João Peres / Rede Brasil Atual
A vida de Salvatore Bonanno renderia uma boa biografia. Filho de Joseph Bonanno, um dos grandes chefes da Máfia nos Estados Unidos, do início do século XX, Bill, como era conhecido, era um sujeito violento e egocêntrico cuja principal responsabilidade assentava-se em suceder o pai no comando do lucrativo negócio.
Tivesse sido redigida por um escritor razoável, a biografia de Bill teria feito barulho e conseguiria boa vendagem durante alguns anos. Mas não coube a esta história um escritor razoável. Gay Talese é algo mais que isso: é um dos grandes mestres do jornalismo literário mundial que, próximo de completar oitenta anos, segue produzindo com a mesma paixão de sempre.
Lançado em 1971 nos Estados Unidos, Honra teu pai é algo mais que a biografia de um mafioso. É o retrato de toda uma época e a radiografia de um sistema, do início à decadência, sem deixar de retratar o auge. A obra, reeditada neste momento no Brasil pela Companhia das Letras, é rica em detalhes e, seguindo o traço inconfundível da Talese, não tem frases descartáveis, não sofre com palavras fora do lugar.
Motivado pelo preconceito que sofriam os imigrantes italianos, entre eles o pai, o jornalista resolveu entrar a fundo no assunto por considerar que uma colônia tão numerosa não poderia ser automaticamente associada à Máfia. Corriam os anos de maior pressão contra as organizações armadas.
Ao conhecer Bill Bonano, Talese chegou a um dos mais poderosos clãs de Nova York e acabou por escrever o primeiro livro de não ficção sobre o assunto — além de acompanhar apaixonadamente as investigações daqueles anos, o país estava sob o frisson de O Poderoso Chefão, livro de Mario Puzo sobre um fictício Don Corleone, com o qual muitos dos criminosos se identificavam nas longas horas de ócio.
Eis uma das descobertas do jornalista ao acompanhar a vida de Bill: o cotidiano de um mafioso estava longe de ser a agitação que a maioria da população poderia supor. Os dias eram permeados por intermináveis períodos de espera, interrompidos às vezes por uma rápida ação criminosa, uma fuga, um tiroteio.
Mistérios
Foi assim quando Joseph Bonanno desapareceu misteriosamente, em um suposto sequestro. Bill passava o tempo à espera de notícias do pai e ia todas as quintas-feiras ao telefone público previamente selecionado para situações de emergência. É o ponto de partida para Honra teu pai, que acaba por descobrir que as organizações armadas eram antes dominadas por judeus e irlandeses.
Não tardou para que italianos fossem comendo pelas beiradas até obterem o domínio completo das ações. Valendo-se do contrabando incentivado pela lei que proibia o consumo de álcool, a Máfia fez fortuna durante alguns anos, investindo também em jogos ilegais e em cassinos dentro e fora dos Estados Unidos.
Joseph, vindo de Castellamare del Golfo, na Sicília, não conseguia imaginar a possibilidade de um trabalho subalterno destinado a imigrantes e rapidamente encontrou nos grupos clandestinos a possibilidade de uma vida que julgava melhor. Ganhou espaço com grande velocidade e antes dos 30 anos já era um dos capos mais respeitados.
Um dos pontos interessantes a se notar na narrativa de Talese é que os mafiosos demoraram a cair na ilegalidade. Na maior parte do tempo, andavam pelas ruas, tinham negócios legais para justificar a alta movimentação de renda e chegavam a dar entrevistas a diversos veículos de comunicação.
Quando veio o combate, no entanto, as organizações entraram na rota da falência. Acostumado a conectar poder e riqueza, Bill sente-se humilhado quando não tem dinheiro para comprar um instrumento musical para os filhos. São longos anos de processos, julgamentos e condenações. A Máfia, detecta o autor, passará a ser controlada por imigrantes latino-americanos envolvidos no comércio de drogas. Os dias de Bill como mafioso estão chegando ao fim. O livro, não. Segue tão interessante quanto o foi há quatro décadas.
Dados sobre o livro
Título: Honra teu pai
Autor: Gay Talese
Título original: Honor thy father
Páginas: 512
Editora: Companhia das Letras
Preço: R$ 72
