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11 de fevereiro de 2011
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00:57

PT chega aos 31 bem-sucedido, mas com desafio de fugir do fisiologismo

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Sul 21
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Foto: Divulgação/PT

Felipe Prestes

O PT completa 31 anos como um jovem adulto bem-sucedido. Um rapaz que deixou a rebeldia de lado para alcançar seus objetivos. Os oito anos à frente do Palácio do Planalto fizeram com que o partido pusesse em prática ideais de inclusão social que levaram o Governo Lula a ser reconhecido internacionalmente e aprovado no país com a eleição de Dilma Rousseff. Mas, com número cada vez maior de parlamentares e governantes espalhados pelo país, o PT corre o risco de se burocratizar e se afastar cada vez mais dos anseios da população, lutando apenas para se manter no poder.

“O partido não surgiu dos gabinetes, surgiu de diversas lutas do povo brasileiro”, lembra o ex-governador do Rio Grande do Sul Olívio Dutra. Como sindicalista e trabalhador de um banco, Olívio foi um dos primeiros a rodar o país — “isso lá por 1977, 1978” — e disseminar a ideia da formação do partido, cuja reunião de fundação ocorreu no dia 10 de fevereiro de 1980.

“Nascemos com a proposta de ser um partido do socialismo democrático, um partido em que todos que se filiassem pudessem participar dos debates e decisões, um partido de diálogo com os movimentos sociais”, afirma. Olívio conta que o PT foi se organizando por meio de núcleos de base, divididos por local de trabalho, ou local de moradia e também núcleos nos movimentos sociais. “Tínhamos muitas dificuldades, em certos locais nem tínhamos como ter candidatos”, conta.

O presidente municipal do PT de Porto Alegre, Adeli Sell, diz que o partido foi ousado e conseguiu se espalhar no meio rural graças ao apoio de setores da Igreja. “O PT teve muita ousadia, desde o início. Começou nas grandes cidades, conseguiu conquistar o operariado urbano, os estudantes, mas logo foi para as comunidades rurais, com o apoio de setores da Igreja, para os confins do Brasil. Hoje, está espalhado por todo o país.”

Bandeira do PT era contra a ordem (Foto: Aguinaldo Zordenoni)

Contra a ordem

As ideias do PT, quando de sua fundação, se balizavam por ícones soviéticos como Lênin e Trotsky, e a unidade ideológica dos integrantes petistas se dava exatamente por acreditar em um modelo de socialismo divergente do modelo da URSS depois da morte destes revolucionários. “O PT era formado por um conjunto de tendências que disputavam a hegemonia dentro dele. Havia correntes de intelectuais trotskistas, leninistas, além de participantes de movimentos sociais ligados à Igreja e de movimentos sindicais. Na época, a unidade ideológica se dava por uma forte crítica ao socialismo soviético”, afirma o cientista político Benedito Tadeu César.

De acordo com Benedito, o PT pensava em chegar ao poder pela via eleitoral para buscar um tipo de socialismo com participação popular, que se construiria na prática, “ninguém sabia muito bem que socialismo era esse”. “Palavras como social-democracia, à época, eram um palavrão dentro do partido”, conta o cientista.

“O nosso partido nasceu nitidamente contra a ordem, combatendo o status quo da época. Nossa ideologia era a da esquerda tradicional”, relembra o presidente municipal do PT em Porto Alegre, Adeli Sell. Adeli divide a história do PT em períodos. Até 1988, para o dirigente, o partido vivia o período da “contra-ordem”.

Benedito Tadeu César conta que nas eleições de 1982, o PT fez pouco mais que 3% dos votos em todo o país. Mas o partido não era um simples nanico. Tinha apoio maciço de sindicatos não só na classe operária como de assalariados de classe média e com alta escolaridade. Logo na primeira eleição, o PT conseguiu as prefeituras de Diadema, em São Paulo, e Santa Quitéria, no Maranhão. E também arrebanhou cadeiras parlamentares pelo país. Em 1985, veio a primeira prefeitura de capital, em Fortaleza, com Maria Luíza Fontenele, que não conseguiu governabilidade.

Afirmação e democracia popular

Em 1988, o PT alcança a prefeitura da maior cidade do país, São Paulo, com Luíza Erundina e em Porto Alegre, com Olívio Dutra, além de cidades importantes como Vitória, São Bernardo do Campo e Campinas. Para Adeli Sell, este foi o período em que o partido se afirmou, com administração calcadas na democracia popular e ferramentas como o Orçamento Participativo.

É neste período também que o partido começa a se estruturar institucionalmente. “Nossa estrutura era não profissional, de muita militância e voluntarismo. A gente viajava noites de ônibus, ficava hospedado na casa dos companheiros. Não tinha esta mordomia de carro com motorista, dormir em hotel e coisas do tipo. Isto é o PT já do início dos anos 90, quando chega a institucionalidade”, conta Adeli.

Com a atuação nas administrações municipais, o perfil do eleitor do PT se amplia para as camadas mais baixas da população, porque o partido realiza políticas voltadas para as regiões abandonadas das grandes cidades. “O perfil do eleitor do PT mudou de um trabalhador assalariado, de classe B, com alta escolaridade e passou a ser mais de pessoas de baixa renda, que são a maioria da população”, afirma Benedito Tadeu César. Essa mudança no eleitorado ficou mais nítida durante o Governo Lula, quando as denúncias de corrupção e as alianças amplas do PT decepcionaram parte do eleitorado de classe média, ao passo em que as políticas de distribuição de renda conquistavam ainda mais o eleitor de baixa renda.

Para Adeli Sell bandeiras como a igualdade de gênero diferenciaram o PT (Foto: Divulgação/PT)

A participação popular é considerada por fundadores do PT como um dos maiores legados do partido para a política brasileira. “Nestes 31 anos, o PT trouxe para o cenário político o protagonismo do povo, dos movimentos sociais”, afirma Olívio Dutra. “O partido se diferenciou, levantou certas bandeiras. Inclusão social, democracia, liberdade, combate ao racismo, ao preconceito de gênero, lutas pela liberdade sexual, pela criança e o adolescente”, diz Adeli Sell.

Guinada ao centro

Para o presidente do PT de Porto Alegre, Adeli Sell, 1994 marca um novo período para o PT. Depois que a sigla começou a crescer eleitoralmente e que Lula quase venceu as eleições presidenciais em 1989, a expectativa de que o ex-metalúrgico se tornasse presidente, após a decepção dos brasileiros com Fernando Collor de Mello, era muito grande. “Nos oito anos seguintes (durante o governo FHC), o PT acumula forças, repensa táticas, repensa o programa”.

Para Benedito Tadeu César, a guinada do PT começa com a chegada de José Dirceu à presidência do partido, em 1997. O objetivo principal de um grupo de formuladores que tinha, além do próprio Dirceu, petistas como Gilberto Carvalho, Marco Aurélio Garcia era viabilizar a chegada de Lula ao Palácio do Planalto. “O PT passou a aceitar como válidas as regras do jogo atuais e se relacionar com mais partidos e instituições. Há um crescimento progressivo do entendimento no PT de que esta democracia formal, que antes era chamada pejorativamente dentro do partido de democracia burguesa, é um valor que precisa ser respeitado. Um entendimento de que se pode ampliar conquistas sociais utilizando o aparelho do estado, mas sem tomar conta dele”, afirma o cientista político.

Entre as mudanças por que o PT passou está uma política de alianças mais amplas. “Tínhamos restrição a coligação até com partidos de centro-esquerda. Hoje, coligamos, inclusive com partidos de centro-direita, temos restrições, por diferenças ideológicas, com PSDB, DEM e PPS”, diz Adeli Sell. O dirigente petista ressalta, contudo, que, o PT só se alia com forças de centro-direita para viabilizar projetos em que é hegemônico. “No meu entender o PT é um partido social-democrata radical. Radical porque privilegia os excluídos, é um partido reformista de esquerda. Mas não é radical para contestar o estado, o capitalismo”, define o petista.

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José Dirceu: alvo principal da imprensa e da oposição durante a crise do mensalão (Foto: Wilson Dias/ABr)

Crise ética

A guinada do PT obteve sucesso no intuito de eleger Lula e depois veio o desafio da governabilidade. A política de alianças conduzida de forma atabalhoada culminou com a crise do mensalão, que teve como denunciante o “aliado” Roberto Jefferson, descontente porque o governo investigava um correligionário seu. Mesmo que não tenha havido compra de votos de parlamentares, como alegam os petistas, todos reconhecem a prática do caixa 2 de campanha, o que também denota que a vontade de governar havia extrapolado os limites éticos.

O caso do mensalão, em 2005, gerou uma crise no partido, em que velhos militantes bradavam por uma “refundação” e muitos outros deixaram o partido, como o jurista Hélio Bicudo. Para ele, o caso colocou por terra todo o ideário do PT. “O ideal do partido era defender uma política que fosse extensiva à população, mas com fundamento na ética e na moral. O PT perdeu sua identidade. A identidade do PT era honestidade, moral e ética. Hoje é um partido como outro qualquer, farinha do mesmo saco. O ideal do PT é o poder e usar o poder em benefício dos seus membros”.

O jurista acredita que este uso do poder pelo poder se tornou generalizado dentro do PT. “O partido político que chega a este ponto não muda mais”, acredita. Para Hélio Bicudo o problema não é exclusivo do PT e ele acredita que só uma reforma política mudará os partidos políticos no país. “No Brasil se você não tiver uma reforma política que atenda aos princípios éticos e morais, você vai continuar patinando na usurpação do poder e uso do poder para si próprio”.

“Antes de atingir o poder, o PT era um partido que fazia oposição, que tinha uma meta de fazer com que as instituições funcionassem e se guiassem por princípios éticos e morais”, diz Bicudo, que não sabe dizer como e quando as coisas mudaram. “Você não pode fixar termos. As coisas acontecem. Aconteceu em um determinado momento, não sei qual”.

O presidente do PT de Porto Alegre, Adeli Sell, admite que houve caixa 2 de campanha e acredita que o caso teve repercussão exagerada, por setores da imprensa que queriam ver o partido longe do poder. “O mensalão tomou a dimensão que tomou por causa da imprensa que não aceita o PT. O caso do mensalão foi um problema de caixa 2, de financiamento equivocado de campanha. Ninguém enriqueceu com isto, a não ser um que outro que ganhou carro de presente. Muitos dos nossos foram penalizados porque a imprensa queria derrubar o governo Lula”. O dirigente diz que o episódio estigmatizou não só o PT, mas a classe política. “Estigmatizou (o partido), e por isso é que muitas pessoas rejeitam a política”.

Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr
Como partido hegemônico, PT corre o risco do fisiologismo (Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr)

Os riscos da burocratização

Com quase 1,5 milhão de filiados, o PT vai para mais quatro anos à frente do governo federal, com milhares de parlamentares Brasil afora e participações em administrações municipais e estaduais. Nesta conjuntura alvissareira para a sigla, manter uma militância ideológica se torna o grande desafio petista nos próximos anos. “O partido consegue cada vez mais espaços na institucionalidade, mas isso não é a solução, é um caminho, um processo. O partido não pode perder o seu caráter. É um partido de transformação, não de acomodação. Há uma estrutura de gabinetes em todos os níveis, que faz o partido girar em torno disto. O partido tem um problema, um desafio”, alerta o ex-governador Olívio Dutra.

Para o petista histórico, o PT precisa ser uma “escola permanente”, estar sempre refletindo sobre seus rumos. Olívio ressalta que, com a política de alianças do PT em âmbito nacional, as transformações no país são lentas, sem a intensidade necessária. “O partido provocou mudanças importantes, mas a sociedade brasileira permanece injusta, com grande concentração de renda e de terra. Essa conjugação de forças em vez de ajudar pode tornar o processo mais demorado, impede a radicalização das transformações”.

“O grande risco do PT é se burocratizar em excesso. Todo o partido é um canal de ascensão social, o risco é se tornar cada vez mais este canal. Aí, o partido se tornará um defensor do status quo”, afirma o cientista político Benedito Tadeu César. O cientista diz também que o partido tem conseguido se renovar em proporção menor do que consegue acesso a cargos públicos.

Para Adeli Sell a explicação para o envelhecimento dos quadros do PT se deve à condição hegemônica, que é pouco sedutora aos jovens. “O PT é um partido que envelheceu muito rapidamente. A juventude tem certo bloqueio com relação ao PT porque o vê como o partido da ordem”, diz. Sell garante que, na sua gestão à frente do partido, tem tentado levar o partido para as ruas e divulgá-lo por meio da internet, para sensibilizar os jovens.

Benedito Tadeu César afirma que o poder de mobilização dos partidos já não é o mesmo, em uma sociedade em que o acesso à informação é cada vez maior e menos concentrado. “Você não tem mais uma sociedade de massas, onde os partidos são uma das únicas formas de mobilização e de formação e informação sobre política. Hoje as pessoas abrem o jornal, o computador, a televisão e veem o que está acontecendo. Os partidos têm que encontrar uma maneira de se renovar, saber o que as pessoas estão pensando, se sintonizar com isso”.

Sell também reconhece os riscos de burocratização e fisiologismo que o poder traz. “Isso é um forte risco. Todos os partidos que tomaram parcelas significativas do aparelho de estado têm um risco de a militância se acomodar, ou tirar proveito pessoal”. O dirigente, contudo, é otimista quanto ao futuro da sigla. “O PT tem muito ainda uma característica de militância, de rebeldia, de questionamento, de expansão democrática. O PT é um partido de inclusão”.


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