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27 de janeiro de 2011
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19:18

Avanço de reforma política é dificultado por divergências e interesses eleitorais

Por
Sul 21
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Plenário da Câmara Federal

Igor Natusch

Não era mesmo de se esperar consenso em uma discussão que pode modificar radicalmente a vida política do Brasil. Os termos são diferentes, mas parlamentares e cientistas políticos consultados pelo Sul21 parecem concordar em um ponto: fazer a reforma política andar, em nosso país, está longe de ser uma tarefa das mais fáceis. “É uma novela, todo mundo fala nisso e nunca acontece”, lamenta o senador gaúcho Paulo Paim (PT). “Uma encrenca”, acrescenta o deputado federal Lincoln Portela (PR-MG). O pensamento dos dois políticos acaba resumindo a situação de uma reforma com a qual todos parecem concordar em teoria, mas cujo avanço acaba sendo barrado por concepções e interesses divergentes.

O cientista político David Fleischer, da Universidade de Brasília (UnB), lista uma série de tentativas de fazer a reforma andar, que remontam a 2003. Segundo ele, o bloqueio ocorre ora pela ação de alguns partidos, ora pela discordância entre os parlamentares, passando por momentos onde o governo federal não demonstra interesse em fazer o processo avançar. “Em 2005, o problema foi o mensalão, que fez com que nem se tentasse tocar a reforma. Já em 2009, o governo Lula não moveu uma palha para que a discussão avançasse”, diz.

Antonio Cruz / ABr
Foto: Antonio Cruz / ABr

“É preciso pensar em uma reforma do próprio Legislativo brasileiro”, afirma o senador Álvaro Dias (PSDB-PR). As distorções existentes, segundo ele, prejudicam a autenticidade da representação popular, que deveria ser a marca do parlamento. Já o deputado federal Onyx Lorenzoni (DEM-RS) diz que a presidenta Dilma Rousseff abriu mão da reforma previdenciária (“um erro”, segundo Onyx), e que a reforma tributária não vai sair por “falta de interesse” de seu grupo técnico formulador. “A única grande reforma que resta, então, é a reforma política”, alega o parlamentar.

Para o jornalista e cientista político André Singer, da USP, o fato do parlamento ser constituído por pessoas que foram eleitas nas atuais regras acaba sendo um empecilho para que as mudanças consigam avançar. “Para boa parte dos atuais eleitos, não há interesse em promover mudanças. É uma resistência motivada pelo medo de prejudicar uma eventual reeleição”, argumenta o ex-secretário de imprensa do governo Lula.

O cientista político diz que na última tentativa de fazer a reforma avançar, ficou claro que havia uma série de divisões intrapartidárias, prejudicando o avanço da proposta. “Em todos os partidos, há uma parcela que resiste a mudanças. Podem até adotar um discurso favorável, porque se trata de uma demanda da sociedade e a baixa credibilidade dos políticos é um conceito disseminado na população. Os deputados e senadores não vão querer ficar contra os seus eleitores. Mas, na prática, acabam não votando (a reforma)”, explica André Singer.

Mudanças centrais

Para o jornalista André Singer, três mudanças são centrais em qualquer proposta de reforma política: o voto em lista fechada, o financiamento público de campanhas e o estabelecimento de mecanismos que consolidem a fidelidade partidária. “No caso do financiamento, é importante que haja a determinação de um limite de gastos. Além disso, tem que se garantir que as campanhas sejam obrigatoriamente baratas, como forma de diminuir a influência do poder econômico sobre as candidaturas”, opina Singer.

André Singer
André Singer | Foto: Divulgação

A questão do voto em lista também precisa, segundo o cientista político da USP, ser aprimorada. Singer diz que se não forem criados mecanismos de controle, há o risco de transferir os problemas das eleições para as disputas internas dos partidos. “Alguns políticos poderão usar as burocracias partidárias em benefício próprio”, adverte. Entre as alternativas possíveis, André Singer cita a eleição aberta entre os pré-candidatos, adotando eventualmente até o voto aberto nas primárias de cada partido. Outra possibilidade seria a aceitação de listas independentes, sem ligação formal com nenhum partido. “Isso abriria a possibilidade de correntes de opinião, que talvez não encontrem espaço nas regras políticas de hoje, possam se apresentar”.

David Fleischer, da UnB, cita propostas de origem popular, como o fim das coligações políticas e das reeleições, bem como a limitação na indicação de assessores e o fim do voto secreto no legislativo. “Com a proibição das coligações, por exemplo, muitos pequenos partidos vão sumir e teremos uma série de incorporações”, explica. A cláusula de barreira é outro ponto que Fleischer considera importante para o aprimoramento do sistema partidário no Brasil. “Em 2006, foi proposta uma cláusula de 5%, mas foi considerada inconstitucional. Tivesse sido aplicado pelo menos 1% de barreira, vários pequenos partidos teriam saído”, argumenta.

O deputado Onyx Lorenzoni, do DEM, defende o voto em lista como fundamental para a evolução política do país. “Construindo o voto em lista, com todo o respeito que o deputado merece, mas não vamos ter mais fenômenos como o Tiririca”, afirma, lembrando o deputado federal eleito pelo PR de São Paulo, que obteve a maior votação do país. “Com as regras atualmente vigentes, mais da metade dos parlamentares não correspondem às escolhas da população. Se houver essa reforma, não vamos ter mais margem para deputado chegar achando que não deve nada para o partido, por exemplo. Os deputados vão ter que equilibrar sua popularidade com a capacidade de formulação, e isso vai fazer a diferença”.

Deputado Lincoln Portela

“O povo não quer lista fechada ou financiamento público de campanhas”, garante o deputado federal Lincoln Portela (MG), líder da bancada do PR na Câmara. Para ele, o que trava o avanço das reformas é justamente a insistência de alguns setores nesses dois pontos, aos quais o partido faz oposição. O PR defende que os eleitos sejam decididos em votação majoritária, que o voto seja facultativo, o financiamento público opcional e o fim das coligações. “Lista fechada favorece as oligarquias, garante o poder de velhos caciques políticos”, critica.

Onyx Lorenzoni discorda. Para ele, o voto em lista é importante no processo de fortalecimento dos partidos políticos no Brasil. “Precisamos parar de votar em pessoas e começar a votar em princípios”, argumenta. “Se o partido não cumprir o que pregou na época da eleição, perderá espaço na próxima. Além disso, estará garantida uma maior estabilidade no parlamento, já que não vai ter muito sentido ficar trocando de partido. O fisiologismo vai perder espaço”, ressalta Lorenzoni.

Avanço da reforma é uma incógnita

Com tanta dificuldade em encontrar consensos, não surpreende a incerteza sobre as reais possibilidade de um avanço imediato da reforma política. “Ou avança em 2011, ou não avança mais”, afirma o senador Paulo Paim, de forma categórica. Segundo ele, na medida em que começa a se aproximar o processo eleitoral, cada um vai “para o seu quintal” e o interesse em discutir uma reforma acaba desaparecendo.

Senador Álvaro Dias / Divulgação Senado

O senador Álvaro Dias (PSDB-PR) acredita que a responsabilidade de dar o ritmo da reforma deve ser dividida com o Poder Executivo. “No modelo brasileiro, a importância da Presidência é muito grande. Quando o presidente tem vontade política, as reformas avançam”, alega. “Há um compromisso de campanha que foi assumido, e esperamos que seja cumprido. A responsabilidade não pode ficar apenas a cargo do parlamento, precisamos da vontade da Presidência da República para que a questão tenha andamento”.

Para André Singer, da USP, há vontade do governo em fazer a reforma avançar, mas até certo ponto. Mesmo assim, o cientista político frisa que se trata de uma questão central do parlamento. “É importante que haja um amplo compromisso dos parlamentares para que a reforma ande”, diz ele, que se revela “pouco otimista” nesse sentido. David Fleischer também demonstra dúvidas sobre o real interesse dos parlamentares em acelerar o processo. “Muitos deputados, hoje em dia, dependem da votação em lista aberta para se elegerem”, diz, citando o caso de candidatos apoiados por grandes corporações empresariais ou oriundos de igrejas evangélicas.

Reforma “fatiada” divide parlamentares

Janine Moraes
Deputado Mendes Ribeiro Filho / Foto: Janine Moraes

Em conversa com o Sul21, o deputado federal Mendes Ribeiro Filho (PMDB-RS) defendeu a aplicação de uma reforma política “em fatias”, como modo de fazer com que a discussão saia da teoria e avance em direção à prática. “Se temos dificuldade de fazer com que ela aconteça toda de uma vez, vamos fatiá-la, estudar o que pode ser feito de forma mais imediata. O que não dá é para seguirmos adiando. Quanto mais demora, mais o Brasil perde”, disse o peemedebista. A proposta de Mendes Ribeiro, defendida em encontro do deputado com o ministro das Relações Institucionais, Luiz Sérgio Nóbrega, conta com apoio de muitos políticos em Brasília. “A adoção de pontos de convergência facilitaria o avanço, naturalmente”, concorda Paulo Paim (PT-RS).

Outros, porém, não estão tão convencidos. Mesmo frisando que tem “todo o respeito do mundo” pelo deputado peemedebista (“um bom amigo”), Onyx Lorenzoni discorda da visão de seu colega de parlamento. “Fatiar é para não fazer”, dispara. Segundo ele, essa ideia se baseia em uma tese “que não deu certo”. “Da última vez, parecia que tudo daria certo, e o PSDB recuou no início da tarde”, diz ele. “Agora, temos uma chance de fazer avançar, mas sou totalmente contrário (a dividir a reforma em partes). Temos que elaborar uma proposta e fazer com que ela avance inteira”, defende.

Lincoln Portela (PR-MG) também se opõe a tentar fazer a reforma avançar por meio de pontos de convergência. Mas seus argumentos são outros. “Infelizmente, o consenso que alguns grupos querem construir é justamente em torno desses pontos aos quais nos opomos”, afirma. Na visão do deputado federal, não é possível encontrar consensos em uma reforma de tal dimensão. O correto, de acordo com Portela, seria formar uma comissão para estudar todas as propostas, inclusive analisando as sugestões da sociedade civil. “Talvez seja necessário rever até mesmo o pacto federativo. O debate precisa ser realizado sem pressa”, defende o republicano.

David Fleischer, da UnB, lembra que já foram feitas experiências de minirreformas, citando até mesmo os senadores biônicos e o voto vinculado para deputados estaduais e federais, aplicado em 1982. Lembra também algumas alternativas já levantadas, como a adoção de um sistema misto, no qual metade dos candidatos seria eleito por voto distrital e a outra metade por votação absoluta. “Na prática, isso não mudaria muita coisa”, diz Fleischer. “Muitos dos atuais eleitos têm a maior parte da sua votação concentrada em pequenos redutos, e possivelmente se manteriam (no caso de sistema misto). E a votação absoluta abriria margem para os que obtém votos de forma mais dispersa”.

David Fleischer, cientista político

O cientista da UnB acredita que pode acontecer uma espécie de tubo de ensaio, usando as eleições municipais como uma “cobaia” para testar a eficácia de algumas mudanças. “É importante fazer algumas experiências, usando regras que podem ser revogadas mais adiante”, concorda André Singer, da USP. Para ele, é preciso levar em conta que “nunca se sabe muito bem” o que pode acontecer. “Não acredito em soluções mágicas. Objetivamente, dividir a reforma em partes pode ser o único modo de viabilizá-la. E seria inteligente adotar essas eventuais mudanças de forma gradual”.

Paulo Paim: “extinção do Senado seria inócua”

Parte das discussões em torno da reforma política referem-se diretamente ao Senado. Uma das propostas mais contundentes, inclusive, propõe a extinção do cargo de senador. “Com todo o respeito, senadores não servem para nada, a não ser para manter as oligarquias”, declarou, durante a campanha de 2010, o então candidato à Presidência, Plínio de Arruda Sampaio (PSol). No caso, o Brasil adotaria um sistema unicameral, na qual a representação legislativa seria concentrada em uma Câmara congressual unificada.

Bruno Alencastro/Sul21
senador Paulo Paim / Foto: Bruno Alencastro/Sul21

Para o senador gaúcho Paulo Paim, a extinção do senado seria “inócua”. “A presença de senadores, por si só, não afeta negativamente o processo democrático. Os EUA são uma prova disso”, diz Paim. Mesmo contrário à extinção do Senado, o petista declara-se favorável a outras mudanças, como a modificação nas regras de suplência e a quantidade de candidatos que cada sigla pode indicar. “Para a suplência, acredito que deveria ser indicado sempre o candidato de melhor votação entre os que não entraram”, defende.

Para exemplificar, dá o exemplo do próprio RS, onde ele e Ana Amélia Lemos (PP) foram eleitos em 2010. “Na eventualidade de algum de nós faltar, podemos ter no Senado alguém que a população talvez nem mesmo conheça. Na minha visão, o primeiro suplente, nesse caso, deveria ser o (Germano) Rigotto”, diz, citando o candidato peemedebista que ficou em terceiro lugar na eleição para o Senado no RS. “Que entrem sempre os mais votados, em qualquer situação. Temos que respeitar a vontade popular”.

“Extinguir o Senado seria um golpe fatal para a democracia”, exalta-se o senador Álvaro Dias (PSDB-PR). Para ele, uma medida do tipo acabaria “apequenando” o país. “Um país como o Brasil, com a grande população que tem, com as diferenças regionais que o caracterizam, precisa do Senado para manter o equilíbrio federativo”, defende. “Um país menor, com 10 milhões de habitantes, pode até discutir algo assim (extinção do Senado). Já o Brasil, com 27 unidades federativas, não pode. Seria transformar o país em uma República das Bananas”.

Concordando com seu colega gaúcho, Álvaro Dias diz ser favorável à revisão de alguns pontos que envolvem a atividade dos senadores, como a escolha de suplentes e acabar com a reeleição. “Temos um modelo que está contaminado, no qual o filho pode ser suplente do pai”, critica. “É uma situação de permissividade, que precisa ser revista. Sou favorável a colocar essas questões na mesa”, garante.

Fleischer: “História sem fim”

Com tantos pontos de divergência e da dificuldade de conciliar interesses, não surpreende que a reforma política fique em um estado de pausa quase permanente. “É a verdadeira História Sem Fim”, brinca o cientista político David Fleischer, da UnB, citando o famoso livro de Michael Ende, mais tarde transformado em filme. Como na obra da literatura fantástica, a ideia é recuperar os sonhos de uma nação, promovendo mudanças que a resgatem da situação degradada na qual se encontra. E para os cientistas políticos consultados pelo Sul21, como no livro, a intervenção de alguém que, geralmente, é mero espectador é fundamental para que tudo tenha um final feliz. No caso da literatura, o próprio leitor do livro; no caso do Brasil, a fiscalização permanente do eleitor.

“A participação da população é imprescindível para que qualquer reforma funcione”, afirma André Singer. O professor da USP insiste na necessidade de juntar a mudança das regras do jogo político com um esforço de conscientização do eleitor. “A pressão da sociedade é muito importante”, afirma. “Talvez, na medida em que aumente a demanda da sociedade, os deputados sejam sensíveis e se mostrem mais simpáticos a mudanças significativas. E elas só se consolidarão na medida em que o eleitor demonstrar interesse, inclusive com controle e fiscalização”.

David Fleischer lembra que mudanças radicais de sistema político são “incomuns” mundo afora. “A grande questão está em convencer os parlamentares de que uma reforma aumenta as possibilidades de reeleição. Se eles estiverem convencidos, a reforma política avança”, argumenta. “Em 2007 e 2009, isso não aconteceu”, continua, rindo.


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