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12 de fevereiro de 2011
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14:00

José Hamilton Ribeiro, repórter de guerra e de paz

Por
Sul 21
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José Hamilton Ribeiro/ Ramiro Furquim/Sul21

Felipe Prestes

Aos 75 anos de idade, José Hamilton Ribeiro continua fazendo o que mais gosta e faz há mais de cinco décadas: reportagens bem fundamentadas, com tempo e liberdade para trabalhar. Em 1968, quando cobria a Guerra do Vietnã, para a revista Realidade — um de seus melhores trabalhos –, acabou mais notabilizado por ter perdido a perna esquerda, ao pisar numa mina terrestre. “Eu estava lá fazendo uma reportagem, que era o dia-a-dia da guerra. E aí tem uma segunda reportagem sobre este acidente. Esta segunda reportagem ficou mais famosa, apareceu mais que a primeira. Mas o meu trabalho jornalístico mesmo, cuidadoso, foi na primeira”, conta.

No final daquele ano, o AI-5 inviabilizou o trabalho do repórter investigativo no país. Circunstâncias da vida familiar e profissional fizeram com que ele reencontrasse o exercício pleno da atividade de repórter no programa Globo Rural, a partir do início da década de 1980, onde trabalha até hoje. No programa, José Hamilton descobriu o gosto por falar de bichos e de cultura popular e a paz de estar longe da pressão por Ibope. No horário matutino dos domingos, o repórter também fala de conflitos, em temas como o MST e a defesa do meio-ambiente.

José Hamilton esteve nesta semana em Porto Alegre. Veio fazer para o Globo Rural um perfil do folclorista Paixão Côrtes. O Sul21 conversou por quase uma hora com o repórter, no café do hotel onde estava hospedado.

Logo no início do bate-papo, José Hamilton deixou transparecer que a revista Realidade foi mesmo a grande escola do jornalismo investigativo no país. Foi ele quem puxou o assunto com o qual começamos a entrevista, perguntando se minha intenção era falar sobre o livro “Realidade Re-vista” (Ed. Realejo), lançado em dezembro último. Organizado pelo também ex-repórter da revista José Carlos Marão, com a colaboração de José Hamilton, o livro compila as melhores reportagens, com making-off e contextualização do período áureo da revista, entre 1966 e 1968.

Sul21: Das reportagens que o senhor fez quais foram as mais marcantes que entraram neste livro?
JHR
: Entraram uma sobre um coronel, uma sobre transplante de rim, uma que se chama “Escola do Amanhã — Um homem sem leitura”, o perfil de um analfabeto; entrou também uma experiência de vivência como analfabeto em São Paulo. Uma reportagem feita com o Chico Buarque e um perfil do Chico Xavier, um perfil verdadeiro Chico Xavier sem a xavecada que existe em relação a ele.

José Hamilton Ribeiro / Ramiro Furquim/Sul21

“O AI-5 não abalou só a Realidade. Abalou a imprensa em geral e a reportagem investigativa no país”

Sul21: A revista Realidade tem algum paralelo na história do jornalismo brasileiro, ou é ainda uma publicação singular?
JHR
: Uma publicação tem a ver com suas circunstâncias. No caso da Realidade, confluíram várias circunstâncias que favoreceram o surgimento dela. Primeiro: o Brasil estava em um regime militar, mas não havia censura à imprensa; os bispos, os estudantes, os partidos atuavam. Segundo: eram os anos 60, onde aconteceu tudo no mundo, e resvalou no Brasil. Talvez tenha sido uma das únicas décadas em que o Brasil esteve afinado com o resto do mundo. O Brasil é um país retardado, um dos últimos a ter universidades, a libertar os escravos, a ter uma República. Mas nessa década o Brasil estava afinado, pelo menos neste primeiro período de existência da revista, entre 1966 e 1969. No final de 68, houve o endurecimento do regime. Passou a ter censura à imprensa e a revista começou a cair.

Sul21: Foi o AI-5 que matou a revista?
JHR
: Não foi só ele, mas foi o gatilho. Em função do AI-5 começaram a acontecer outras coisas que levaram à decadência da revista. Ela foi morrer sete anos depois, com o surgimento da Veja. O AI-5 não abalou só ela. Abalou a imprensa em geral e a reportagem investigativa no país. Um dos aspectos interessantes do surgimento da Realidade é que foi a primeira revista de interesse geral da Editora Abril, uma editora nascente. E a editora faz uma aposta nesta revista, põe recursos para fazer reportagem. Jornalismo é uma coisa cara, e bom jornalismo é muito caro. E o produto mais caro que tem é a reportagem investigativa. Outra circunstância é que a revista reuniu um grupo de jornalistas por volta de trinta anos, incluindo o diretor da revista. Eram ainda jovens, mas com muita experiência. As pessoas chegavam ali com pelo menos dez anos de experiência de jornalismo de primeira linha. A confluência destas circunstâncias resultou em um produto que correspondia ao slogan criado pela revista: ‘Afinal a revista que faltava’.

Do ponto de vista do jornalismo brasileiro, o que a revista fez foi dar credibilidade à reportagem. Até então, a figura do repórter de revista, em função das publicações que havia, era um pouco dúbia. A reportagem ainda misturava interesse comercial. A credibilidade do repórter não era lá essas coisas. Na Realidade não havia nem hipótese de que saísse uma reportagem comprada. E a reportagem sempre envolvia uma vivência. O repórter não se limitava a ligar para duas ou três pessoas. Ele tinha que vivenciar aquele assunto. Então, as reportagens eram muito confiáveis. Algo que foi essencial para a revista foi a qualidade do texto. Era uma qualidade, entre aspas, literária. Um texto que dava prazer de ler. Com riqueza de vocabulário, palavras apropriadas. Sobretudo isto: a luta era pela propriedade da palavra.

Sul21: Este cuidado com o texto e a vivência do repórter nas matérias, aliados ao alto custo da reportagem, são motivos para que tenhamos menos reportagem hoje em dia?
JHR
: Basicamente é pelo fato de ser caro. Repórter bom nós temos. Precisa ter uma estrutura atrás, de pauta, de criatividade, de discussão de pauta. Tem que ter uma estrutura atrás da edição da matéria. O editor pode estragar um texto ou melhorá-lo. Normalmente estraga, corta errada. Mas um bom editor, caprichoso, pode até cortar, mas corta no lugar certo. Repórter nós temos, temos a estrutura de redação, cada veículo tem — em maior ou menor grau — editoria, criatividade de pauta, reunião de pauta. O que falta é o empenho das empresas em submeter a reportagem a um orçamento que permita ao repórter viajar, ficar muitos dias pesquisando. Ficar trabalhando um mês e, se um mês não deu, ficar mais outro mês. E se dois meses não for o suficiente, mais um. Porque não se trata da produção de uma notícia de jornal, mas de uma reportagem investigativa, de longo curso. É uma peça, não é uma notícia que você faz em cima da perna para o jornal que está fechando na hora.

Ramiro Furquim/Sul21

“Temos a ideia de que guerra do Vietnã foi dos americanos contra o comunismo. Mas não foi”

Sul21: Na revista Realidade o senhor fez a cobertura que ficou mais famosa, a da Guerra da Vietnã. O repórter de guerra tinha, naquela época, mais liberdade?
JHR
: A Guerra do Vietnã, por circunstâncias especiais, foi a guerra que teve a melhor cobertura jornalística. Foi uma guerra um pouco atípica. Temos uma ideia, hoje, de que foi uma guerra dos americanos contra o comunismo. Mas não foi. O Vietnã estava dividido em dois. E o Norte, comunista, tentava invadir o Sul, que era, entre aspas, democrático e que tentava se defender. Na ânsia de se defender, o Sul procurou países ocidentais, mas não só os Estados Unidos. Havia tropas do Canadá, da Coreia do Sul e de outros países. O Norte havia buscado apoio da União Soviética e da China. Então, não era uma guerra americana.

E o comando da guerra, inclusive a parte burocrática, de credenciamento de jornalistas, quem fazia era o governo do Vietnã do Sul, um governo de Terceiro Mundo. Você podia corromper qualquer funcionário e conseguir uma credencial de jornalista por US$ 30. Então, jornalistas e aventureiros de todo o mundo iam para o Vietnã por sua conta. Conseguiam uma credencial, compravam um uniforme militar com uma placa de imprensa e saíam Vietnã adentro, na esperança de fazer uma grande reportagem e vender depois. Muitos fizeram grandes reportagens; alguns americanos fizeram reportagens históricas. Sabe quem é o Errol Flynn? Um grande artista de Hollywood. O filho dele se chamava Sean. Era um rapaz entusiasmado. Conseguiu uma credencial de repórter, entrou Vietnã adentro e nunca mais foi achado. Muitos jornalistas sumiram lá no Vietnã. Mas muitos também produziram grandes reportagens e documentários. A Guerra do Vietnã praticamente não teve censura à imprensa. Havia certo controle, mas nem se compara às guerras de hoje. E o efeito da cobertura da Guerra do Vietnã produziu tamanha erosão na opinião pública americana, que criou o fenômeno de os jovens não aceitarem mais o recrutamento militar.

Sul21: Talvez até por isso as coberturas tenham passado a ser mais restritas.
JHR
: Exatamente. Aquilo erodiu a confiança no governo americano, na presidência. Até então, não era concebível um americano receber um recrutamento e se negar a ir, porque a confiança do povo na presidência era cega. Isso teve várias repercussões na vida americana. Do ponto de vista da cobertura de guerra, os americanos aprenderam uma lição e a levaram ao extremo. Tanto que a reportagem mais sensacional da Guerra do Iraque, na minha opinião, foi quando o Saddam é encontrado em um buraco. Sujo, parecia que tinha até piolho. Ele sai do buraco, é submetido a um exame, murmura alguma coisa. Foi uma reportagem que foi manchete nos telejornais do mundo inteiro naquele dia e nos dias seguintes. A reportagem mais sensacional da guerra não tinha nenhum jornalista. Nenhum repórter falou com Saddam, nem o viu de uma distância em que se podia conversar com ele. Viram o Saddam depois, no Tribunal, bem de longe. A câmera era do Exército. As perguntas eram do Exército. Depois passavam tudo para os jornalistas. Na guerra, a primeira vítima é a verdade. Os americanos levaram isto a sério depois do Vietnã. Na cobertura de guerra americana, hoje em dia, você tem que se submeter a isto. Um oficial do Exército te procura: ‘Hoje aconteceu isto, temos imagem daquilo’. Mas você ir ver não dá, não.

Sul21: Ainda é possível fazer uma boa cobertura de guerra?
JHR
: Os grandes repórteres sempre conseguem. Atualmente, não estamos tendo, por exemplo, cobertura da Guerra do Afeganistão. Um país importante, um acontecimento histórico importante e a imprensa brasileira não está nem aí. Os americanos parecem que acompanham um pouco melhor, principalmente as revistas semanais. Está havendo uma guerra pavorosa na Chechênia. Não saiu nenhuma linha no Brasil. Talvez a imprensa ache que não adianta mandar ninguém para a Chechênia, porque os russos não vão deixar entrar ninguém mesmo, não vão deixar ver nada. A guerra da China com o Tibet, esta guerra fria (também). O jornalista que entrar lá é trucidado. Hoje, a vigilância sobre o correspondente de guerra é absoluta.

Sul21: O que o senhor mais gosta de seu trabalho de reportagem no Vietnã? A que cenas que o senhor descreveu, entrevistas que fez, o senhor atribui o sucesso da cobertura?
JHR
: Ihh… Olha, na verdade, a reportagem do Vietnã são duas. Eu estava lá fazendo uma reportagem, que era o dia-a-dia da guerra. Esta reportagem estava praticamente pronta, quando, no último dia de minha estada lá, fui ferido por uma mina. E aí tem uma segunda reportagem sobre este acidente. Esta segunda reportagem ficou mais famosa, apareceu mais que a primeira. Mas o meu trabalho jornalístico mesmo, cuidadoso, foi na primeira. Esta reportagem sai agora neste livro sobre a Realidade.

Ramiro Furquim/Sul21

“Trabalhei em jornais do interior com a seguinte filosofia: já que não é possível trabalhar o conteúdo no jornalismo, vou trabalhar a forma”

Sul21: No auge da ditadura militar o senhor foi trabalhar em veículos do interior de São Paulo. Havia mais liberdade nos veículos do interior, a ditadura não olhava tanto para eles? Era possível fazer reportagem nestes jornais?
JHR
: Não. A ditadura inviabilizou o trabalho do repórter. Não tinha mais reportagem investigativa. Não tinha porque o governo não deixava. Mas, também, porque os próprios jornais e revistas — já que não deixavam mesmo — aproveitaram e cortaram toda a verba de reportagem, de viagens, de tudo. O repórter ficou morto na redação, fazia entrevistas por telefone, não ia a lugar nenhum. Aliás, isso viciou, de certa forma, a grande imprensa. Hoje, se faz tudo por telefone ou pela internet. No meu caso, e houve vários outros semelhantes, não fui mandado embora, mas fiquei sem função. Fiquei como um zumbi na redação. Era repórter, mas não podia fazer reportagem. E, se fizesse, não poderia publicar. Então, eu tirei uma licença da Editora Abril e fui trabalhar em jornais do interior com a seguinte filosofia: já que não é possível trabalhar o conteúdo no jornalismo, vou trabalhar a forma.

Aceitei um convite para fazer uma reforma gráfica em um jornal de Ribeirão Preto, que coincidiu com uma reforma tecnológica. Foi a primeira vez, no interior de SP, que um jornal passou a utilizar impressão offset. Estas reformas, aliadas a uma reforma editorial, deram um brilho para um jornal que foi uma coisa impressionante. Tanto que os outros jornais, no mês seguinte, tiveram que fazer o mesmo. Quando terminou a reforma em Ribeirão Preto, um jornal de São José do Rio Preto me chamou para reformar também. Depois, fui fazer o mesmo em Campinas. Imagine só, Campinas, a maior cidade do interior de São Paulo, tinha jornais com tecnologia do século XIX. Quando terminou o contrato de Campinas já estava no período da abertura e o jornalismo de reportagem começava a reflorescer. Aí eu fui convidado para ir para o Globo Repórter, depois passei para o Globo Rural e estou lá até hoje.

Sul21: Muita gente estranha que o senhor tenha passado a fazer reportagens apenas voltadas para o meio rural. Como ocorreu esta mudança? O senhor sente falta de cobrir temas de guerra, de política? O senhor se sente no exercício pleno da reportagem, atuando para o segmento rural?
JHR
: Como dizia o Ulysses Guimarães, citando Fernando Pessoa: ‘O homem é o homem e suas circunstâncias’. Eu trabalhava na sucursal do Globo Repórter em São Paulo, no início dos anos oitenta, e o programa não tinha horário fixo na grade de programação da emissora. Chegou um momento em que a Globo comprou uma série muito grande de programas, que ocupava o espaço do Globo Repórter durante três meses. O pessoal do programa foi aconselhado pela Globo a se acomodar em algum programa similar durante este período. Em São Paulo, eu podia ir para o Fantástico ou para o Globo Rural. O Fantástico, na época, era muito policial, eu não gosto muito, então fui para o Globo Rural. Acontece que o Globo Rural me deu oportunidades de fazer reportagens — não na área agrotécnica, que eu não entendo nada — mas sobre natureza, cultura popular do campo, defesa do meio ambiente, reportagens sobre peixes, onças. Para mim foi uma descoberta. Quando voltou o Globo Repórter, fecharam a sucursal de São Paulo. Eu teria que ir para o Rio de Janeiro. Com criança na escola, pedi um prazo para ficar no Globo Rural, em São Paulo, e ajustar minha vida. Acabei não indo nunca mais.

Sul21: Essas reportagens fora das grandes cidades lhe fazem feliz?
JHR
: Ah, sim. Uma curtição. Conforme o assunto. Tem assunto ruim, pedregoso. Mas, tem alguns em que eu me sinto bem.

Ramiro Furquim/Sul21

“Sou nascido em uma vila rural. Tenho este mundo rural no meu subconsciente”

Sul21: O senhor fez reportagens neste período de Globo Rural das quais o senhor gosta tanto quanto das grandes reportagens da época da Realidade, por exemplo? Para o senhor, o que são grandes trabalhos?
JHR
: Claro. O Globo Rural é um programa semanal. Eu trabalho no Globo Rural de domingo. O programa diário é mais informativo, fala de cotações de produtos, previsão do tempo. O programa de domingo é quase que um documentário. A reportagem final tem acabamento. Como é um programa matinal, que sofre pouca pressão de Ibope, ele pode ter um ritmo mais de acordo com o ritmo natural das pessoas. O telejornalismo, especialmente o da Globo, tem um ritmo alucinante. O Jornal Nacional passa de um assunto para o outro com uma velocidade tão grande que você não fixa direito. Em função da concorrência, a notícia virou um show, tem que ser uma coisa pulsante. No Globo Rural, se você está filmando no campo e um passarinho passa voando, você pode acompanhar o passarinho, pôr uma música, sentir o clima daquilo. Permite você fazer alguns documentários interessantes. O Globo Rural não é um programa agrotécnico; ele está ligado à alma do homem do campo. Ele é aberto para a alegria, para o problema, para a discussão. No Globo Rural, você pode fazer uma boa matéria sobre o MST, sobre a Dança da Enxada, que eu descobri que tem em Minas Gerais. São reportagens que acho que tem valor equivalente (às de outros programas/veículos). Claro que o Ibope é muito menor. Como é programa de manhã, jornalista não vê. Então, não tem crítica na imprensa.

Sul21: O senhor nasceu no interior de São Paulo (na cidade de Santa Rosa do Viterbo). Fazendo o Globo Rural o senhor reencontra esta alma do homem do campo?
JHR
: Eu sou nascido em uma vila rural. Tenho este mundo rural no meu subconsciente. E um detalhe: quando eu trabalhava na Abril, antes de existir a Realidade, eu tinha proposto fazer uma revista sobre o mundo agrícola, chamada “Fazendão”. Aí o dono da Abril me disse: ‘Zé Hamilton, no Brasil nem o nego da cidade lê. Você vai querer que o homem do campo leia? Isso não tem futuro’. Eu sempre achava que o mundo rural era interessante para o jornalista. Estou fazendo aqui no RS um perfil do Paixão Côrtes. O Paixão, como figura humana, é uma reportagem que poderia estar no Globo Repórter, no Jornal da Globo. É ou não é?

Sul21: O senhor escreveu um livro sobre a música caipira, em que elege as 270 melhores modas de viola. Alguma destas modas é recente? A música caipira é algo que não tem futuro?
JHR
: O livro é sobre a matriz da música caipira, mostrando qual era o contexto da música caipira e quem foram os grandes criadores. Agora, a música caipira está aí hoje, mas apertada entre três caminhos. Um caminho é manter a tradição, o que é uma coisa irreal, porque mudou o contexto. A música caipira surgiu quando 80% da população do Brasil viviam no campo. A cultura do Brasil era a cultura do campo, a cidade era um complemento. Hoje, é o inverso. Então, a música caipira perdeu seu contexto. Outro caminho é o sertanejo moderno, esse sertanejo universitário, que eles falam aí. Podem ter futuro como músicos, mas a sua temática é falsa, porque eles usam um aparato que era do campo e o substrato cultural já da cidade, ou de perto da cidade, já é suburbano, é algo de transição. Uma terceira vertente é a valorização da viola caipira como instrumento de solo. Isto está florescendo no Brasil todo. A viola é usada até como instrumento erudito. Tem grandes virtuosos da viola caipira: Roberto Correa, Almir Sater. Tem um rapaz em São Paulo que se chama Arnaldo Freitas, que é um fenômeno. Estão surgindo também conjuntos de várias violas caipiras, e as orquestras de viola caipira, no Brasil inteiro. Orquestras com 30, 40, 50 violeiros. Tem um rapaz chamado Guga de Oliveira que está fazendo um documentário sobre viola caipira e reuniu em São Paulo 500 violeiros tocando uma mesma música, com um maestro. A música caipira está procurando um caminho. Ficar como é, ela não vai ficar.


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