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9 de fevereiro de 2011
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10:40

Etanol, câmbio e Conselho da ONU devem ser pautas da visita de Obama ao Brasil

Por
Sul 21
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dilma obama
Visita de Obama sinaliza intenção de estreitar laços (Foto: Ricardo Stuckert/PR)

Felipe Prestes

Cerca de um mês antes da visita do presidente dos EUA, Barack Obama, ao Brasil, marcada para março, o secretário do Tesouro norte-americano Timothy Geithner cumpriu agenda na última segunda-feira (7) no Brasil, como parte dos preparativos da viagem. Geithner qualificou o Brasil como uma potência econômica e ressaltou que as relações entre os dois países vêm se expandindo. O secretário também afirmou que conta com o Brasil para que a economia global retome a estabilidade.

Para especialistas em Relações Internacionais, encontros entre presidentes de dois países costumam ter forte conteúdo simbólico, mas também são espaço para deliberações importantes. No caso da visita de Obama ao Brasil, logo no início do governo de Dilma Rousseff, o simbolismo seria de que os Estados Unidos têm interesse em intensificar as relações com o Brasil.

As questões concretas a serem debatidas devem ser o intercâmbio na área de energia, com ênfase ao etanol brasileiro, e também os problemas econômicos globais. O Brasil, por sua vez, já deu sinais claros de que deseja debater com os EUA uma nova formatação do Conselho de Segurança da ONU, na qual o país sul-americano deseja ter uma cadeira permanente.

“A visita de Obama tem significado grande, ocorre três meses depois da posse da Dilma. O fato de ele vir para cá, ao invés de ela ir até os EUA, para mim tem uma carga simbólica muito forte. Não é um presidente brasileiro que vai expressar honra ao governo americano, mas o americano que vem aqui conversar com a presidente brasileira”, afirma o professor de Conjuntura Internacional da USP Alberto Pfeifer, ressaltando que esta visita de Obama estabelece precedente para que outras potências tenham comportamento similar com relação à presidenta Dilma Rousseff.

Reaproximação

“Simbolicamente é muito significativo. Representa que os EUA estão abertos a restaurar a relação que tinham com o Brasil”, afirma o diretor do Centro de Estratégia, Inteligência e Relações Internacionais (Ceiri), Marcelo Suano, que considera que as relações entre Brasil e Estados Unidos não chegaram a diminuir durante o Governo Lula, mas ficaram estagnadas. Isso se deve, segundo o especialista, a dois motivos. O primeiro deles é a política Sul-Sul do Governo Lula, levada, segundo Suano, muito ao pé-da-letra. “O Brasil tem que ser o articulador entre o rico e o pobre, para poder trazer dinheiro para os pobres. Nós deveríamos ter feito uma política externa Sul-Sul, mas não poderíamos ter dado as costas às grandes potências”, afirma.

Apesar de boa relação entre Bush e Lula, cooperação entre Brasil e EUA avançou pouco enquanto os dois governavam, segundo especialistas (Foto: Ricardo Stuckert/PR)

O segundo motivo seria o da conjuntura internacional em que o Brasil não era um aliado tão importante para os Estados Unidos como é agora. Com a crise econômica vivida pelos norte-americanos e o fortalecimento da economia brasileira, o Brasil passou a ser mais importante para o país da América do Norte. Por esses dois motivos é que, mesmo com as boas relações entre George W. Bush e Lula, não houve, segundo Suano, grandes avanços em termos de cooperação bilateral. “(Bush e Lula) se davam muito bem, mas a configuração era outra, os EUA e o mundo precisavam menos do Brasil do que hoje. Agora, os EUA não têm mais condições de determinar a conduta da sociedade internacional se não tiverem parceiros de peso”.

O pesquisador acredita que os primeiros movimentos do Governo Dilma também indicam que o Brasil quer incrementar as relações com as grandes potências. Um dos indícios seria a fala da presidenta contra o desrespeito aos direitos humanos no Irã, embora Suano acredite que Dilma deva usar isto também para cobrar dos EUA que justifique para o mundo questões como a manutenção da prisão de Guantánamo. Outro indício de uma reaproximação brasileira seria, para o diretor do Ceiri, a nomeação de Antonio Patriota para o Itamaraty. Marcelo Suano acredita que ele terá atuação mais “técnica” que a de Celso Amorim, buscando para o Brasil as melhores negociações no âmbito internacional, independentemente do hemisfério de quem está sentado do outro lado da mesa.

O professor de Conjuntura Internacional da USP Alberto Pfeifer afirma que não houve um afastamento brasileiro, mas que o país procurou uma “agenda própria”, conseguindo diminuir a dependência que tinha dos Estados Unidos na área econômica. Além disso, houve questões políticas recentes em que o país divergiu dos norte-americanos, como nas sanções ao Irã, defendidas pelos estadunidenses. “O Brasil procurou uma agenda própria que, em alguns aspectos, não coincidia com os interesses norte-americanos, seja pela prioridade, seja pela posição – como no caso do Irã. Do ponto de vista econômico, houve uma perda relativa da presença dos EUA, que já foram responsáveis por 25% do comércio exterior brasileiro nos anos 90, hoje respondem por cerca de 10%”.

Carlos Eduardo Vidigal, professor de História das Relações Internacionais da UNB, por sua vez, vai ao encontro do que disse Timothy Geithner e prefere salientar que as relações comerciais entre os dois países têm crescido nos últimos anos. “Isto não é verdade (o esfriamento nas relações). Se você for analisar o intercâmbio comercial e os fluxos de investimentos houve até crescimento e não declínio”.

Ainda assim, Vidigal acredita que a viagem de Barack Obama significa que os EUA desejam intensificar ainda mais a relação bilateral com o Brasil. “Eles esperam ter relação melhor do que tiveram com o Lula, embora a relação com ele tenha sido muito boa. Os EUA marcam posição sinalizando positivamente em relação ao atual governo brasileiro”, afirma.

seleção brasileira
Segundo professor da USP, "Brasil é 'o cara'" (Foto: Ricardo Stuckert/PR)

Crescimento econômico, proximidade e concorrência

Para Alberto Pfeifer o interesse norte-americano no Brasil independe se Obama considera Lula ‘o cara’, ou se dá respaldo simbólico a Dilma Rousseff. O professor da USP credita este interesse à proximidade entre os dois países, ambos do continente americano, e à solidificação da economia brasileira. “O Brasil é ‘o cara’, e é ‘o cara’ do bairro, das Américas. É porque é o Brasil, não o Lula ou a Dilma”, destaca, ressaltando que o país oferece oportunidades de investimentos como a Copa do Mundo e as Olimpíadas, o pré-sal, que o país tem um sistema financeiro forte e um parque industrial robusto, entre outros fatores.

“É um país que merece a atenção dos EUA, que hoje entende que sozinho não consegue dar conta de seus próprios problemas, de suas próprias necessidades”, diz. A proximidade, segundo Pfeifer, é um fator primordial não só pelas facilidades que isso impõe nas relações entre os dois países, mas no papel que o Brasil pode desempenhar para a estabilidade da região. Essa estabilidade seria essencial para os EUA que alegam que uma de suas principais preocupações na política externa para as Américas é o combate ao tráfico de drogas.

Carlos Eduardo Vidigal, da UNB, por sua vez, ressalta que a crescente presença chinesa na economia da América do Sul é algo que também preocupa os Estados Unidos. “Entre as preocupações dos EUA podemos elencar temas muito concretos, como a presença comercial chinesa no Brasil e na América do Sul, que tem preocupado significativamente os EUA. A presença chinesa começa a incomodar mais claramente os norte-americanos”.

Mudanças no Conselho de Segurança devem demorar

Os especialistas acreditam que o Brasil faz bem ao colocar em pauta a questão do Conselho de Segurança da ONU durante a visita do presidente Obama. Ainda assim, não creem que uma nova distribuição de poder no Conselho ocorra em breve, e nem que o país consiga alinhavar o apoio norte-americano.

Para Marcelo Suano, a renovação do Conselho de Segurança da ONU que contemple novas potências ou os perdedores da Segunda Guerra Mundial (Alemanha e Japão) deve ocorrer. Mas só daqui cerca de uma década. “A renovação é um projeto para daqui a dez, doze anos, porque o mundo ainda está se configurando, não se sabe que mundo vai nascer. Incluir agora alguns atores traz insegurança para as grandes potências. É um processo transitório, é óbvio que alguns países serão incluídos”, acredita.

Suano explica que para o país se cacifar para uma vaga precisa mostrar que é importante para a “regulação do sistema”, o que deve fazer mediando conflitos, especialmente na América do Sul. Ele acredita que o país tem ocupado pouco este papel, deixando uma lacuna no subcontinente. “O Brasil precisa mostrar que tem capacidade para participar do gerenciamento dos demais países do mundo, porque, infelizmente, as relações internacionais se dão a partir de regras formais e informais que são definidas pelas grandes potências”, diz. Outro fator que podem servir para alçar o Brasil a uma cadeira permanente no Conselho de Segurança é a importância para a economia global. “Ter produtos que sejam essenciais para o cenário internacional. Assim o país tem condições de defender seu posicionamento”.

Para o professor da USP Alberto Pfeifer uma vaga permanente no Conselho de Segurança só dará muito poder ao Brasil se for com poder de veto. A proposta de inclusão mais discutida daria lugar permanente a mais cinco países: Alemanha, Brasil, Japão, Índia, e um país africano, que seria, ou África do Sul, ou Nigéria. Pfeifer diz que esta reforma pode levar a um esvaziamento do poder de uma vaga permanente no Conselho de Segurança, especialmente se os países que entram não conseguirem paridade de poder com as cinco potências que já possuem vaga permanente (China, Estados Unidos, França, Inglaterra e Rússia).

Umas das dificuldades para que esta reforma saía é o poder de veto destas cincos potências. Os EUA, por exemplo, já declararam apoio ao ingresso da Índia entre este grupo seleto, o que seria uma forma de contrabalancear o poder chinês na Ásia. Os chineses, evidentemente, se mostram contrários, como também se opõem à entrada do Japão.

Com esta conjuntura, Carlos Eduardo Vidigal acha muito difícil que ocorram mudanças drásticas na atual formatação do Conselho de Segurança da ONU. “Se você faz parte de um clube seletíssimo, de apenas cinco membros, não há razão aparente para você abrir mão desse poder, dividindo entre mais países. Embora você possa declarar na mídia que tem este interesse”, afirma. Segundo Vidigal, historicamente mudanças em fóruns internacionais só ocorrem após grandes guerras.

Ainda assim, o professor da UNB acredita que o Brasil faz uso acertado desta demanda, porque isto serve como barganha para outras negociações. “No meu entendimento não (tem como avançar), mas é sempre ponto de pauta, uma vez que é uma forma de o Brasil barganhar com os EUA. O Brasil faz o uso para tentar alcançar concessões em outras áreas, como acesso a mercados agrícolas, por exemplo”.

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Bush chegou a visitar instalações da Petrobras, mas cooperação envolvendo etanol não avançou (Foto: Ricardo Stuckert/PR)

“Bioenergia seguramente será pauta”

Os especialistas não têm dúvida de que a questão do etanol brasileiro deve ser tema de debate na visita de Obama. Os Estados Unidos são os maiores produtores e consumidores de etanol no mundo. Os norte-americanos produzem o etanol por meio do milho, um biocombustível de menor qualidade que o brasileiro, feito a partir da cana de açúcar. O Brasil possui conhecimento tecnológico superior aos EUA no tema. “O setor de energia é fundamental para os EUA. Eles têm a produção do etanol pelo milho, que não tem a qualidade e a tecnologia do álcool produzido no Brasil pela cana de açúcar. Bioenergia seguramente será pauta”, garante o diretor do Ceiri, Marcelo Suano.

O etanol já foi uma das principais pautas das conversas entre os dois países quando George W. Bush visitou o Brasil, em 2007, e chegou a conhecer instalações da Petrobras. As tratativas, entretanto, pouco avançaram, um dos motivos pelos quais Suano acredita que a relação bilateral entre brasileiros e norte-americanos tem ficado estagnada.

Marcelo Suano acredita que o país deve propor troca de tecnologias, ressaltando que deve fazer uma negociação muito bem construída, para não “entregar” tecnologia simplesmente. “Pode ser feita troca de tecnologia, mas não é entregar. É fazer negociações corretas, bem fundamentadas”.

Alberto Pfeifer, da USP, ressalta que o desenvolvimento da produção de etanol a partir da cana de açúcar pode ser fator importante para a estabilidade econômica de países da América Central e Caribe, o que é estratégico para os Estados Unidos. “O etanol possibilita desenvolvimento agrário e industrial em diversos países do Caribe, da América Central, em algumas regiões da América do Sul”.

Carlos Eduardo Vidigal tem visão cética quanto à possibilidade de troca de tecnologia, a partir do biocombustível brasileiro. O professor da UNB considera que a tecnologia brasileira não possui “grande segredo”. “O que o Brasil vai tentar é também criar nos EUA um mercado para o etanol brasileiro”, afirma.

Na busca por mercados para seus produtos agrícolas, o Brasil também deve conversar com os EUA sobre a rodada Doha, que são negociações internacionais que vêm sendo travadas desde 2001, visando a redução de barreiras comerciais entre os países. Nesta questão, segundo Carlos Eduardo Vidigal, o grande impasse que envolve diretamente Brasil e Estados Unidos. É que o primeiro deseja abrir mercados para seus produtos agrícolas no segundo. Os EUA, por sua vez, querem mais acesso às compras governamentais brasileiras. “Os dois países têm muitas resistências nestas áreas”, diz.

Questão cambial interessa a ambos os países

Para Alberto Pfeifer, o centro da discussão entre Brasil e EUA, no que diz respeito à economia global e protecionismo deve estar na questão cambial. De fato, em sua passagem pelo Brasil, o secretário do Tesouro norte-americano, Timothy Geithner, reiterou sua preocupação com a subvalorização artificial do yuane chinês, que torna os produtos chineses altamente competitivos. Geithner demonstrou que os EUA têm interesse em contar com o Brasil em uma ação global para evitar disparidades cambiais.

O discurso de Geithner dá a entender que o investimento do Brasil no mercado interno para fugir da crise mundial pode servir de exemplo para os chineses, que insistem em uma política econômica voltada de forma agressiva para as exportações. Quanto à valorização do câmbio brasileiro, Geithner criticou a alta taxa de juros do país. O secretário do Tesouro evitou, no entanto, comentar a política recente do Banco Central norte-americano de inundar o mundo de dólares, desvalorizando esta moeda. À Agência Brasil, o secretário respondeu que não comenta as políticas monetárias estabelecidas pelo Banco Central americano.

Para Pfeifer, a questão cambial torna, hoje, discussões tarifárias feitas na Rodada Doha secundárias. “O grande problema para o Brasil é a taxa de câmbio. Não adianta nada você ter um imposto que cai 10%, se a tua taxa de câmbio se valoriza 40%. Estamos sufocados devido ao dólar e ao yuane desvalorizados. Se há um tema que o Brasil pode falar (na visita) é esse”.


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