. Nós estamos muito apequenados no campo das ideias. Então, deixa eu te dizer o seguinte: vem uma nova era, e esse Lula foi o homem que atravessou um deserto num momento de crises. E a carta? A carta aos brasileiros (texto divulgado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em São Paulo, em 22 de junho de 2002, na qual afirmava que caso o PT vencesse as eleições presidenciais, respeitaria os contratos nacionais e internacionais). Ele teve que fazer a coisa, senão não assumia. A onda — 800 mil empresários vão deixar o Brasil — e aquela coisa toda. Só que ele foi muito mais inteligente que as elites, do que as oligarquias. Ele pegou o Sarney pra ele. Se a oligarquia podia ter o Sarney trabalhando por eles, ele também pegou pra ele. E ele é o pai dos ricos mas foi a mãe dos pobres. Nunca vi quem falou tanto em pobre e fez tanto pelo pobre em tão pouco tempo como o Lula. Deixa eu te dizer outra coisa: em Mato Grosso, acompanhando o encerramento da campanha — ele e a Dilma — e eu fui a convite do partido, eu a Neuza, e fiquei lá fora, um pouco com eles. No comício (disseram) “não, o senhor tem que estar lá”. Eu fui lá pro meio da gente. Daí a um pouco o Lula, que me acompanhou, ou melhor, que eu acompanho desde a ditadura. Estivemos desde 74, 75, sempre juntos. Bom, daí a um pouco o Lula diz assim: “Collares”, eu botei a cabeça no ombro dele e ele disse assim: “Collares, que pena que o Brizola, o (Miguel) Arraes, o (Luiz Carlos) Prestes, o (Francisco) Julião não estão aqui para ver o que foi feito no país”. E aí é que entra o poema. Na vez que o Lula esteve aqui, antes da candidatura do Tarso, o partido quis me botar pra rua porque eu apoiei o Tarso e apoiei a Dilma. Esta é outra história muito dolorosa, muito dolorosa…

Bruno Alencastro/Sul21
"Nunca vi quem falou tanto em pobre e fez tanto pelo pobre em tão pouco tempo como o Lula" - Foto: Bruno Alencastro/Sul21

Williams — Aliás tinha que falar sobre isso também.
AC —
Muito dolorosa, muito dolorosa. Eu quem criei o partido junto com o Brizola e o outro… Bom, já sei o que ia dizer, que na hora de falar à mesa, estava logo atrás, e o Lula disse assim: “fala tu colega”, e eu disse “não, não vou falar”, “eu sou professor de oratória, a primeira aula que se dá é que não se pode perder nenhuma oportunidade pra falar”.

Nubia — Mas o senhor diz que é passado pela idade ou o senhor é passado porque…
AC–
Até nisso que você está pensando também…

(gargalhadas)

Se é que tu estás pensando.

(gargalhadas)

A Neuza me cuida e eu digo: “por causa da pensão é que tu me cuida”. E ela fica tão braba. “Tu te lembra de 82, quando comecei a andar contigo e tu não tinha dinheiro pra pagar os motéis?” Nós fomos tanto a motéis que o programa de governo do município nós fizemos numa noite dentro de um motel.

Nubia – É mesmo? Como é que começou a história desse amor?
AC —
Foi o amor.

Nubia – Como é que começou?
AC —
Nós estávamos no partido para o lançamento da candidatura para prefeito municipal. O Glênio (Peres, fundador do PDT e ex-vice-prefeito de Porto Alegre), o (Aluizio) Paraguassu (ex-deputado estadual e federal), o Marcão (Marcos Klassman), eu e outros, mas eu não tinha pretensão de ser candidato a prefeito. Mas eu cheguei ali e comecei a fazer discurso e o pessoal foi entendendo. Foi ali que eu conheci a Neuza.

Nubia — Foi amor à primeira vista?
AC —
Quando atinge o coração. Bah! Bom, deixa eu dizer porque eu me elegi: porque eu cheguei de Bagé e fui para o Floresta Aurora, para o Marcílio Dias, para os Democratas.

Danilo Ucha — Isso foi em 66 né?
AC –
66.

Danilo Ucha — Eu fiz a cobertura.
AC —
Trevo de Ouro, eu escrevi o poema.

“O ideal é o aventureirismo, aquele de não ter medo”

Carla — E o romance com a Neuza?
AC –
Nós nos conhecemos numa assembleia. Saímos e ela dizia que era isso, que era aquilo. Eu dizia que era mais. Ela morava aqui nessa…Partenon, Partenon não, esse, ali (para e pensa)… na Getúlio Vargas, lá embaixo …

Pedro Revillion/CMPA
Sobre Neuza Canabarro; "Nós nos conhecemos numa assembleia" - Foto: Pedro Revillion/CMPA

Carla — Menino Deus.
AC — Menino Deus. E uma noite nós tomamos tanto e ficamos na frente da casa dela. E, no outro dia, eu na direção e ela do outro lado, dormindo. Chegou um (guarda. Imita a batida na janela): “Collares, aqui não é lugar de dormir, Collares, vai dormir em casa”. Eu sou aventureiro, quer dizer, acho que eu era né…

Carla — Era?

(risos)

AC — Mas a vida é assim, se tu não levares a sério as coisas lindas que ela te oferece… E o ideal é o aventureirismo, aquele de não ter medo. Eu não tenho medo que me tirem a pensão (de ex-governador). Se me tirarem eu vou beber até aquilo que eu não tenho. Só que eles não sabem quanto tempo eu levei para chegar ao governo. Quantas lágrimas, quanto sangue, quanta dor eu passei pra chegar. Qualquer um pode ser candidato a governador, mas só poucos são os escolhidos. Mas deixa eu voltar ao nosso…

Nubia – O senhor vai contar sobre os outros amores que teve?
AC —
Tive gente que são teus amigos.

Ucha — Ai ai ai ai.

Carla — A Neuza não é ciumenta?
AC —
Quem não tem ciúme não ama. Quem não tem ciúme é um vagabundo. Nunca amou. Nunca amou. Nunca amou. O amor é ciúme em cima de ciúme. Lembra o nosso Lupi (Lupicínio Rodrigues, compositor e cantor gaúcho).

“O voto é tua única arma, põe o teu voto na mão”

AC — A velha Severina sabe o que ela dizia? “Não bebe meu filho, não bebe.” Minha maior paixão era me amigar com a dona da minha pensão. Gigolô de domingo. Mas a minha frequência era muito baixa. Eram coisas assim muito difíceis. Tanto que eu fiz um poema “na baixada do Candoca tem visita e as putas do Candoca são perepepe perepepe”. Mas aí, em 77, no Teatro Casa Grande (Rio de Janeiro), lá estavam o Tancredo (Neves), o Ulysses Guimarães, o Chico Buarque, a Maria da Conceição Tavares e o Lula. Eu era deputado federal. Fiz um poema: “O voto e o pão”. estribilho diz assim:
“O voto é tua única arma.
Põe o teu voto na mão.
O voto é tua única arma.
Põe o teu voto na mão.
O voto é tua única arma.
Põe o teu voto na mão.”



AC —
Não sou poeta. Sou um esforçado. Mas adoro poesia. Um grande poeta hoje aí é esse guri, o (Luiz) Coronel. Só que é uma poesia muito sofisticada, muito trabalhada. Ele é conterrâneo meu e tinha um tio dele, Jaime Coronel, que ficava na praça, em frente da casa dele, bem perto da igreja católica. Uma noite, ele estava na janela — era verão — e chegou um negrão, cabeça grande, era Cabeça de Ovelha o nome do negrão. E disse “doutor Djalma morreu a minha mãe”. E ele pegou o dinheiro e deu para o enterro. No sábado, um dia depois, o negrão vinha requebrando num bloco de sujos e o guri chamou o tio: “Vem ver, vem ver o negrão sem-vergonha”. E ele disse: “Que bom! Não morreu a mãezinha dele”. Outro dava um esporro, dava pau, né? “Que bom, não morreu a mãezinha dele”. Então, a poesia é uma das coisas belíssimas.

AC — Bom, mas já declamei o poema que eu ia declamar, e esse poema eu declamei no meio de uma massa. Foi uma loucura. Vocês não vão me deixar na mão, vocês vão fazer o estribilho comigo, vocês são o coro.

Vocês como coral não iam ganhar o pão de cada dia.

Vocês vão me ter sempre assim, porque eu amo a vida.

Carla – O senhor foi o primeiro governador eleito depois da ditadura.
AC –
Primeiro negro eleito. E negro assumido.

Carla – E com toda esta popularidade.
AC –
Sabe o que a Neuza diz? Ela diz assim: “Tu não é negro verdadeiro, negro autêntico. Negro autêntico é preto. Tem a canela fina. Meu avô, que era dono da fazenda não sei o quê, tinha um negão, João, com dentes bem branquinhos e a canela bem fininha. Negão como tu não gosta de trabalhar”. Eu digo “não gosto mesmo. Tu é quem vai trabalhar pra mim. Até telefone tu vai atender”.

“A política é como um jogo de pôquer: tu entras com uma enorme quantidade de fichas e daí tu bota tudo fora”

Nubia – Imagino que na sua vida o senhor tenha sofrido preconceito, principalmente de cor.
AC —
Até no partido.

Nubia — O senhor pode nos contar como é que foi?
AC —
Sabe como é que eu dizia pra eles? “Vocês não gostam de negros. Eu estou me preparando. Nesta estrada imensa, deserta e nua, eu vou passar e vocês vão ficar à beira dela, absorvendo o pó das minhas sandálias”. É da Bíblia, esse “pó das minhas sandálias”. Eu perdi, em 82, a eleição pra governador, porque o Brizola pediu insistentemente: “Vai tu Collares. Fizeste 120 mil votos em 78. Tu é um grande líder; tu tem que ir; tu é negro, abre esse teu verbo aí”. Eu digo: “Mas Brizola, não tem nem um diretor, não adianta, nós vamos perder. E eu só tenho o salário de deputado. Não tenho mulher rica como tu.” Ele disse: “Vai”. E eu disse: “Não precisa dizer de novo. Eu já estou na história”. Fiz 800 mil votos, porque a política é como um jogo de pôquer: tu entras com uma enorme quantidade de fichas e daí tu bota tudo fora daqui a pouco; perde e fica sem nada. Eu perdi várias vezes e ganhei várias vezes. Mas, quando eu perco, é como se nada tivesse acontecido. Agora, em 2006, fui candidato, sabe por quê? Pra evitar que o (Moacir) Volpato tomasse conta do partido. Um grande empresário de Lagoa Vermelha, Volpato queria tomar conta do partido para acertar as dívidas dele nos bancos, porque como candidato, ele ia ….

Ucha — Como o senhor está vendo a situação política-partidária?
AC —
Eu acho que os partidos do mundo inteiro estão sofrendo uma fragilização muito forte. Todos perderam aquilo que era uma concepção que devia ter no partido: deve se manter sempre em cima de um programa de ideias, de concepções e de fundamentos.

Felipe — E no Brasil aconteceu a mesma coisa?
AC —
Até o Partido Comunista. Não funcionam mais em torno de ideias. São imediatistas. E digamos assim: ideologicistas. É incrível. O PMDB é uma confederação nacional de interesses regionais. Não é um partido. O único que ainda tem (ideias, fundamento), porque tem um passado, tem uma luta, tem uma história e tem nomes é o nosso PDT. Mas, também, está vivendo uma hora muito ruim, muito ruim… Deixa eu te dizer que aquele Tavares, que apoiou Serra, um cara de esquerda apoiando Serra.

Williams — Flavio Tavares

Nubia – Eles são muito amigos, desde o exílio.

AC – Mas tu não mistura amigo com ideologia.

Nubia — Às vezes acontece…
AC –
– Entre um homem e uma mulher pode ser que cedam a um amor, que é uma força vigorosa, que faz uma revolução na alma da gente. Nunca disse uma coisa tão bonita. Agora é que eu mesmo me admiro.

(risadas)

Mas eu estava contando da minha mãe e esqueci. (Ela dizia:) “Não bebe meu filho, não bebe.” Eu digo: “Mãe, a senhora sabe que eu não bebo, o que a senhora está enchendo o saco?”. E ela: “É que cu de bêbado não tem dono meu filho.”

(risadas)

“Tem que ter partido com ideias, com programas, com ética”

Danilo Ucha — Mas o que o senhor acha das perspectivas políticas?
AC —
Vão ter que fazer reformulações muito profundas nas respectivas escrituras, inclusive o Partido Comunista. E agora o que cresceu mais foi o PSB. Mas quem tem que fazer mais, porque tem patrimônio, porque tem um enorme, exuberante e extraordinário patrimônio ideológico é o PDT. Nenhum partido teve Getúlio (Vargas), Jango (João Goulart), (Alberto) Pasqualini, (Leonel) Brizola.

Ucha – Tá. E cadê os Getúlio, Jangos, Pasqualinis e Brizolas da atualidade?

Carla — O partido está construindo novas lideranças?
AC —
É lógico que não deve ser só eu. Mas eu não me preocupo em caminhar sozinho. Tem até um ditado popular: “Antes sozinho do que mal acompanhado”. Mas estou escrevendo (um documento) pra mandar pra todo mundo. Vamos fazer um grande encontro, daqueles que o Brizola gostava de fazer como fez, em Lisboa, pra produzir um documento. Tem que ter partido com ideias, com fundamentos, com concepções, com programas, com ética. Eu acho que o nosso tem ao menos um, que os outros tudo estão é pior do que nós. Consolo pela merda, né? Só que ninguém pode substituir a função do partido como captador da confiança popular, da opinião pública junto aos eleitores. Só os partidos podem fazer. Os outros intermediários — os sindicatos e todos os outros — não conseguem realizar a tarefa extraordinária e hercúlea que é a de conceber programas capazes de estimular o eleitor a votar. Tem que vir o voto distrital e misto.

Bruno Alencastro/Sul21
"Ninguém pode substituir a função do partido como captador da confiança popular" - Foto: Bruno Alencastro/Sul21

Williams — O senhor é a favor do voto distrital misto?
AC —
Sou. Já escrevi um monte de coisas sobre isso. Tô meio só. Mas não tenho nenhuma preocupação. Tenho absoluta convicção de que as ideias que estou colocando no papel vão ter que se encontrar com a realidade. Primeiro a revolução, essa revolução.

Williams — Do voto?
AC–
Não. A revolução francesa. Liberdade, igualdade e fraternidade. Os burgueses tinham poder econômico e não tinham poder político; a monarquia é que tinha o poder político. Então eles queriam tirar da monarquia o poder político para associá-lo ao econômico. E eles imaginaram que com a democracia … porque foram eles que defenderam a democracia. A burguesia, as classes dominantes, as elites, porque o povo não cheirava nessa época. Bom, vem a democracia. E tem um fundamento da democracia que é um homem, um voto.

Eu fui o primeiro governador de estado a entrar com Ação Direta de Inconstitucionalidade quanto à desproporcionalidade da representação parlamentar. Um voto de Roraima vale 35 do Rio Grande. E mais do que isso: o safado do coronel Golbery (general Golbery do Couto e Silva, chefe da Casa Civil nos governos de Orlando Geisel e João Figueiredo) perdeu uma eleição. A única eleição majoritária que tinha na ditadura era pro senado. E o MDB fez 16 senadores, e aquele louco do Sebastião Nery escreveu “As 16 derrotas que abalaram a ditadura”. Um belíssimo de um livro.

“O que tem hoje no Congresso é uma barbaridade”

Williams – As 16 derrotas que abalaram o Brasil.
AC —
O Brasil, o Brasil. Mas, então, veja bem, ele (Golbery) não satisfeito, criou a figura do senador biônico, e partiu para a constituição de estados. Havia seis territórios no norte, no nordeste, no centro-oeste. Como território não tinha direito a representação no Senado da República. Só a dois deputados federais na Câmara. E ele mudou de dois para oito e transformou os territórios em estados. Cada um com direito a três senadores. O que tem hoje no Congresso é uma barbaridade. O norte e o nordeste, onde tem menor população, menos desenvolvimento econômico, maior atraso, menos pesquisa, menos tudo, têm 60 senadores. Sul e Sudeste tem só 21. Por isso que está aquela gandaia lá. Eu tinha vergonha de andar nos corredores. Eu me lembro que com o Fernando Henrique (Cardoso, na presidência), encontrei com dois senadores, dois deputados, conversando. E um diz assim: “Quanto é que tu ganhaste pra votar a emenda aí, pra dar mais um mandato pro Fernando Henrique?” “Trezentos”, respondeu o outro. “Então vou pedir mais cem”, disse o cara, “porque me deram só duzentos”. Então isso não pode continuar. Tem que haver reforma com financiamento público….

Williams — O senhor citaria nome de alguém que tenha admitido ter recebido dinheiro?
AC –
Não. E, se eu soubesse, eu não diria.

Williams — Por isso eu perguntei se o senhor diria.

Nubia — Mas não é um pouco de preconceito falar do Norte e Nordeste?
AC —
Não. Não, nós estamos falando na corrupção, estamos falando de candidatos, de política de coronelismo, coronelismo… Estão aí o (José) Sarney, o (Fernando) Collor, o (Renan) Calheiros, o Jader Barbalho. Todos esses sempre trabalharam com as elites, passaram a trabalhar com o Lula, porque ele deu também (espaço para as elites).

Felipe — Mas o mito de que o político gaúcho é todo honesto caiu né?
AC —
Não sei. Menos eu. Não. Aqui pode ter corrupção, mas não em quantidade. Me aponta corrupção aqui.

Felipe — Esse escândalo do DETRAN, por exemplo.
AC —
É verdade, é verdade. Tem que matar a cobra e matar o pau. O pau em sentido figurado, né.

Ucha — Mas já que o senhor falou em corrupção… Ela não se espalhou por todos os níveis políticos e administrativos? A questão da Funasa, por exemplo.
AC –
Desmoronou tudo. Os princípios desmoronaram. Não se fala mais em fundamentos e princípios. Eles diziam (quando eu era deputado federal): “Tu é um negão louco. Tu vai ficar falando sozinho nos corredores (da Câmara). Teu idealismo é inconcebível”. Mas como é que pra mim nunca ofereceram (propina)? Será que eu tenho a cara feia? Fui prefeito, fui deputado, governador. Não vou dizer que eu tenha recusado. Não me ofereceram. Consequentemente, não posso dizer que eu sou honesto.

Williams — Mas não é burro né?
AC —
Não tive oportunidade. Agora, botam um montão de dólar. Não sei se eu não tremia na perna.

Williams — Na ocasião do plano diretor, houve um rumor na Câmara Municipal de Porto Alegre sobre uma tal de mala preta. O senhor tem conhecimento desta …
AC —
Câmara de Vereadores?

Williams – É. Na Câmara. No período em que o senhor era prefeito, que estavam discutindo o plano diretor.
AC –
– Não. Eu vou colocar mais. Quando eu estava no governo do estado, o PT fez uma CPI da propina que era …

Williams — …era uma pergunta…
AC —
…e usou a pobre da Neuza como bode expiatório.

Bruno Alencastro/Sul21
"Nós pegamos aqui um touro novinho com guampas quase reluzente" - Foto: Bruno Alencastro/Sul21

Ucha — Como é que o senhor assimilou todo aquele trabalho que o PT fez com a CPI da propina?
AC —
Um partido carente de concepções fundamentadas e em inconformismo com o líder popular que nos governava. Não podia imaginar um negro, líder popular de um outro partido, que não fosse o dele. E nós pegamos aqui um touro novinho com guampas quase reluzentes — o CPERS e o PT . Eram os dois mais radicais do Brasil. Vem de manhã o (deputado) João Luiz Vargas na Casa Civil, lá na residência, diz: “Estão pegando assinaturas pra fazer uma CPI da propina”. Eu disse: “Vai lá e assina em primeiro lugar”. Pergunta pro João Luiz. A CPI é um instrumento de tal eficácia que pode me ajudar a descobrir se um ou outro de vocês aí não está fazendo corrupção. (João Luiz Vargas) assinou em primeiro lugar. O partido assinou em primeiro lugar. Primeira vez na história das CPIs (que isso aconteceu). Claro que eu sabia que eles iam transformar aquilo num palanque. E transformaram. Foi uma sujeira. Hoje, tem gente deles (do PT), dizendo que se arrependem de ter feito o que fizeram.

Felipe — E o PDT acabou fazendo a mesma coisa no governo Olívio. Coletaram assinaturas, abriram CPIs. O Vieira da Cunha.
AC –
Acho que ele exagerou também.

Felipe — Foi talvez um resquício, um rancor dessa época?
AC –
Não. Não foi, porque ele não tem isso. Principalmente comigo.

“Qualquer um pode ser candidato a governador, mas não é qualquer um que se elege”

Danilo Ucha — Mas foi ele ou o partido foi junto?
AC —
O partido foi junto. E fizeram 41 itens, integrando ou condenando o Olívio. Depois foi lá para o Ministério Público. Os caras disseram: “Não tem nada para fazer”. Não tinha nada pra fazer. Não tinha nada mesmo. Não é porque era o PT. É que não tinha nada. Eu digo: “Mas tchê, por que tu não recorresse?” A resposta: “Não, é gente da gente”. Então tu convives em outro mundo. Não era meu mundo; não é o meu mundo esse daí. O mundo da indecência não. Como é que tu bota um pobre de um infeliz… Porque o Olívio é uma figura boa, pura. De vez em quando, ele ainda está comendo e mete o dedo no nariz.

"O Olívio é uma figura boa, pura" - Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Felipe — E, principalmente, só almoça onde aceita tíquete, né?
AC —
Hein?

Felipe — Só almoça onde aceita tíquete. É econômico.
AC —
O Olívio… Ele disse: “É uma besteira agora ver esse negócio aí de pagamento da pensão (dos ex-governadores)”. Ninguém sabe, e eu resumo o seguinte: numa candidatura de governador, qualquer um pode ser, mas qualquer um não se elege. Tem que trazer um fardo, tem que trazer um patrimônio, tem que ter passado por peripécias, como eu passei, ao ponto de sofrer dentro do partido o racismo. Perdi em 82 e os caras diziam assim, (ex-deputado estadual Beno Orlando) Burmann e outros diziam assim: “Esse negro não vale nada; não vai, não pode ser mais candidato”.

Carla — Quem é que criou o bordão “não vote em branco, vote no negrão”, que lhe deu muitos votos. Que virou um bordão popular, mas não sei de onde saiu.
AC:
Eu não fiz isso. Seria racista.

Nubia – E esta discussão sobre as pensões acontece bem na hora em que o senador Pedro Simon solicitou a pensão, dizendo que não tem como pagar suas contas com o que recebe.
AC –
Ele foi … Além de estar num partido… deixa eu só te dar. O Produto Interno Bruto é toda riqueza produzida durante um ano. De 1991 a 1994, o degas aqui, o Alceu de Deus Collares, de Bagé, fez 23,43 (23,43% do PIB). Nem o Brizola fez isso. 23,43. O Jair 14, o Olívio 12, o Simon, o Britto e o Rigotto, 12 anos somados, não chegam a 5,5. Ou eles são muito infelizes, não tiveram condições de fazer um bom governo, que certamente queriam fazer, ou são incompetentes, ou as duas coisas ao mesmo tempo. Pra mim, as duas coisas ao mesmo tempo. Esse rapaz, o Simon, eu vou pra um debate agora…

Williams — …esse rapaz… o Simon.
AC —
É esse rapaz. Ele, primeiro, fez aquela sacanagem com o Brizola. Ele prometeu vir para o partido do Brizola e não veio.

Ucha — Eu estava lá em São Borja, junto com outros dois.
AC –
– O Brizola deu um pau na televisão. Disse: “Mas o senhor prometeu, senador, o senhor me disse até que se eu chegasse aqui, no Brasil, e conseguisse a redemocratização, se houvesse, o senhor vinha aqui para o Rio Grande. Eu quero lhe dar o partido, a liderança, tudo, como é que o senhor não quer?”. Ele se deixou levar pelo argumento do Ulysses Guimarães. Um senador.

Bruno Alencastro/Sul21
"O Simon fez aquela sacanagem com o Brizola" - Foto: Bruno Alencastro/Sul21

Felipe — O senhor sofreu racismo, num estado tido como europeu. E, talvez, o senhor seja o único negro eleito democraticamente para governar um estado.
AC —
O único.

Felipe — Como é que isso aconteceu no Rio Grande do Sul e não na Bahia, por exemplo?

Williams — Vitor Buarque não era…
AC —
Não, Vitor não era negrão. Vitor era um branco que nem tu, sem muitas definições, mas era um branco.

Williams — Eu sou meio a meio.
AC —
Eu sei. Por isso que estou te dizendo. Negro branco, negro branco não tem o cabelo que tu tem.

Felipe — Mas por que isso foi ocorrer no Rio Grande do Sul? Por que o Rio Grande do Sul foi o primeiro estado…
AC –
– Mas eu disse pra vocês que eu cheguei aqui…

Carla — Mas não tinha um vereador negro
AC —
Estou falando de governador.

Ucha – Teve o Carlos Santos (ex-deputado estadual, presidente da Assembleia Legislativa).
AC —
Ele foi o primeiro governador, mas na condição de substituto. Li num trabalho teu. Foi na condição de substituto. Ele era um monumento, né? Ele morava ali perto do Pronto Socorro. Eu gostava demais, porque eu tentava ser orador que nem ele. Ah! Era um monumento.

Nubia – Ele nunca quis ser candidato a governador?
AC —
Nunca foi.

Ucha — Não houve a conjunção, né?
AC —
Não, as circunstâncias.

Nubia — Que tipo de campanha o senhor fez para se eleger governador?
AC –
– Mas deixa eu te dizer: eu contei no início, eu cheguei de Bagé e fui pro movimento dos negros. Por que lá em Bagé.

Nubia – Sim, mas e a sua campanha?
AC —
Não atalha, a correnteza está forte.

(risos)

AC — Mas eu fui fazendo aos pouquinhos, um pouquinho aqui, um pouquinho ali, um pouquinho aqui. Fui advogado dessas organizações, escrevi aquele tema-enredo né, cujo poema declamei. Então quando fui candidato eu não precisei apelar para movimento nenhum.

Ucha – Já era um deputado votadíssimo.
AC –
– E escolhido por vocês como um dos maiores deputados do Brasil. Eu era advogado. Eu tirei na loteria federal. Em 1966, fui candidato para federal, dois anos de vereador e a pretensão, eu queria ser federal, não queria ser estadual, nunca passei pela Assembleia.

“O Brossard fazia uma mise-en-scène. Ficava um mês inteiro preparando o discurso”

Williams — Por quê? Foi direto?
AC –
– Porque eu era funcionário público federal. Talvez por isso. Não sei dizer direito, não sei dizer. Sei que fui… e fiquei… Perdi uma eleição, que vou dizer pra vocês, esse Simon trouxe, tu te lembras, trouxe o Paulo Brossard que não queria vir para o PMDB. Ele era do PL. E concorreu, uma vez, por uma legenda única, a única vez que abriram legenda para as proporcionais. Tinha Arena 1, Arena 2, e aqui tinha MDB 1 e MDB 2. No MDB 2 foi só o Paulo Brossard. E no final, enorme atenção que chamava, não era os que tinham tirado o primeiro lugar, era eu e o Brizola em último lugar. Ele fazia 200, eu fazia 200, ele ia pra frente, eu ia pra frente.

Bom aí o Paulo Brossard concorre, fez 18.900, eu fiz 18.600 votos. Mas era um negócio assim fantástico. Bom, quando o Tribunal se reuniu para reconhecer os eleitos, foram três professores de direito constitucional da UFRGS e da PUCRS, inimigos do Paulo Brossard, dizendo que ele, em uma sublegenda, para ter direito a uma cadeira, tinha que fazer o coeficiente eleitoral, porque era um partido. E ele contou com os restos da sigla 1, do MDB 1, que eram meus, e não dele. Sabe o que eu disse pra ele? “Olha, eu não me meto. Sou jovem. O que interessa agora é quem é a favor da ditadura ou contra a ditadura”. E ele estava na legenda que era contra a ditadura. Não vou me meter nisso; não, não quis. E teria feito uma jogada suja, pobre, sem grandeza, sem dignidade nenhuma. Não mandei a procuração pra ele. Mas o senhor é que é o deputado, digo, se eu não fiz mais votos contra a ditadura é porque o povo quer que ele vá pra lá. Bom, na próxima eleição eu fiz 75 mil votos. Mas, essa de 66 eu perdi a eleição e fiquei numa merda federal. Matando cachorro a grito.

Williams — Era candidato a federal?
AC —
Federal.

Williams – Então tinha que ficar numa merda federal.

(risos)

AC — Eu acho que sim. Com a língua portuguesa, tu estás na mesma concordância, federal, federal. Federal, federal. Então veja bem, não quis…

Carla – Gostou. Ainda vai usar isso em poema.
AC —
Já está feito o poema. Federal, federal. Então veja bem, ele foi pra lá e foi um enorme de um caroço para a contrarrevolução. Os caras diziam, os comunistas, ele faz isso porque ele é deles, não vai ser cassado. Bom, mas ele fez os melhores discursos do Congresso nacional. Agora, é direitoso, conservador, é um direito que ele tem…

Carla — Mas era um grande orador né?
AC —
Opa! Ele fazia uma mise-en-scène. Ele ficava um mês inteiro preparando discurso. Bom, na outra fiz 75 mil. Mas, em 1966, dois anos depois, eu tirei uma loteria federal, estava no auge da miséria. Fazia umas petiçõezinhas… Então, desci pra ir na frente do Rian… do antigo Rian. E ali estava o João Carlos Guaragna, que era o correio do Brizola. E tinha um baiano que dizia “Collares, compra o bilhete”. E eu dizia: “Mas eu não tenho dinheiro. Estou numa merda federal”. Ele: “Quanto é que tu tem?” Fiquei devendo um ou dois reais (a moeda vigente, em 1966, era o cruzeiro)… Comprei (o bilhete).

Bruno Alencastro/Sul21
Comprou uma casa com o dinheiro que ganhou na Loteria Federal - Foto: Bruno Alencastro/Sul21

Carla — Tinha um petebê no bolso, né?
AC –
– Só petebê. Quando é de noitezinha o Guaragna bate lá e eu ainda estava batendo papo. Porque eu era — e ainda sou — um esforçado; sou capaz de suprir minhas deficiências com esforço. Ele diz: “Tu tiraste a loteria”. Eu digo: “Não brinca comigo rapaz; estou numa pobreza tão grande e tu vem aqui me dar um susto”. “Tiraste sim, 25 302”. Digo: “Vamos descer lá embaixo”. Fui em duas lotéricas pra ver se era 25 302. Na segunda, fui com ele lá perto do aeroporto. Tinha uma Caixa Econômica, e um cara diz: “Tirou, tirou. 25 302 é o bilhete premiado”. Dava o quê? Uns 150, 200 mil na época. Eu comprei a casa que eu tinha.

Carla — Pensei que o senhor estava falando em sentido figurado. Tirei a loteria tipo me conteceu uma coisa muito boa, Mas, o senhor ganhou mesmo.
AC —
E eu vou ganhar ainda outra.

Felipe – Não foi que nem o João Alves né?
AC —
Não, eu não tive aquelas oportunidades. Por isso que eu sou um cara muito sério. Eu não tive oportunidade. Mas daí tirei uma federal. Mas, também, fiz investimentos do arco da velha. Um deles era numa televisão. Era Piratini que tinha né?

Ucha — Piratini.
AC —
Comprei acho que 30 ou 40 ações. Depois fui lá reclamar, e eles (disseram:) “não, aquilo não era compra. Era doação que o senhor fez, não é?” Era pra igreja, era da igreja. Bom, vamos ver onde é que vocês querem …

Ucha — Bom eu ia perguntar um pouco mais sobre a situação atual e perspectiva de futuro. Vou lhe fazer uma pergunta: o senhor tem ido na Assembleia?
AC —
Não.

Ucha — Muito bem. Faz muito bem. Não tem mais nenhum bom orador.
AC —
Não, a representação, doutor Danilo, a representação é de uma pobreza franciscana.

Ucha — Como diz o nosso amigo Kenny Braga: é um deserto de ideias.

“Não sei se um bom populismo não é melhor do que as elites mandando no país”

Igor – O senhor tem ideias pro PDT atual?
AC –
– Eu tenho, o PDT não tem. Eu estou escrevendo pra dar pra eles. Mas, é fácil, num determinado momento, as ideias que são efetivamente revolucionárias e transformadoras elas pegam como fogo no capim.

Felipe — Quais são as ideias agora que podem tocar fogo no capim, no Brasil.
AC —
Eu tenho vontade de mandar todo mundo à merda. Que faz horas que estou dizendo, pô! Toda conversa que eu fiz aqui vocês não entenderam, que é uma era nova que está aí. E outra, acho que não disse. Bom deixa eu dizer, que nessa concepção de uma nova era eu tenho defendido e disse pro Lula em Brasília, “vocês não podem assumir o exercício de funções individualmente”. Vocês têm que dizer que aqui no Brasil nós estamos fazendo um movimento coletivo de uma nova era no campo econômico, que vai ser capitalismo igual. Não é socialismo, não é comunismo, nada disso. Vai ser socialista, mas disciplinado, re-gu-la-men-ta-do, e com tendência à socialização, não socialismo. Porque, naquela conversa que eu fiz, da Revolução Francesa, os burgueses imaginavam que precisavam de poder político. Tiveram poder político mas eles não eram maioria, a maioria são as massas, e as massas tiveram oportunidade com a revolução tecnológica, com o radinho, com a televisão, e tomaram consciência sobre seus direitos. Pega a velhinha e diz assim “meu velho, os guris têm direito à escola, têm direito à educação, têm direito à comida, têm direito ao emprego”. Ora, nessa época da Revolução Francesa não havia nada disso, e essa concepção das massas é que está começando de forma tão vigorosa na América. Quem é que poderia imaginar que o americano fosse votar em um negro? Se é de direita ou de esquerda não interessa. É um negro! Que no início ele era de esquerda, mas levou um “taponaço” agora dos republicanos. Mas veja que a América, Argentina, Uruguai, Paraguai… um metalúrgico eleito aqui, agora uma mulher eleita. América…

Willliams –…um índio na Bolívia.
AC —
Sim senhor, um índio na Bolívia, Evo Morales.

Ucha – O senhor não tem medo que escape para um populismo?
AC —
Eu não sei se um populismo melhor não é melhor do que as elites mandando no país, porque aqueles que foram, na América Latina, chamados de populistas tiveram a preocupação com o povo. Perón, Getúlio. O Getúlio, sabe de onde é que tirou o pensamento dele rumo aos trabalhadores? Saint-Simon, socialista utópico. Sabe quem era o secretário de Saint-Simon? Aquele que era do positivismo…

"Como é que Getúlio que fez uma revolução conservadora fez a CLT?" - Foto: Reprodução

Williams — Comte?
AC —
Auguste Comte, Auguste Comte. Sabe quem é que trouxe ele pra cá? Júlio de Castilhos. Mas como é que o Getúlio chega na crista de uma revolução conservadora. O homem do campo é conservador pela sua própria natureza, pela prَpria função que exerce. Estavam sendo esmagados com cargas tributárias. Como é que ele chega na crista de uma revolução e a primeira coisa que ele faz é constituir uma comissão pra fazer a CLT. Joaquim Pimenta era socialista, e Getúlio botou ele dentro. Como é que Getúlio enfrentou, de maneira muito sagaz, muito inteligente, todos o conservadorismo, e foi conquistando alguns pra ele, como Lula agora, conquistando alguns pra ele, e fazendo a CLT. Paul Singer, que foi um dos fundadores (do PT), escreveu hoje ainda na Folha de S. Paulo. Ele disse que, dos instrumentos que tem hoje no mundo, a CLT é a mais avançada estrutura de defesa do direito social e brasileiro. A CLT, a esquerda tem que fazer reforma, a direita quer fazer reforma, mas ela condensa uma série de conquistas sociais que jamais o povo brasileiro trabalhador poderia imaginar. Agora, tem que fazer reforma, tem. Tem que fazer reforma no partido, tem. Tem que fazer reforma tributária, tem. Porque nós não podemos carregar a maior carga tributária do mundo. E o imposto é o preço que se paga, como o juro é um preço que se paga. E se há preço, quem vai pagar somos nós todos. Mas também senti medo, e fui o único também que entrei com 100 ações criminais de cobrança contra empregados e empresários sonegadores. 28 foram condenados a três anos e oito meses de cadeia, de detenção. J. H. Santos .. E eu fui numa vila e um negão diz assim: “Collares, que bom, hein? Ter um governador crioulo que nem nós, porque eu comprei uma televisão deste filha da puta aí não pude pagar, ele veio com um caminhão aqui e pegou minha televisão. E agora tu mandou botar ele na cadeia.” A vingança do miserável, né? Por que não combatem a sonegação? A sonegação corresponde a 30% dos impostos que não são pagos. E o imposto sou eu e tu que pagamos, vamos lá e pagamos nosso imposto com enorme sacrifício e o cara pega o dinheiro pra ele. Então tem coisas monumentais que têm que ser discutidas e eu estou botando nesse trabalho. A probabilidade de êxito é muito pouco, mas eu não posso deixar de fazer.

Ucha — O senhor já sabe a data da reunião que o partido pretende fazer ou não?
AC —
Não. Acho que um de vocês – ou tu – podia ir lá.

Nubia — Quais são os políticos que o senhor rotularia como uma frustração para o Brasil?
AC —
Frustração?

Nubia — É.
AC —
Todos, menos um.

(risos)

Williams — O Lula está incluído aí?
AC —
Está. Não! Tem gente boa. Tem. Até no meio de vocês tem gente boa.

Felipe — Até tem. Até tem.

(risos)

AC — Cheguei a debater com formigas.

Nubia — Quais são as suas críticas à imprensa local?
AC —
Vocês não podem fazer mais do que o que o patrão manda, querida. A realidade é essa. Se vocês quiserem dar um passo além dos limites estabelecidos pela empresa, o patrão te põe pra rua. Mas não é aqui. É no mundo.

Nubia — Mas com internet é algo que está quebrando…
AC —
Está rompendo. Mas, é uma incógnita…

Williams – O senhor lê blogues?
AC —
Hein?

Williams — O senhor lê blogues?
AC —
Como é o nome disso?

Williams — Blog é um site pessoal, onde são publicados textos. Quando o senhor era governador, como é que a imprensa, principalmente a regional, te tratava?
AC –
– Me tratou muito mal…

“Viver sem liberdade é uma tragédia”

Williams – O que o senhor acha da imprensa que temos?
AC —
Sempre vai melhorar. Pior não pode ficar, porque estava muito ruim. E o problema não é do jornalista. É o sistema. O sistema não possibilita. A hora que vocês estiverem empregados na RBS e tiverem uma aspiração de liberdade, vocês estão na rua. Tu sabe que é assim.

Rachel — Mas não seria melhor, para o bem da transparência e da democracia de fato, que a imprensa também se assumisse como é em outros países, por exemplo? Porque é uma comunidade política.
AC —
Onde é o outro país?

Felipe — Na França, por exemplo, o Le Monde que é de esquerda declaradamente. Outros são declaradamente de direita.
AC —
Tem alguns que são. Mas, os grandes patrões que são donos da imprensa – 80% ou 90% da imprensa estão nas mãos das entidades que têm poder de comando, e agora mesmo com essa corrida que faz para as grandes fusões, nos Estados Unidos é um negócio que chega a ser estonteante. Porque viver sem liberdade é uma tragédia, e o problema não é do jornalista, é de quem faz investimento na imprensa e quer dinheiro. E quer dinheiro.

Williams — De que maneira o senhor era mal tratado pela imprensa? Dê um exemplo.
AC —
Estava casando a Helena, essa menina bonita, filha da Neuza. Aí tem um delegado muito sem-vergonha, mas é meu. Lá do Grêmio. Um baixinho, e ele gosta da Helena. Eu digo: “Olha, ela é bonita. É muita areia pro teu caminhãozinho”. E eu digo assim: “E, além disso, ela é altamente espiritualizada”; Ele disse: “Collares, tu é um idiota, tu acha que eu vou comer o espírito dela?”.

(risos)

Bruto, bruto, bruto. Mas daí, ela estava casando no Palácio Piratini. O Melara foi até o Plaza ali, aquele que entrou no Plaza (em julho de 1994, Dilonei Francisco Melara e outros presos fugitivos do Presídio Central de Porto Alegre invadiram, de táxi, o saguão do Hotel Plaza São Rafael). Deixa eu só dizer que antes, quando chegou a notícia, eu fui ver como estava minha segurança. Aí veio o coronel e disse: “O que eu faço?” Digo: “Se eu tiver que dizer pra ti o que tu faz, tu vai lá pra dentro e fica no meu lugar e eu fico no teu lugar. Se ele botar a guampa ali tu dá um tiro na cabeça dele. Tu não sabe o que tu tem que fazer, pô?!”.

Qual é a linguagem que pode entender um cara desses? Eu estou fazendo um casamento de uma filha minha, se ele vai lá esculhambar, o que eu tenho que fazer? Eu não sou mau. Mas, se tem que fazer, tem que fazer. Mas felizmente ele não veio. E, por incrível que pareça, ele me escreveu uma carta dizendo que nunca foi contra mim. Porque eu fui o primeiro governador que admitiu que eles, nas galerias, pudessem constituir grupos para reivindicar aquele mínimo que o ser humano tem e não perde na condição de preso, que é a comida e a roupa lavada. Comida e roupa lavada. E as pobres das mulheres deles eram examinadas com as mãos na vagina pra ver se tinha coisas, eu proibi tudo.

"Dilma tem condições de fazer o melhor governo da história do país" - Foto: Roberto Stuckert Filho/PR

Felipe — Como será o governo da presidenta Dilma?
AC —
Ela tem condições de fazer o melhor governo da história do país. Também tem possibilidades de passar por grandes sofrimentos. A Europa está caindo, a Europa está de joelhos. Onde iniciou a civilização ocidental está com déficits orçamentários. Na Grécia, os trabalhadores estão na rua. Na Espanha, os trabalhadores estão na rua; em Portugal, eles estão na rua; na Inglaterra, eles estão na rua. Vem uma revolução aí, e o pior é que as massas não têm quem as saiba dirigir, e pra onde dirigir. E se você me perguntar como fazer eu vou dizer que não sei, só sei que tem que fazer. Tem que procurar um caminho.

“Felicidade não se compara, se vive. Eu sou um homem feliz”

Felipe — Mas como é que vai ser o perfil da Dilma como governante?
AC —
Ela vai fazer um bom governo porque ela tem preparo. Ela teve oportunidade de, na luta armada, fazer um aprendizado. Quando esteve aqui, durante quase vinte anos, certamente ela leu Getúlio. Se leu Pasqualini, se conheceu Brizola, além do governo que nós fizemos, que um dia eu venho aqui fazer uma conversa com vocês (sobre o governo). Se estiverem eu venho, se não estiverem eu não venho.

Nubia – O senhor seguidamente fala de seus netos, das crianças. Obviamente o senhor lembra da sua infância. O senhor diria que era mais feliz quando era criança ou o senhor é mais feliz agora? Qual foi o período mais feliz…
AC —
Felicidade não se compara, se vive. Eu sou um homem feliz. Principalmente, porque estou falando com vocês, e não só… vocês podem acreditar na minha verdade porque eu não sou de mentir pra nada. Se fosse, eu podia estar mentindo.

(risos)

Felipe — Mas nunca precisou mentir na política?
AC —
Não.

Felipe — Não foi obrigado a mentir em algum momento?
AC —
Não.

Nubia — É obrigado a omitir então?
AC —
Não. Tem que falar a verdade. Mas é obrigado a engolir sapo. Mas eu sempre falei a verdade, e me dei bem. Eu fui lançado candidato à presidência da República, pelo Movimento Negro de São Paulo.

Ucha — Interessante essa sua lembrança.
AC —
E o Brizola dizia: “Com esse discurso, Collares, tu negro vai ser uma purgação pra nação”.

Ucha — Exatamente.
AC –
Eu dizia: “Mas o Brizola, não esquece que..”.

Ucha — O senhor perdeu o cavalo encilhado naquela oportunidade.

Carla — O cavalo estava até amarradinho lá no obelisco.
AC —
É possível.

Ucha — Mas por quê? Pelas conjunturas partidárias?
AC —
Não, eu tinha consciência que minha faixa etária, não servia mais pra isso.

Carla — Falando em faixa etária, o senhor acha que …

Williams — Existe algumas lideranças que estão aflorando dentro do PDT, porque eu vejo uma coisa assim que me preocupa …
AC —
Não. Não tem nada. Só tem bosta.

Carla — A Juliana (Brizola), por exemplo, e o Mauro Zacher fazendo uma guerra aí, né. Eu, como mãe de quatro filhos, me sinto na obrigação de perguntar isso: existe alguma liderança trabalhista que eu possa chegar pra minha filha e dizer “pô, essa pessoa é legal, essa pessoa está batalhando”.
AC —
Bom são todos.

Carla – Mas quem posso indicar?
AC —
Não bota dinheiro perto dos homens. Não bota dinheiro perto deles, que cada vez que tu põe metem a mão no teu bolso. Não… Tem gente boa. Tem gente boa. Nós é que estamos fora de época. Nós não estamos entendendo a vida que vem aí. Nós é que temos que nos adaptar. Os guris vão ali pro computador e ficam horas e horas. Como é que eles vão aprender português se ali quase tudo é inglês e…

Carla — …e português errado né.
AC —
Português errado e aglutinação de letras. Me parecem dotados de um grau maior de sinceridade. Vejam bem…

Williams — Dotados de mais informação, né?
AC —
Muito mais informação. Muito mais informação.

Felipe — Falando em questão de infância, na sua infância em Bagé, a cidade já sofria com a seca, né?
AC —
Pior é que como governador do estado eu fui lá bem faceirinho né. Mostrei: “olha aqui”. Porque era rancho, não era aquele do poema.
”No rancho de santa-fé,
De pau-a-pique barreado,
Num trancão de convidado
Me entreverei no banzé.
Chinaredo à bola-pé,
No ambiente fumacento,
Um candieiro, bem no centro,
Num lusco-fusco de aurora,
Pra quem chegava de fora
Pouco enxergava ali dentro!” ( Bochincho, de Jayme Caetano Braun). Não é esse daí o rancho que o meu velho Pedro teve. É é de torrão, torrão…

“Fui exibido desde gurizinho. Senão nem chegava a governador”

Felipe – Eu queria saber se alguém na região ganha com essa seca.
AC —
O quê?

Felipe — Se alguém tem lucro com essa seca, porque não resolvem o problema nunca.
AC —
É que o tempo de vocês não é o meu tempo. Tenho mais tempo que vocês. Por isso, vocês têm essa angústia para perguntar em cima do outro. Eu queria dizer que eu, como governador, queria me balaquear lá, pra acabar com esses…

Carla — Queria o que governador?
AC —
Balaquear, me exibir.

Carla — Ah tá.
AC —
Eu fui exibido desde gurizinho. Senão nem chegava a governador.

Sobre Tarso Genro: "Quem está no poder nunca é balaqueiro" - Ramiro Furquim/Sul21

Carla — Eu me lembro do Tarso dizer balaqueiro na televisão. Eu me lembro disso.
AC —
Balaqueiro.

Carla — O senhor ainda considera o Tarso um balaqueiro?
AC –
– Não. Era naquele momento, querida. Quem está no poder nunca é balaqueiro.

(risos)

AC — Deixa eu só dizer isso. Varguinhas (Luiz Alberto Vargas) era prefeito (de Bagé), e era do nosso PDT. Tenho testemunha disso. (Ele disse sobre a seca:) “Não mexe nisso, isso é projeto do governo Kalil (Luís Simão Kalil, ex-prefeito de Bagé), que se foi, e eu não vou beneficiar esse cara.” Eu digo: “Mas, tchê, tu não quer isso. Como é que tu não vai fazer uma coisa dessas? (Aliviar) o sofrimento dessa gente aí sem água.” Filho da puta. Não deixou eu fazer.

Ucha — Lá na fronteira é difícil.
AC –
– É. Como diz lá em Bagé: “não te fresqueia-te”.

Williams — Mudando bruscamente a ordem da discussão…
AC —
Como é teu nome?

Williams — Williams.
AC –
– Hein?

Williams — Williams. É um nome esquisito.
AC –
– Não, não é esquisito. Podia ser João, né?

Willliams — O senhor ainda é conselheiro da Itaipu binacional?
AC —
Sou.

Williams — Há pouco tempo, quando Fernando Lugo assumiu a presidência do Paraguai, ele começou um movimento para rever os…
AC —
O tratado.

Williams — E obviamente contando com o Lula e o Lula sinalizou que tinha disposição de rever, de tornar a coisa talvez menos injusta, um pouco menos desigual. E a imprensa — sempre a imprensa, a corporativa — já anuncia “o Lula vai abrir as pernas”, não sei o quê.
AC –
– Como abriu pro Evo. E ele fez muito bem, no meu entendimento.

Williams — No caso de Itaipu, do tratado de Itaipu, os termos que foram colocados, como é que o senhor avalia…
AC —
Quem tem que alterar o tratado é o Congresso.

Williams — Mas o senhor como conselheiro, de que maneira pode interferir nisso?
AC –
Não vou interferir.

Williams — Pra que serve o conselheiro?
AC–
Para dar conselhos.

(risos)

Williams — Que tipo de conselhos?
AC —
Conselhos que estejam na faixa daquilo que é competência dos conselheiros.

Williams — E o que que é de competência dos conselheiros?
AC —
Não. É que vocês não sabem qual é a organização. Ela é uma binacional, e tem seis conselheiros que são paraguaios e seis brasileiros. Tem competência para tomar decisões que só podem ser por consenso, porque se não for por consenso, sobe para o Ministério de Relações Exteriores, que pode ser pelo ministro do Itamaraty ou então pelo presidente da República. Mas hoje está comprovado: uma das grandes empresas de produção de energia do Brasil é a Itaipu. Foi feita pela ditadura.

Williams –A maior né?
AC —
A maior de todas. Maior do que Três Gargantas.

Williams — Então me explica o que é o conselheiro, qual é o papel dele?
AC —
É a aprovação da execução da parte administrativa de funcionamento, produção, distribuição e venda da energia. Nesses programas que tratam de coisas mais complexas e de maior teor de responsabilidade é o ministério, que é o Itamaraty, ou o presidente. E o presidente foi lá, o Lula, e fez quase tudo o que o Lugo pediu. Foi e está sendo cumprido. Nós estamos construindo uma linha de transmissão de 500 quilômetros até Assunção. É um enorme de um dinheiro. E eu vejo a necessidade.

50% de energia pra cada um. Como eles não têm capacidade de produção, eles vendem o excedente, e no tratado vendem para o Brasil.

Williams — Tem a preferência.
AC —
E ele quer vender para outros empreendimentos, outras demandas, outros mercados. E ali está dito (que tem de vender para o Brasil). Então, tem que alterar o tratado. E está no Congresso Nacional uma série de atividades que podem ser transformadas, mas que não foram aprovadas.

“Nós, conselheiros de Itaipu, temos que acompanhar pela internet todas as formulações e decisões”

Williams — Só para esgotar este tema. O senhor pode dar um dos locais e temas frequentes do conselho, dos conselheiros que se reunem, se é que se reunem…
AC —
Não, não pergunta se é que se reunem. Se não se reunissem, eu não estaria aqui. É uma maldade essa sua pergunta. Olha a maldade dele na pergunta…

Williams — … não, desculpe…
AC —
A maldade dele na pergunta: se é que se reunem.

Williams — Não. Retiro, retiro e refaço. Desculpa, desculpa.
AC —
Afrouxou o garrão; eu dou-lhe uma porrada na canela.

Williams –É que eu tinha a informação que vocês fazem por internet, que vocês se reunem, às vezes, por internet.
AC –
– Não.Não.Não há reunião pela internet.

Williams — Bom, eu tenho um dado aqui que saiu no próprio Sul21.
AC —
Não há reunião (pela internet). Se há reunião pela internet eles estão excluindo meu nome. Estão me excluindo…

Williams – Tá aqui. Eu retirei do Sul21. Agora, me desculpe. (Diz:) “suas tarefas de conselheiro nacional resolvem quase todas por computador”. Peguei do Sul21.
AC –
– Não é verdade. Os conselheiros, nós somos convocados em dois tempos. Nós temos que acompanhar pela internet todas as formulações e decisões. Aí tem uma informação equivocada. Tem que acompanhar todos os dias pela internet — e eu acompanho — qual é o encaminhamento de determinados programas para decisões X. E essa do Paraguai tem sido a mais complexa. Mas, ela só se decide quando nós vamos lá na reunião. Com o voto de cada um.

Williams – Baseado nisso é que eu quis saber. Não tinha maldade.
AC —
Eu sei que não tinha, mas eu tenho de dar uma resposta bem adequada à formulação.

Ucha — Governador, podemos falar em nomes.
AC —
Nome de quem?

Ucha — Qualquer um do PDT.
AC —
Pra quê?

Ucha — Pra tudo. Ou do PT. Pro bem e pro mal.
AC —
Não…

Bruno Alencastro/Sul21
"Aqui no Rio Grande, o PMDB chegou no fundo do tacho" - Foto: Bruno Alencastro/Sul21

Ucha — A situação do PDT, todo o mundo sabe, não é muito…
AC —
Não é do PDT. É de todos os partidos. Pior do que o PDT é o PMDB. Pior do que o PDT é o MDB. Aqui no Rio Grande eles chegaram no fundo do tacho. Chegaram no fundo do abismo, porque diziam que iam aprovar a Dilma e o Tarso, a Dilma pelo menos (aprovaram), e (aqui) apoiaram o Serra. E veio esse extraordinário pensador, que pessoalmente é uma figura muito simpática que é o Fogaça. Um poeta da melhor canção, e inventa a imparcialidade ativa. A imparcialidade não pode ser ativa nem negativa. É imparcialidade só. E eu dei um chapuletaço nele de sair pó.

Ucha — Estou tentando chegar em perspectivas; se vai melhorar, se não vai. Porque eu sou um dos que mais critico a falta de novas lideranças.
AC —
E é uma constatação nacional e internacional. Liderança com a cabeça nossa, liderança do tipo que nós imaginamos, de alguém com poder para tomar decisões. Isso que me parece que é líder. Só que tem a liderança democrática, que decide conforme as maiorias, e tem aquelas que são, sem dúvida alguma, lideranças autoritárias, totalitárias. E o mundo caminha com os defeitos da democracia para a consolidação da liberdade pública. Vai custar a se levar? Vai. Mas é o que tem respondido melhor os anseios das massas. Vocês não podem imaginar…

“Esquerda é aqueles que querem as transformações; direita, os que querem a manutenção dos privilégios”

Ucha — Estou achando o senhor muito leninista.
AC —
O que é leninista? Lênin? Não. O Lênin cometeu um engano. A Rosa Luxemburgo disse para ele várias vezes: pegaste o caminho errado quando embarcaste no trem que levou ele em 1917. Porque o Marx ensinava que a revolução tem que ser feita quando as contradições do capitalismo estiverem no auge. As próprias contradições é que farão com que o capitalismo fragilizado se entregue ao socialismo.

E eu tenho um livro do Gianetti, que é uma figura boa que diz que …

Williams — Eduardo Gianetti.
AC —
É. Muito bom.

Williams — Tucano.
AC –
– Não sei.

Williams – É tucano.
AC —
Então já tem defeito. Mas é um homem decente. O lado dele não importa. Pode ser conservador, pode ser direita ou esquerda. Esquerda e direita quem ensina muito bem é o nosso italiano… como é o nome do cara?… Bobbio.

Williams — Norberto Bobbio
AC —
Norberto Bobbio. Direita e esquerda. Tem um dicionário que tem que ser visto também. Esquerda é aqueles que querem as transformações, direita os que querem a manutenção dos privilégios. Isso é o que é direita e esquerda. E a esquerda na América toda se movimentou tanto que elegeram Evo Morales, elegeram Chávez, que está fazendo cagada, quer voltar àquilo que não deu bem em Cuba, e não deu bem na Rússia, que é o planejamento total. Não deu certo, não deu certo. E aí é que me parece que nós temos que fazer outra reunião para aprofundar isso porque tem conotações das mais variadas. E a Dilma está com a faca e o queijo na mão, no momento em que (Lula) sai da presidência e transfere os votos pra ela. Um presidente com 87% de apoio popular. É de dizer que eles individualmente estão cumprindo uma tarefa de um programa de desenvolvimento econômico, político, social, cultural, científico, tecnológico e ambiental. Uma nova era do capitalismo, onde a direita radical desaparece e a esquerda radial desaparece. Os Dirceus da vida e esses movimentos, porque é uma tragédia esse movimento dos trabalhadores rurais. Vai ver o que passa com as crianças naqueles… em quantidade… Sabe o que eu fiz quando era governador, pra eles não venderem a propriedade? Eu obriguei que eles ficassem em cooperativas. Sabe o que eles fizeram? Arrendaram. Sabe por quê?

Ucha — Porque não tinham condições de sobrevivência.
AC —
Dá uma terra sem nada. Eu inventei ainda um condomínio rural, condomíno rural, e eu colocava uma série de atividades do estado no meio de trezentas, quatrocentas ou quinhentas propriedades.

Felipe — Eu tenho uma pergunta bem mais séria pro senhor.
AC –
– Não diz que é mais séria. Todas foram sérias.

“Fui muito privilegiado em matéria de mulher, porque eu achava todas bonitas, e, às vezes, não eram”

Felipe — Não, não. É que eu estou sendo irônico. Eu quero saber se o senhor, nascido em Bagé, já barranqueou.
AC —
Isso é uma profissão que a gente adquire aos 12 anos. Eu então fiz campeonato de punheta, na beira da água. Cinco ou seis gurizinhos com 12 ou 13 anos… meta punheta… É ou não é?

Felipe — Mas e o barranqueio com alguma espécie de animal?
AC —
Não, eu tinha, sem desmoralizar a mulher, eu tinha essas substitutas. Eu fui muito privilegiado em matéria de mulher, porque eu achava todas bonitas, e às vezes não eram. Vai do meu gosto né. E o gosto era meu, não era dos outros. Eu que ia resolver.

Felipe — Então não precisou…
AC —
Deixa eu te dizer uma coisa: a Neuza diz assim tu vive te exibindo aí, que fazia isso, que fazia aquilo, e nunca apareceu um neguinho aí na porta pra pedir paternidade. Nenhum. Apareceu um.

Nubia — Apareceu? Uma?
AC —
Um, um. Graças a Deus me salvou daquela conotação meio pejorativa que eles tinham. O cara provou que era meu filho. Mas eu ganhei essa.

Williams –Mas ele era parecido?
AC —
Agora deixa eu dizer pra vocês: ganhei primeiro porque eu podia ter sido pai dele. E (eles) não podiam ter feito isso comigo. E foi o que eu coloquei pro juiz. Não foi ninguém que me obrigou. Disse assim: “doutor, eles me proibiram de ter um filho”. Perdi um filho. Tive que pegar uma menina. Não foi pra compensar, porque não se compensa.

Nubia — O senhor não reconheceu então?
AC –
Não. Não reconheci. Perdeu na primeira instância, e na segunda instância eles recorreram. E o juiz levava pra casa os projetos, e foi assaltado. Roubaram o carro e os projetos. Sabe o que eu disse? Que foi a Neuza quem fez.

Nubia — Mas não tem contato com ele? Não se encontram de vez em quando?
AC —
Eu passei por uma situação tão dolorosa, tão dolorosa. A mulher foi fazer a constatação que eu era pai do filho dela. E, por tudo o que é sagrado, eu não me lembrava dela.

Bruno Alencastro/Sul21
"Como é que eu não vou lembrar de uma mulher que tem um filho comigo?" - Foto: Bruno Alencastro/Sul21

Carla — Foram tantas mulheres.
AC —
Várias. Mas eu fiquei tão aborrecido comigo. Como é que eu não vou lembrar de uma mulher que tem um filho comigo? Mas fui extremamente sincero, e disse ao juiz que talvez tenha influenciado que eles proibiram que eu pudesse exercer a influência de pai na educação dele, escondendo-o até os 26 anos. Isso talvez tenha pesado no julgamento.

Felipe — Mas o senhor é o pai oficialmente. Só não tem que pagar pensão.
AC –
Não. É que eles acham que eu sou o rico dos ricos, porque o próprio pai afetivo me disse: “Ele me trata bem, me deu carro, uma situação boa”. Digo: “Então, fica com ele, Nelson”. Disse pra ele que fique com ele. E tem uma menina que eu estou criando que eu que sou pai. E gosto tanto dela, ou mais, do que dos meus filhos. É muito complexo isso aí. Bem complexo.

Nubia — O senhor disse que tinha passado o seu tempo. O senhor chega a pensar na morte?
AC —
Todos os dias. Sou espírita. Deixa eu lhe dizer…

Ucha – Este pensamento da morte, o senhor tem medo de morrer agora?
AC –
– Eu tenho convicção que vou morrer. Tu não tem? (risos)

“Todos têm mediunidade. A minha não chega a ser grande. Só que é minha”

Nubia – O senhor tem medo?
AC —
Eu não tenho medo. Sou kardecista. E agora há pouco tempo, em um aniversário, me deram um livro que já li e reli tudo. Aqui tem um cara, Moacir Costa de Araújo Viana. Cheguei de Bagé em 1956, fui assistir a uma conferência dele, com 12 anos de idade, sobre espiritismo. Era um monumento, agora é um dos maiores professores que têm no Brasil sobre física quântica. Tudo é energia. Tudo é energia. Até a ideia de Deus que nós temos. Física quântica, que é contestada pela física convencional. Mas deixa só eu contar uma coisa. A minha irmã, mãe daquele prefeito aí de Guaíba, o Joãozinho (João Collares), é oito ou nove anos mais velha do que eu, e ela era filha de Maria e era uma mulata muito bonita e até hoje é bonita. É meio estranho…

Tempo filha da puta. Daí, aos 17 anos, filha de Maria, começou a dar uns trecos nela. Quatro ou cinco pessoas agarravam e não conseguiam (dominar). Espírito mau fazia coisas com ela. Chegou um vizinho e disse: “chama o Seu Paulo, lá de cima, que ele entende disso”. Chegou o velho e ficou conversando com o espírito, conversando, conversando, daí um pouco disse: “Vai te embora. Agora tu segue. Vai por dentro da cota que tu já desencarnasse e que não vive mais aqui”. E ele se virou e disse: “Olha, vocês têm aí nela uma mediunidade muito avançada, que é um negócio do kardecismo. Tem que desenvolver nos centros”. E ela foi desenvolvendo. Eu ia junto, aos oito ou nove anos. Só que, às vezes, em casa, baixava um caboclo, ou preto velho, e ele dizia: “Nasceu o político chefe”. Como? Como tchê? Até hoje eu não sei como. Eu frequentei aqui…

Nubia – Na Duque de Caxias ou na Andrade Neves? Aqui na Duque é o Atheneu.
AC –
Atheneu. Aquele ali eu frequentei anos e anos. O que mais me impressionou ali foi um general, barbeiro que dirigia uma concentração nossa, uma sucessão, que disse assim: “Meus irmãos, acabou a nossa reunião, mas eu tenho no sul de Singapura uma outra reunião”. Outro que me impressionou ali foi que eles constituíram uma comissão pra examinar se o animal tem ou não inteligência. Chegaram à conclusão que tem princípios de inteligência, mas a proximidade mais é com o instinto.

Nubia — O senhor continua frequentando?
AC —
Não. Não frequento. Fico estudando em casa. Não frequento. Cheguei a ser pregador religioso.

Nubia – O senhor tem capacidade mediúnica?
AC —
Todos têm mediunidade. Uns mais desenvolvidos, outros menos. A minha não chega a ser grande. Só que é minha… Vocês não repararam que quando eu falo eu não penso? Não penso quando falo. Quase todos os oradores são assim. Eles recebem mensagens.

Nubia — Mas o senhor acha que recebe isso de alguém?
AC —
Só pode ser alguém. Não pode ser do nada, né? Agora faz uma pergunta como se o nada pudesse pensar. Está recebendo de alguém que pode pensar.

Nubia — Mas teria uma pessoa determinada que o senhor recebesse? Que pessoa seria essa?
AC —
Não sei se é uma pessoa determinada, se é um grupo, ou de energias, segundo a física quântica. Eu acho que é energia inteligente, que está ali e te inspira. A intuição é a forma requintada do saber humano. O intuitivo penetra na profundidade dos seres, sem informação.

Carla — O senhor é um intuitivo.
AC —
Pouco utilizado. Mas todos meus discursos são intuitivos. Eu cheguei (no Sul21) e não podia beber. Bebo e fico entregando a rapadura. Os oradores todos são assim. Nos maiores oradores do mundo rolou energia ou espíritos que vêm para sugerir. E uma prova da intuição do Brizola é 1961. Como é que o cara pega aquela merda de um microfonezinho e enfrenta o mundo todo?

Mas eu quero outra conversa com vocês. Quero trazer a Neuza aqui. Trazer aquela branquinha, sem racismo nenhum, pra fazer um contraponto. Mas que coisa boa. Olha, excepcionalmente bom. E vou dizer por que, porque vocês são atenciosos. Vocês me ouvem. São poucos também. Eu participo de programas que me convidam uma vez e não vou mais.

Nubia – Mas a Neuza o proibiu de beber, é isso? Ela me disse ao telefone que só deixa o senhor tomar um cálice.
AC —
Querida, cara de Bagé ninguém proíbe merda nenhuma. Eu não faço o total da cagada. Só faço metade.


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