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3 de abril de 2011
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19:03

Preconceito sofre cerco na Câmara dos Deputados

Por
Sul 21
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Preconceito sofre cerco na Câmara dos Deputados
Preconceito sofre cerco na Câmara dos Deputados

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Jair Bolsonaro (Foto: Janine Moraes/Ag. Câmara)

Felipe Prestes

Há seis legislaturas o deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) vem se contrapondo aos Direitos Humanos na Câmara dos Deputados, seja ironizando as vítimas da ditadura militar, seja manifestando preconceito contra homossexuais ou em comentários racistas. Sua atuação de vinte anos na Câmara – desde 1991 – só agora sofre forte reação, depois das declarações que deu ao programa CQC, na última segunda-feira (18). No programa, Bolsonaro afirmou que seus filhos não teriam relações homossexuais nem namorariam negros, alegando que tiveram “boa educação”.

“Desta vez, há uma espécie de mutirão contra a fala do Bolsonaro”, diz a presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, Manuela D’Ávila (PC do B-RS). Manuela conta que já houve várias atitudes semelhantes que não se conseguiu caracterizar como crime. O próprio PC do B já fora alvo de Bolsonaro, quando ele criou um cartaz para desdenhar das buscas por corpos de integrantes da Guerrilha do Araguaia com o desenho de um cachorro com um osso na boca, dizendo que “quem gosta de osso é cachorro”. “Ser anticomunista não é crime, mas, desta vez, esta prática (de racismo) é claramente caracterizada como crime, no nosso marco legal”, afirma Manuela.

Uma representação subscrita por 35 deputados foi encaminhada à corregedoria da Câmara, além de outras cinco representações, de entidades como OAB e a Procuradoria da Mulher na Câmara. A deputada conta que mais 20 entidades devem entrar com procedimentos na Câmara contra Bolsonaro na próxima quarta-feira (6). Também foram encaminhadas representações para que o Ministério Público Federal ajuíze ação coletiva contra Bolsonaro. Na Justiça, ativistas e parlamentares querem que não seja considerada a imunidade parlamentar. “A imunidade não nos protege de crimes. Nenhum de nós é livre para cometer crimes como o de racismo. Mesmo que a imunidade protegesse, ela é no exercício do mandato. Ele não estava na tribuna manifestando uma opinião”, afirma Manuela.

Na Câmara, o corregedor Eduardo da Fonte (PP-PE) vai notificar o deputado no início da semana que vem e ele terá cinco dias úteis para apresentar sua defesa. Depois disto, a questão deve ser encaminhada para a Comissão de Ética, a quem caberá decidir se houve quebra de decoro parlamentar de Bolsonaro. A quebra de decoro pode tem punição que vai de censura à perda do mandato. Segundo a assessoria de Eduardo da Fonte, o parlamentar diz que “a Casa tem seu regimento e ele será seguido à risca, não importando o partido de quem está implicado no caso”.

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Deputados entregam representação contra Bolsonaro (Foto: Divulgação)

Saída da comissão

Manuela D’Ávila também pediu ao líder da bancada do PP na Câmara, Nelson Meurer (PP-PR), que retire Jair Bolsonaro da Comissão de Direitos Humanos, da qual ele é suplente. A comunista não recebeu resposta oficial, mas Meurer tem declarado à imprensa que não irá retirar o colega de partido. Para a deputada, se fizer assim, o PP pode estar sendo complacente com a postura do colega. “É muito fácil eles dizerem que não concordam com a opinião do Bolsonaro e não fazerem nada”, afirma.

Em Porto Alegre, o PP não tem mostrado a mesma complacência. Nesta sexta-feira (1º), o presidente metropolitano do partido, Tarso Boelter, entregou à senadora Ana Amélia Lemos nota de repúdio a Bolsonaro, na qual o diretório defende a saída de Bolsonaro da Comissão de Direitos Humanos. A senadora declarou apoio integral ao conteúdo da nota.

Procurado pelo Sul21, Bolsonaro admite que está na Comissão exatamente para se contrapor aos militantes de Direitos Humanos, e criticar questões como o kit educativo de combate à homofobia, que vem sendo elaborado pelo governo federal, o qual o deputado chama de “kit gay”. “Se eu sair de lá, vira festa a comissão. O pessoal não fala tanto em democracia? Eu sou o contraditório de lá. O pessoal só defende os direitos de quem está errado: direito, por exemplo, de homossexual – de hetero não interessa – direito de presidiário. Presidiário hoje tem direito a auxílio-reclusão. A viúva de alguém assassinado não tem direito a nada”, afirma.

Manuela D’Ávila afirma que as opiniões do deputado progressista não são o problema, mas o fato de ele ter cometido um crime contra os Direitos Humanos é que o torna incompatível com os trabalhos da comissão. “O fato de questionar é um direito seu. Enquanto ele ia para lá questionar a distribuição do kit contra a homofobia nas escolas era um direito dele. O problema é que agora ele é alguém que publicamente comete crimes contra os Direitos Humanos, que é o crime de racismo”.

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O deputado, orgulhoso de sua "obra" (Foto: Divulgação)

Bolsonaro diz não ser racista nem homofóbico

Segundo o deputado Jair Bolsonaro, sua defesa na corregedoria será a que vem declarando aos meios de comunicação. Ele vai se defender da acusação de racismo, aproveitando-se de que homofobia ainda não é crime no país. O parlamentar jura de pés juntos que entendeu errado a pergunta feita pela cantora Preta Gil no programa CQC. Ela perguntou o que ele faria se um de seus filhos namorasse uma negra. Bolsonaro respondeu que isto não iria acontecer, porque deu boa educação aos filhos. Depois da repercussão negativa, o parlamentar diz que entendeu que a pergunta era relacionada a gays e não a negros.

“A resposta que eu dei a Preta Gil não bate com a pergunta dela. O próprio Marcelo Tas (apresentador do programa) falou: ‘acho que o deputado não entendeu a pergunta’. Eu entendi gays, aí se enquadra na minha resposta. A educação que dei para os meus filhos foi voltada para o lado cristão, para perceber que o relacionamento homossexual não é cristão. O que tem a ver com racismo isso?”, diz Bolsonaro. Mesmo admitindo sem qualquer pudor que aos gays, sim, se referiria da maneira como se referiu, o deputado diz não ser homofóbico. Para ele, homofobia seria apenas se ele quisesse “exterminar” os gays. “Não há qualquer prova, qualquer declaração minha de que temos que exterminar os gays”, diz.

Para se defender das acusações de que é homofóbico, Bolsonaro dá declarações desrespeitosas aos homossexuais. Ele diz que já teve um funcionário gay em seu gabinete, mas que “mantinha a postura”. “Tive um funcionário gay no meu gabinete, lógico que não era uma pessoa que chamava atenção: nunca cantou ninguém dentro do gabinete, nunca namorou ninguém nem por telefone no gabinete. Manteve a postura dele, que é o que a maioria dos homossexuais fazem”. O parlamentar diz também que não se importaria de receber um casal homossexual em seu gabinete, “desde que não fiquem se abraçando, ou chorando um no ombro do outro”.

O retrospecto de declarações de Bolsonaro mostra não só homofobia – ele defende que é preciso dar “um couro” em filhos homossexuais, como “solução” para o “problema” – como também agressões verbais a presidentes: já chamou Dilma de assassina, e disse que FHC deveria ser fuzilado. Além disso, Bolsonaro pode até alegar que não há declarações suas anteriores da racismo contra negros, mas não pode dizer que nunca deu declarações racistas. Em 2008, durante uma audiência pública sobre a demarcação da Reserva Raposa do Sol, Bolsonaro entrou em conflito com o indígena Jacinaldo Barbosa e depois declarou a imprensa que “ele devia comer capim para manter suas origens”.


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