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26 de março de 2011
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01:10

Um mês depois de atropelamento, ciclistas e motoristas buscam convivência

Por
Sul 21
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Um mês depois de atropelamento, ciclistas e motoristas buscam convivência
Um mês depois de atropelamento, ciclistas e motoristas buscam convivência
Ciclistas da Massa Crítica defendem o uso da bicicleta - Ramiro Furquim/Sul21

Igor Natusch

No dia 25 de fevereiro deste ano, o bancário Ricardo José Neis acelerou seu Golf preto sobre integrantes do grupo Massa Crítica em Porto Alegre. O ataque resultou em dezenas de feridos e em uma grande comoção, expondo de forma explícita e dolorosa a relação tensa entre bicicletas e automóveis nas grandes metrópoles do país. Passado um mês, o ataque ainda repercute de várias formas sobre a cidade, provocando uma intensa discussão sobre iniciativas que racionalizem a convivência nas ruas da capital gaúcha.

Os ciclistas ligados ao Massa Crítica lembraram a data promovendo uma pedalada pelas ruas da região central de Porto Alegre. Dezenas de ciclistas participaram da bicicletada, vários deles carregando cartazes lembrando do atropelamento coletivo e pedindo paz no trânsito da cidade. O Massa Crítica é um movimento espalhado por várias das maiores cidades do mundo, que reúne ciclistas para pedaladas coletivas, como forma de defender o uso de bicicletas como alternativa de transporte e deslocamento.

O incidente do final de fevereiro, que por pouco não resultou em tragédia, motivou uma grande manifestação em Porto Alegre, no começo de março. O ato reuniu mais de 2 mil pessoas. Ao fim da manifestação, representantes dos ciclistas foram recebidos pelo secretário municipal de Coordenação Política e Governança Local, Cezar Busatto. O encontro acabou sendo o começo de um diálogo entre poder público e ciclistas. Segundo o secretário Busatto, um grupo técnico foi formado, reunindo integrantes da fiscalização da EPTC e lideranças escolhidas pelos ciclistas, com o principal objetivo de discutir iniciativas de conscientização.

“É muito comum falar sobre como o ciclista deve se portar, que precauções deve ter, mas estamos avançando também na conscientização do motorista, que também precisa saber como se comportar. O episódio da Cidade Baixa nos mostrou isso com muita clareza”, diz Busatto. “Há muito desconhecimento, muita gente que acha que ciclista tem que andar na calçada e não na rua, por exemplo, quando é justamente o contrário. São coisas básicas, mas que as pessoas desconhecem”, explica o secretário. Para lidar com essa questão, um cartilha está sendo elaborada, mostrando alternativas para uma melhor convivência de carros e bicicletas nas ruas da capital.

Outras medidas incluem a renovação da sinalização em vias estratégicas e uma possível ampliação dos corredores específicos para bicicletas (ciclofaixas) em finais de semana. As reuniões do grupo técnico estão agendadas para ocorrer em intervalos aproximados de dois meses, e um novo encontro já está marcado para o dia 9 de abril.

Prefeitura instalou bicicletário no Largo Glênio Peres

Na sexta-feira (25), foi instalado um bicicletário no Largo Glênio Peres, região central de Porto Alegre. O espaço, em formato de cuia, atende uma reivindicação de ciclistas da capital, a partir de incidente acontecido em novembro do ano passado. Na ocasião, moradores foram de bicicleta até o Mercado Público fazer compras, acorrentando-as no portão do local, na falta de um lugar específico para os veículos. Na volta, outras correntes tinham sido colocadas sobre as bicicletas, impedindo que os ciclistas as pegassem de volta. Ao reclamarem da situação, receberam como resposta que bicicletas eram veículos de lazer, e não de transporte — o que provocou muitos protestos e levou a prefeitura a adotar medidas no sentido de instalar bicicletários em pontos estratégicos da capital gaúcha.

Valter Nagelstein/Twitpic

O secretário de Indústria e Comércio de Porto Alegre, Valter Nagelstein, aguarda parcerias com empresas privadas para viabilizar outros bicicletários na capital gaúcha. “A iniciativa privada é sempre importante para esse tipo de melhoria na cidade”, argumenta. “Se não fosse pelas parcerias, teríamos que fazer um projeto, licitar, esperar que houvesse previsão orçamentária. Infelizmente, isso limita muito o nosso raio de ação, de forma que a iniciativa privada acaba sendo um caminho”. A ideia é instalar bicicletários iguais ao do Largo Glênio Peres em áreas como o Bom Fim, que já conta com alguns lugares para estacionar bicicletas, e a Usina do Gasômetro.

“Governantes ignoraram bicicletas por mais de 50 anos”

O poder público municipal tem planos para a construção de uma série de ciclovias, que facilitariam ainda mais a vida de quem anda de bicicleta em Porto Alegre. Aprovado no ano passado, o plano diretor de ciclovias de Porto Alegre prevê até 493 km de possíveis ciclovias, cobrindo boa parte da extensão viária da cidade. O projeto requer, além de suplementação de verbas, uma parceria entre a Empresa de Transportes Públicos e Circulação de Porto Alegre (EPTC) e a iniciativa privada. Obras futuras, como o metrô de Porto Alegre e os chamados Portais da Cidade, já estariam prevendo o acesso de ciclistas, por meio de ligações com ciclovias e bicicletários.

Um dos possíveis problemas de um projeto para ciclovias em Porto Alegre pode estar na maneira como o trânsito foi planejado na cidade. Segundo o engenheiro Mauri Panitz, professor da Fundação Irmão José Otão da PUCRS, o nosso sistema viário sempre privilegiou “a máquina”, e mudar esse paradigma implicará muito trabalho. “Os governantes ignoraram as bicicletas por mais de 50 anos”, diz Panitz. “Na verdade, nem nos pedestres se pensou, sempre se priorizou o automóvel. Por isso a inclusão dos ciclistas acaba sendo difícil”.

Mauri Panitz acentua que a simples construção de ciclovias não é suficiente para racionalizar o uso das bicicletas como meio de transporte na capital gaúcha. “Não adianta termos ciclovias ligando o nada a coisa nenhuma”, afirma o professor. “Se uma pessoa vai para o estádio de futebol, por exemplo, ela terá uma ciclovia que possa ser usada, ou um bicicletário à disposição? Se a pessoa quer ir de bicicleta até o metrô, e a partir daí ir ao trabalho, vai existir um bicicletário nas estações? Hoje em dia, os shoppings têm enormes estacionamentos para automóveis, e praticamente nenhum espaço para bicicletas. Não basta criar as ciclovias, elas precisam estar inseridas em uma rede de origens e destinos, precisam ser parte de um plano maior”.

Um plano abrangente nesse sentido também deveria incluir, segundo o especialista em trânsito, uma maior adoção de estratégias de ‘traffic calming’, que incentivam a redução drástica da velocidade em determinadas vias públicas. Essas medidas incluem desde mudanças físicas nas ruas e avenidas (que podem ir desde estreitamentos e quebra-molas até o uso de chicanes) até a criação de zonas específicas para pedestres e ciclistas, nas quais o tráfego de automóveis é proibido ou restrito.

Ciclovias estão “um pouco atrasadas”, diz secretário

Segundo o secretário da SMIC, Valter Nagelstein, o plano diretor das ciclovias está “um pouco atrasado”, embora algumas obras já tenham tido início. O secretário da Mobilidade Urbana da capital, Vanderlei Luiz Cappellari, lista algumas dessas obras. Segundo ele, falta apenas a sinalização nos 4,8 km de ciclovias na Restinga, enquanto os 2 km na Diário de Notícias e o 1,2 km em Ipanema já estão concluídos. Obras na Edivaldo Pereira Paiva também já estão em andamento, e o projeto de ciclovia na avenida Ipiranga está concluído, com construção prevista para o ano que vem. Em 2011 devem ser realizadas obras semelhantes também na avenida Sertório, projeto que já conta com as verbas necessárias para viabilização.

“Acreditamos no modal cicloviário, e nossa disposição é toda no sentido de incentivá-lo”, garante Cappellari. Segundo ele, a escolha de vias como a Ipiranga para a continuidade das obras busca justamente a criação de uma malha de ciclovias, que facilite e encoraje o uso da bicicleta como meio de transporte. Essa rede, em conjunto com campanhas de esclarecimento, pode ser decisiva no sentido de melhorar a relação entre ciclistas e motoristas. “Temos consciência de que, além das obras, temos que provocar um processo de mudança de comportamento. Já tivemos avanços na relação motorista-pedestre, então é um bom momento para levar esse progresso para todo o universo da circulação de pessoas em Porto Alegre”, ressalta Cappellari.


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