Últimas Notícias > Geral > Noticias
|
3 de março de 2011
|
20:09

Sem dinheiro, operários do Nordeste aguardam definição sobre obras da Arena do Grêmio

Por
Sul 21
[email protected]

Ramiro Furquim/Sul21

Igor Natusch

Para alguns operários, um lance de calçada da Avenida Farrapos, entre o viaduto da Conceição e a rua Barros Cassal, resume tudo que eles tiveram a chance de conhecer em Porto Alegre. São trabalhadores que vieram do nordeste, convocados pela construtora OAS para integrar as obras da Arena do Grêmio, embargada pelo Ministério do Trabalho na quarta-feira (2). Enquanto a situação não se define, resta a eles aguardar, sem dinheiro e sem notícias, pelo dia em que o contrato será assinado e eles poderão, enfim, conhecer algo mais do que algumas esquinas da capital gaúcha.

A pequena extensão abriga os hotéis Elevado, América e Minuano, onde uma leva de trabalhadores nordestinos está hospedada há 15 dias, esperando uma definição sobre seu futuro imediato. Alguns deles estão em outro Hotel, o Acaju, localizado algumas quadras à frente. Nos hotéis ficam os que ainda não começaram a trabalhar na Arena: os que já estão participando das obras dormem no próprio canteiro, em instalações que foram consideradas inseguras pelos fiscais do Ministério do Trabalho. “O senhor viu as fotos? Pior que chiqueiro”, comenta um dos operários, preocupado com a possibilidade de ter que se instalar no local.

Os valores dos quartos oscilam entre R$ 41 e R$ 69. No América, estão pelo menos 30 operários; no Elevado, outros 14. Essas pessoas não receberam, até o momento, nem um centavo da empresa que os trouxe para o Rio Grande do Sul. “Meu dia é ficar aqui na frente, indo para lá e para cá”, diz um dos trabalhadores, que veio de Sergipe para ajudar a erguer o novo estádio. “Não tenho dinheiro para pegar um ônibus, para me divertir, para tomar um guaraná ali no bar. Tenho que ficar aqui encostado, contando os carros que passam”.

Operários trabalharam para OAS no Maranhão

Ramiro Furquim/Sul21

Esses operários encararam longas viagens de ônibus, em alguns casos ficando até 4 dias seguidos na estrada. A maioria saiu de estados como Sergipe, Bahia e Pernambuco. Muitos toparam a viagem em nome de experiências anteriores com a OAS, em outras obras espalhadas pelo país. “Trabalhei para eles no Maranhão e foi tudo certo, pagaram tudo direitinho”, afirma um dos homens encostados na fachada do Hotel América. “Quando nos chamaram para trabalhar aqui, pensamos: nos trataram bem antes, pagaram certo, vamos para lá. Mas os donos da OAS aqui não devem ser os mesmos de lá, porque isso que estão fazendo com a gente não é certo”, lamenta.

Os operários, em sua maioria pedreiros e ajudantes de obras, pagaram valores de até R$ 200 para agenciadores, com a esperança de receber em solo gaúcho valores de até R$ 850 reais líquidos por mês, sem contar horas extras. Segundo eles, dá para tirar até R$ 1.600/mês, se o trabalhador se esforçar bastante. No entanto, os profissionais já perceberam que a situação em Porto Alegre será um pouco diferente. “Aqui, com os descontos, vamos ganhar uns R$ 700 por mês, e olhe lá. E sem hora extra. Os agenciadores mentiram para a gente”, lamenta um trabalhador, vestindo uma camisa pirateada de um time europeu.

Impossibilitados de trabalhar, longe demais de sua terra natal, os homens que vieram do Nordeste para erguer o novo estádio gremista dependem da boa vontade daqueles que o trouxeram para cá. Além dos bolsos vazios, sofrem com incertezas de todos os tipos. Enquanto conversavam com a reportagem do Sul21 na noite de ontem (02), os homens aguardavam a chegada de uma van que traria a alimentação noturna dos operários. O alimento – arroz, feijão, bife, saladas e uma maça de sobremesa – foi trazido por uma van sem identificação, por volta das 19h45.

Eles recebem três refeições por dia: café da manhã (“normalmente é um pãozinho e café com leite”, explica um dos homens), almoço e jantar, em marmitas de alumínio. Para comer, garfos e talheres de plástico. “Tem horas que a janta só chega por volta das onze da noite. Chega tudo frio, de qualquer jeito. Ficamos quase uma semana sem receber água (mineral). Me sinto um bandido, como se estivesse na cadeia”, conta um dos operários, revoltado.

“Ninguém nos explica nada”

Ramiro Furquim/Sul21

A grande preocupação desses homens, agora, é com relação ao pagamento que irão receber. Ainda que o Ministério do Trabalho tenha determinado que os valores remontem desde a saída deles do Nordeste, pessoas ligadas à OAS teriam dado a entender que o pagamento contaria apenas a partir do dia 1º de março. Muitos garantem que, se isso acontecer, se recusarão a assinar os papéis. “Ninguém aparece aqui, ninguém nos explica nada”, reclama um dos trabalhadores vindos de Sergipe, tentando controlar a indignação. “Já estamos aqui, queremos trabalhar. Se nos chamarem para assinar, a gente vai e trabalha. Mas tem que pagar tudo certinho, né?”

Além da indefinição sobre o pagamento, pesa também a preocupação com as famílias que foram deixadas para trás, do outro lado do país. Para muitos, o dinheiro a receber é fundamental para o sustento de suas esposas e filhos. Três trabalhadores, inclusive, já teriam desistido, assumindo os prejuízos e retornando, por conta própria, para o Nordeste. Um dos operários, vindo da Bahia, resume a preocupação de todos com a situação de seus familiares. “Eu ao menos tenho um teto, me dão comida. E a minha filha, a minha mulher, como ficam? Elas estão lá sem dinheiro, e eu não posso fazer nada. Pego o mapa do Brasil, olho a distância e meu Deus, é muito longe”.

“Se eu voltar para casa sem dinheiro, não tem problema, Jesus toma conta de mim e me dá força para trabalhar”, diz outro trabalhador, que endividou-se comprando ferramentas para trabalhar na construção da Arena. Seu equipamento está dentro da mala, do mesmo modo que veio, sem ter sido usado sequer uma vez. “Vendo a minha moto, compro uma mais velha e uso o lucro para pagar as dívidas. O que a gente quer é que definam a nossa situação. Ou assinam nosso contrato de uma vez, ou nos pagam para voltar para casa”.


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora