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31 de dezembro de 2010
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16:55

Novo governo do RS recebe estado com a economia em recuperação

Por
Sul 21
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Adélia Porto / Especial Sul21

Tarso Genro vai receber um Estado que se recuperou em 2010 da queda do PIB no ano anterior, quando acompanhou a queda do PIB brasileiro e a recessão mundial. Sua recuperação foi melhor que a do Brasil. Em números, o crescimento gaúcho deste ano foi de 7,8%, contra 7,3% de crescimento do PIB brasileiro. A importância desse dado só não é maior porque o aumento se deu sobre uma base frágil – como explica o economista Antonio Carlos Fraquelli, da Fundação de Economia e Estatística -, já que tanto a economia gaúcha quanto a brasileira decresceram em 2009. A recuperação gaúcha foi puxada pela indústria, que alcançou o índice de 10,3%, com elevação do índice em todos os setores que a compõem. Igualmente a agricultura teve bom desempenho, com elevação de 8,9%, em parte motivada pelo patamar alcançado pelas commodities no mercado internacional. O setor de serviços, que tem maior participação na composição do PIB, teve aumento de 6,8%. A participação gaúcha no PIB nacional também cresceu de 2009 para 2010 – de 6,49% para 6,52%.

“O novo governo receberá o Estado num momento de recuperação da economia, mas também no começo do problema de estiagem que se aproxima”, comenta Fraquelli – o que ameaça a produção agrícola. Segundo ele, as contas públicas ajustadas pela administração que termina permitiram que o novo governo ganhasse capacidade de endividamento e anunciasse, na última semana de dezembro, o pedido de empréstimo de R$ 2 bilhões – parte com o Banco Mundial e parte com o BNDES – para investimento em projetos de desenvolvimento regional. Tarso também receberá o setor exportador restrito em função da crise mundial, mas, por outro lado, com fortes expectativas de investimento, como no pólo naval, por exemplo.

Operação Verão, um dos primeiros e grandes desafios do governo Tarso

Marco Quintana/Sul21
Carlos Pestana / Foto:Marco Quintana/Sul21

A equipe de transição já tem elencadas as ações imediatas, para a virada do ano: o combate à seca e à dengue, a estrutura para o início das aulas e a Operação Verão, de acordo com o chefe da Casa Civil do governo Tarso, Carlos Pestana. Segundo ele, “a dificuldade de hoje é ter uma sinalização mais concreta, porque efetivamente é um conjunto de informações a que não tivemos acesso”, reclama. A preocupação do governo que assume é o fluxo de caixa na virada do ano. “Podemos pegar um Estado em uma condição sequer de ter dinheiro para as despesas necessárias de final de ano”. Como exemplo, cita a Operação Verão, que significa o deslocamento do pessoal da segurança, da estrutura da área da energia, porque um grande volume de pessoas vai para o Litoral Norte. “Se não organizarmos isso, será um problema”, teme. Também faltam informações para o início das aulas: número exato de alunos que estão sem escola, necessidade de contratação de professores, situação de infraestrutura das escolas. “Sabemos que tem até escola de lata”.

Outra preocupação é virar o ano pegando a seca, a estiagem, com desdobramentos na agricultura. “Também preocupa a possibilidade de um surto de dengue. A capacidade de incidir concretamente sobre questões que teriam que ser encaminhadas a partir de janeiro é muito pequena”, adianta ele. Embora a equipe de transição não tenha informações suficientes, existem avaliações preliminares, fruto do que já acompanhavam no governo Yeda Crusius. Ele cita o déficit zero: “Apesar de não termos o conjunto das informações sobre a questão financeira, há dois temas bem claros: do repasse mínimo para a saúde, de 12% do orçamento, previsto na Constituição, apenas a metade, talvez um pouco menos – 5% a 6% – era efetivamente destinado a essa área. Na educação, a demanda constitucional é de 35% e o repasse chegava apenas a 24%, 25%. O atual governo trabalhou uma idéia de déficit zero, mas nestas condições”. Segundo o futuro chefe da Casa Civil, o déficit zero trata-se de um artifício contábil.

Compromisso da nova administração: fortalecer o papel do Estado nas áreas essenciais

Na última semana do ano, a governadora Yeda Crusius anunciou o cancelamento de projetos já encaminhados em licitações e relacionados às Parcerias Público-Privadas, como o complexo prisional de Canoas e a rodovia ERS- 010, que já havia sido suspensa por iniciativa do Ministério Público, além do projeto de revitalização do Cais do Porto. A decisão foi avaliada por analistas como uma medida destinada a causar embaraços ao novo governador. Na verdade, diz Pestana, esse fora um pedido formulado pela equipe de transição, como sugestão ao atual governo para que as obras, convênios, projetos que até aquele momento não tivessem sido assinados, como regra, “ou fossem construídos conosco ou deixados para o próximo governo avaliar”, disse Pestana. No caso dos presídios, a ideia seria reunir o Ministério Público, juízes, magistratura, governo e sociedade, para deliberar uma solução imediata. “Há recursos no governo federal”.

Pestana adianta que o novo governo tem o compromisso de, progressivamente, retomar o repasse dos mínimos constitucionais e fortalecer o papel do Estado nas áreas essenciais. Assim como a saúde, educação e segurança terão investimentos na contratação de servidores com qualificação, por meio de concursos. No setor de meio ambiente, a ideia é fazer uma reestruturação da Fepam. “A preservação é fundamental inclusive para valorizarmos nossos produtos no exterior”.

Segurança enfrenta carências históricas, como de pessoal, viaturas e prédios

Se a comissão de transição do novo governo não recebeu todos os dados do governo que termina, quem está na administração estadual sabe, por experiência, quais são os avanços deixados e quais os principais problemas que serão enfrentados por Tarso Genro. “Avanços são muito poucos na área da segurança pública, porque esse governo a relegou a segundo plano”, afirma o presidente da Ugeirm (Sindicato dos Escrivães, Inspetores e Investigadores de Polícia do Rio Grande do Sul), Isaac Ortiz. Segundo ele, hoje a categoria tem um dos piores salários de polícia do Brasil. “Foi um arrocho muito grande”, conta ele. Como avanço, ele cita o concurso público realizado neste governo, mas adianta que os aprovados não ficam muito tempo devido à baixa remuneração. “Eles vão para a Polícia Federal, Ministério Público. Não ficam na Polícia”. A categoria espera que o novo governo olhe a segurança pública como prioridade.

Bruno Alencastro/Sul21
Airton Michels, Tarso Genro e Wilson Müller Rodrigues | Foto: Bruno Alencastro/Sul21

O presidente da Associação dos Delegados, Wilson Müller, dá como exemplo de avanço do governo que termina o fato de todas as delegacias estarem conectadas pela internet. É um sistema integrado, criado pela Polícia Civil, que agiliza toda a pesquisa para trânsito, crimes e outros. A carência de prédios, explica, é imensa, “mas histórica”. “Tem delegacia no interior, por exemplo, que vence o aluguel, não tem onde botar a delegacia, se arruma um cantinho lá, as pessoas não têm acesso. É uma carência histórica”, alega ele, que não credita as dificuldades ao governo que termina. Há carência de viaturas e faltam em torno de 150 delegados no quadro estadual. Quanto aos salários, há 12 anos o inicial de um delegado de polícia era o mesmo de um procurador de Estado. “Hoje, no início de carreira, um procurador está ganhando o dobro disso”. Equiparar esses valores, segundo ele, é uma reivindicação. Isso é determinação legal e de reiteradas decisões reiteradas do Supremo Tribunal Federal.

Outra reivindicação dos delegados encaminhada ao governo Tarso Genro é que o requerimento de interceptações telefônicas, autorizadas pela Justiça, e o acesso ao conteúdo das mesmas, só possa ser feito por delegados de polícia ou pelo Ministério Público, como determina a lei. Essas interceptações são feitas por um software chamado Sistema Guardião. Na segunda semana de dezembro, Tarso Genro esteve na Associação dos Delegados para prestigiar a categoria. “Ele foi lá dizer o que pretende fazer. O que vai fazer. O importante é que a demanda da segurança pública está em segundo, terceiro lugar sempre. Eu acho que a população merece mais do que tem em termos de segurança”.

BM espera ser tão bem tratada por Tarso quanto foi a PF, quando ele foi ministro da Justiça

Para as lideranças da Brigada Militar, não houve avanços nos últimos anos. “Houve apenas uma mera reposição salarial, que já havíamos perdido há muito tempo”, diz o presidente da Associação dos Oficiais da Brigada Militar, José Carlos Riccardi Guimarães. “Existe uma insatisfação da oficialidade da Brigada Militar de nível superior”. Segundo ele, é uma carreira que tem exigências idênticas ou maiores do que todas as carreiras de nível jurídico do Estado: promotores de justiça, procuradores, defensores públicos, mas o reconhecimento salarial não existe. Riccardi Guimarães espera do novo governo tratamento digno, garantia profissional, melhor preparação da oficialidade com cursos de aperfeiçoamento, capacitação de pessoal no Brasil e no exterior. “A nossa esperança é que o governador Tarso Genro trate a Brigada Militar como tratou a Polícia Federal, incentivando-a a crescer em todas as áreas, profissionalmente, tecnicamente, salarialmente, com garantias, com poder. A Polícia Federal foi muito bem tratada e muito prestigiada pelo Tarso Genro. Esperamos que a sua polícia, ou seja, a Brigada Militar, seja tratada da mesma forma”.

Paulo de Argollo Mendes / Presidente do Simers / Foto Simers/Divulgação

O presidente do Sindicato dos Médicos no Estado do Rio Grande do Sul (Simers), Paulo de Argollo Mendes, não tem dúvidas: o governo Yeda vai terminar sem avanços na área da saúde. “Ela vai entregar a saúde ao novo governo pior do que recebeu”, destaca. Ele cita a aplicação de apenas 5% ou 6% do mínino constitucional na saúde, enquanto a lei determina o repasse de 12%, a sequência na política de municipalização e, praticamente, a falta de investimentos. “O governo que termina repassou apenas recursos federais, mas continuamos tendo redução de leitos”.

Superar a falta de investimentos é um dos grandes desafios na área da saúde

Entre os desafios que o novo governo deve enfrentar ele menciona mais investimentos na área da saúde, leitos para tratamento de dependentes do crack, enfrentar o problema da municipalização, revertendo, na medida do possível os problemas criados por ela, com a criação de um plano de carreira para área de saúde. “O governo pode fazer um plano de carreira de reversão, pelo menos parcial, para a municipalização. Pode abrir uma carreira de Estado e começar a colocar médicos nos municípios carentes. Ele pode fazer a interiorização por meio de concurso para ter seus próprios médicos”, exemplifica.

Não é necessário, segundo ele, investimento em hospitais psiquiátricos para combater o crack. “O Hospital Espírita, por exemplo, fechou, há dois anos, 80 leitos do SUS destinados ao tratamento de dependência química. É o governo federal que deve bancar essas internações, mas paga tão pouco que o hospital não consegue manter”. Se o governo do Estado quiser levar a sério o combate ao consumo ao crack, terá que fazer investimentos, adianta o presidente do Simers.

Cpers alerta: a educação está sucateada

Rejane Oliveira / Divulgação

O novo governo encontrará grandes gargalos na área da educação. Segundo a presidente do Centro dos Professores do Rio Grande do Sul – Sindicato dos Trabalhadores em Educação (Cpers/Sindicato), Rejane Silva de Oliveira, a área de educação sofreu um sucateamento com a política do governo Yeda Crusius. “As escolas estão completamente deterioradas, sem nenhum planejamento pedagógico. Nós ainda temos alunos estudando em escolas de lata – devem ser umas cinco ou seis escolas de lata no Estado, em Caxias e em Porto Alegre”, contabiliza. Neste ano, faltaram 7 mil professores, segundo Rejane. “Não houve concurso público no Rio Grande do Sul. Nós estamos com uma situação muito ruim em relação à estrutura e às condições de trabalho e de aprendizagem para os alunos”. Os funcionários, segundo a presidente do Cpers, estão sobrecarregados. Há situações em que uma escola com mais de 1,5 mil alunos, com três andares, dispõe apenas de dois funcionários. É nessas condições que vamos entrar 2011. O novo governo terá que tomar providências em relação a tudo isso”, diz ela.

Municípios reivindicam acessos asfaltados

Dos 496 municípios gaúchos, 104 não têm acesso asfáltico. A pavimentação destes trechos de terra custaria R$ 1,2 milhão ao DAER (Departamento Autônomo de Estradas e Rodagem). A informação é do presidente da Federação das Associações dos Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs), Vilmar Zanchin. “O acesso pavimentado para uma cidade é sinônimo de desenvolvimento. Ninguém vai empreender, vai investir em um município que não tem acesso asfáltico”, afirma. Segundo ele, basta o governo do Estado dar algum incentivo que os municípios e seus moradores se encarregam de promover o desenvolvimento.

No campo, os problemas são a falta de segurança e as invasões

Carlos Sperotto, presidente da Farsul

O presidente da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), Carlos Sperotto avalia que um dos temas mais urgentes para providências pelo governo do Estado é a segurança no campo e o risco das invasões de propriedades. Ele já obteve do governador eleito o compromisso de diálogo e o esforço de se antecipar às invasões, agindo como mediador entre os interesses de todos os setores. As relações entre o governo e o setor da agricultura passam também pelo impasse criado pela indicação, pela governadora Yeda Crusius, do atual presidente do Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga), Maurício Fischer, para o próximo mandato de dois anos. Tarso tem outro nome para ocupar a entidade.

A entidade não concorda com a divisão que o governo Tarso propõe, instituindo, ao lado da Secretaria a Agricultura, a de Desenvolvimento Rural e Cooperativismo, mas não pretende polemizar em torno do assunto. Outra preocupação da Farsul tem uma implicação apenas indireta com o governo: o clima seco do verão, resultante do fenômeno climático La Niña já provoca dificuldades para os rebanhos e ameaça a produção agrícola. Em anos anteriores, La Niña provocou quebras importantes, como a do ano de 2005, que chegou a 60% da safra de grãos.

Estado precisa de uma política eficiente de industrialização

Embora o crescimento da economia gaúcha tenha sido puxado em 2010 pela indústria (10,3%, de acordo com a FEE, acima do índice nacional, de 10,2%), a Fiergs – Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul – acredita que 2011 será de crescimento moderado, em virtude do cenário de crise internacional, que também provocou a queda do desempenho gaúcho em 2009, situado abaixo do desempenho brasileiro (- 0,2 Brasil e – 0,8 RS). O novo governo encontrará, segundo a expectativa da entidade, um panorama de dificuldades de crescimento, decorrente do modelo de expansão da economia nacional, baseado na elevação dos gastos públicos e no incentivo ao consumo. Segundo declarou o presidente da Fiergs, Paulo Tigre, a produção industrial necessita ser ampliada por uma política eficiente de industrialização.

Os números positivos da indústria gaúcha em 2010 refletem um desempenho extraordinário, de acordo com o economista Antonio Carlos Fraquelli. A indústria de transformação alcançou o índice de 11,1% de elevação, acima do dado brasileiro, que foi de 9,8%. Todos os outros setores industriais igualmente apresentaram índices positivos: setor extrativo mineral – 9,7%; construção civil – 9,5%; eletricidade e gás – 5,6%.

Expansão do crédito colaborou para os bons resultados do comércio gaúcho

 
 

Bruno Alencastro/Sul21
José Paulo Dornelles Cairolli, presidente da Federasul | Foto: Bruno Alencastro/Sul21

 

O levantamento divulgado ao final do ano pela FEE demonstra que o setor de serviços também contribuiu fortemente no desempenho da economia. O comércio registrou um índice de 11,3% e a área de transporte e armazenamento teve crescimento de 9,8%. O presidente eleito da Federação das Associações Comerciais e de Serviços do Rio Grande do Sul (Federasul), José Paulo Cairolli, considerou importante que o governo aproveite o bom momento da economia para investir em infraestrutura – estradas, saneamento e educação, fatores importantes para o desenvolvimento, capazes de aumentar a produtividade do trabalhador e de ampliar a massa salarial. Segundo Cairolli, o equilíbrio fiscal alcançado pelo governo permite não apenas o investimento em infraestrutura, mas também a redução de tributos. Ele confia também que o resultado das últimas eleições estabelece um nível de sintonia entre o governo federal e o governo estadual, o que favorecerá a continuação de projetos que já estão em andamento, e a criação de novos projetos.

Cairolli ressalta que os bons resultados do setor foram estimulados pelo cenário nacional, com a expansão do crédito, a ascenção da classe C ao consumo e a ampliação da renda das famílias, bem como o aumento de vagas no mercado de trabalho. Segundo ele, porém, são dados que impõem aos governantes a adoção de medidas capazes de manter e estimular o crescimento. Ela sugere ao governo estadual o aprimoramento da eficiência dos serviços e menor elevação e custos, para possibilitar novos investimentos.


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