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3 de novembro de 2010
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23:00

Valorização do real foge ao controle do governo e é problema para a futura presidente

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Sul 21
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Valorização do real foge ao controle do governo e é problema para a futura presidente
Valorização do real foge ao controle do governo e é problema para a futura presidente
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Foto: Divulgação

Felipe Prestes

Entre os desafios previstos para o governo Dilma está o câmbio, com a valorização do real. Especialistas advertem que é difícil ter um controle sobre esse problema, por duas razões, principalmente. Primeiro porque a queda do dólar ocorre há bastante tempo e, no longo prazo, é causada por méritos da economia do país, que atrai cada vez mais investimentos estrangeiros. Segundo, porque as moedas dos países que procuram recuperar sua economia após a crise mundial, em especial os Estados Unidos, são desvalorizadas e esta desvalorização foge ao controle do Brasil.

Para conter a alta do real, as autoridades econômicas brasileiras tomaram algumas medidas, nas últimas semanas: elevaram o IOF para investimentos estrangeiros em renda fixa e o Banco Central foi autorizado a pagar, antecipadamente, a dívida externa. Alguns especialistas, no entanto, acreditam que estas medidas são paliativas.

“O real vem se valorizando desde 2004, porque o Brasil está se tornando um país de inflação baixa, de crescimento econômico acelerado, de instituições onde as pessoas têm confiança em colocar o seu dinheiro. O que atrai dólar é a confiança”, explica o professor de Economia da Ufrgs Marcelo Portugal. “O mundo está vendo no Brasil um mercado interno muito forte. Além de ter a moeda forte, o Brasil está gerando emprego, diminuindo a miséria, aumentando a renda”, concorda o economista da FEE (Fundação Estadual de Estatística) Antonio Carlos Fraquelli. “Com certeza as boas perspectivas econômicas do Brasil são um dos motivos da atração de investimentos estrangeiros, que aumentam a oferta de dólares”, afirma o analista de projetos do BRDE Luciano Feltrin.

Contribui para essa entrada de capital também a alta taxa de juros praticada pelo Brasil. Isso se acentuou em curto prazo, porque potências econômicas, como os Estados Unidos, têm reduzido ainda mais suas taxas de juros, para recuperar o setor produtivo após a crise econômica. “Os juros sempre foram altos no Brasil, mas a diferença era menor”, diz Portugal. “Como no resto do mundo os juros estão praticamente zerados, nós, com uma taxa acima de 10%, atraímos capitais para cá para buscar esse juro”, concorda Fraquelli. “Ainda que tenha caído muito nos últimos anos, a taxa de juros brasileira ainda é elevada frente à média internacional”, diz Luciano Feltrin. No mês de outubro, houve ainda uma excepcional entrada de dólares no país com a capitalização da Petrobras.

Guerra cambial

Um fenômeno que está se discutindo mundialmente é chamado de “guerra cambial”. Após a crise econômica surgida nos Estados Unidos, grandes potências, em especial os próprios norte-americanos, têm procurado desvalorizar suas moedas para exportar a preços mais baratos, tornando suas exportações mais competitivas. Essa “guerra” foi inclusive uma das pautas de reunião do G-20 – grupo que reúne ministros de finanças e presidentes de bancos centrais de dezenove países, mais a União Européia –, realizada no último fim-de-semana na Coreia do Sul. Esta política foi criticada pela presidente eleita, Dilma Rousseff, nas primeiras entrevistas que concedeu, após a divulgação dos resultados do segundo turno. Dilma também afirmou que não mexerá na política cambial brasileira, mantendo o câmbio flutuante, um dos pilares da economia do governo Lula.

“A política econômica norte-americana vem impulsionando uma desvalorização do dólar frente a várias outras moedas. Essa já é uma grande preocupação mundial”, diz Luciano Feltrin. No Brasil, o dólar atingiu a menos cotação, desde setembro de 2008, em outubro passado, chegando, no dia 13, a R$ 1,65, de acordo com o Banco Central. No longo prazo, o real valorizado não prejudicará apenas os exportadores, mas também a indústria brasileira voltada ao mercado interno, devido ao baixo preço dos produtos importados.

“Estamos com visão de otimismo, enquanto o resto do mundo vive uma situação de fragilidade. Para tentar reduzir esse problema, os EUA estão fragilizando sua moeda. Os chineses também fragilizam sua moeda. E do outro lado, tu tens o euro e o iene (do Japão), moedas fortes. Há como se fosse uma guerra de moedas: de um lado dólar e iuane chinês, de outro, euro e iene, cada um agindo a sua maneira para sair da crise. Nós tendemos a nos alinhar com a visão da Europa e do Japão”, afirma Antonio Carlos Fraquelli.

Países da União Europeia e o Japão têm suas exportações prejudicadas com estas medidas. “A Alemanha até recentemente era a maior exportadora mundial. Perdeu este lugar para a China. Com o euro muito valorizado não consegue mais colocar seus produtos”, exemplifica Antonio Carlos Fraquelli. O euro atingiu no início de outubro seu mais alto valor em oito meses.

O Japão, por sua vez, viu sua moeda, o iene, atingir no início do mês de setembro seu maior valor em relação ao dólar nos últimos quinze anos. Em seguida, o país asiático interveio, pela primeira vez desde 2004, no valor de sua moeda, ordenando uma compra maciça de dólares e venda do iene.

O professor da Ufrgs Marcelo Portugal refuta o termo “guerra de moedas”, ou “guerra cambial”. “Não existe exatamente uma guerra de moedas. Existe um problema cambial no mundo. Guerra parece que tem um inimigo, que você está atirando nele. Não é bem isso”. Para Portugal, os países não estão desvalorizando suas moedas pura e simplesmente, mas reduzindo os juros para estimular o setor produtivo. “Existem países que têm um problema porque sua economia está crescendo muito pouco. Esses países puxaram suas taxas de juros muito para baixo, isso gera um efeito colateral de desvalorizar o câmbio”, afirma.

Mas além de reduzir os juros, o governo estadunidense também aumentou a circulação de dólares na economia, capital que acaba migrando para países atraentes como o Brasil, tanto por sua taxa de juros quanto pela economia forte. Segundo contou a economista-sênior para a América Latina do Royal Bank of Scotland (RBS) Zeina Latif, em entrevista à Agência Brasil, o FED (banco central dos EUA) deve aumentar ainda mais a circulação de dólares em novembro. Segundo Latif, o ano de 2011 ainda deve ser complicado. A política monetária dos EUA deve se normalizar apenas em 2012.

guido mantega
Guido Mantega reagiu ao câmbio com aumento de impostos para investimentos estrangeiros (Foto: Valter Campanato/ABr)

Poucas saídas

Como as autoridades japonesas, o Brasil também não ficou parado. No mês de outubro, o ministério da Fazenda precisou aumentar por duas vezes o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) para investimentos de estrangeiros em renda fixa – investimentos bastante rentáveis no país devido à alta taxa de juros. No dia 4, essa alíquota passou de 2 para 4% e; no dia 18, de 4 para 6%. O real começou a se desvalorizar apenas após esse segundo aumento. O ministro da Fazenda Guido Mantega garantiu, porém, que, sem o primeiro aumento da alíquota, o real teria se valorizado ainda mais durante o mês de outubro.

Nos últimos dias, o real tem subido graças a esta medida – passou na quinta-feira (28) a R$ 1,71, segundo o Banco Central, e a um inesperado aumento da taxa de juros chinesa, já que o governo do país asiático geralmente reluta em tomar medidas que prejudiquem suas exportações. “Quanto ao IOF, acho que é uma medida válida, mas que não será capaz de modificar significativamente a situação por conta dos diferenciais de juros e do contexto internacional”, opina Luciano Feltrin. Para o economista Marcelo Portugal, as autoridades brasileiras não têm muitas opções, a não ser medidas que minimizem a valorização do real – como este aumento de imposto. “Não tem muito o que fazer a não ser minimizar, deixar cair (o dólar) um pouco menos. Desfazer a valorização do real é praticamente impossível”, afirma.

Os especialistas concordam que também é difícil precisar um patamar ideal de câmbio a ser perseguido. “Quando tu estás em uma guerra de moeda como essa tu não tens nem referência para onde vai isso aí. O Brasil trabalhava com uma barreira de R$ 1,80. Passou. Aí o Brasil estava com R$ 1,75. Passou. Depois o Brasil estava com R$ 1,70. Passou. Aí o Brasil começou a trabalhar com R$ 1,65. Foge ao controle”, afirma Fraquelli. “Não há medida ideal. Tem que deixar o câmbio flutuar, é como qualquer outro preço”, opina Portugal.

O presidente da FEE, Adelar Fochezatto, vê com naturalidade a valorização do real e minimiza a necessidade de mudar essa situação. “É natural que o câmbio flutue em uma política de câmbio flutuante. E à medida que o país melhora sua competitividade no mercado internacional, o dólar cai. É um pouco paradoxal querer que o câmbio aumente”, diz.

Para Zeina Latif é importante o governo ajustar suas contas. Reduzindo os gastos, o governo evita que precise aumentar ainda mais os juros em um futuro próximo. Cortar juros é uma solução evidente, mas uma medida que o governo faz apenas de forma gradativa para não ocasionar inflação.

Também à Agência Brasil, o ex-diretor do Banco Central Carlos Eduardo Freitas disse concordar com um ajuste fiscal, mas afirma que o governo está impossibilitado de fazer isso de forma mais severa, devido a despesas que são fixadas por lei e para não ir de encontro a políticas sociais e de aumento das aposentadorias e salário mínimo. Freitas sugere como soluções se o problema permanecer que o Brasil coloque prazo mínimo para permanência de investimento estrangeiro em renda fixa. Outra solução apontada por ele seria fixar altas taxas de imposto para os ganhos de capital de estrangeiros com títulos do governo, como fez a Tailândia.

Quem ganha e quem perde

De acordo com Antonio Carlos Fraquelli, o real valorizado prejudica todo o setor de exportações. “O país exporta soja, automóveis, petróleo (embora importe também), aviões, grãos, carne. Esses setores todos começam a ser afetados na medida em que o dólar fragiliza. O real fica muito forte e tu perdes competitividade”.

Apesar do prejuízo às exportações, a balança comercial – exportações x importações – ainda aponta superávit para 2010. Deve haver, porém, uma queda neste superávit. “Em 2009, o superávit da Balança Comercial foi de US$ 25 bilhões e este ano os especialistas já projetam algo entre US$ 10 e 15 bilhões. Isso é um reflexo dos efeitos prejudiciais do câmbio para a indústria nacional, mas por outro lado poderá ajudar ao ajustamento da taxa de câmbio”, explica Luciano Feltrin.

Para Feltrin, o maior problema para a indústria brasileira pode ocorrer no longo prazo, se o real se mantiver valorizado. “O grande problema é que se o real permanecer valorizado por muito tempo, os danos ao setor produtivo da economia brasileira podem ser muito grandes. Além de perder competitividade nos mercados internacionais, o câmbio valorizado barateia as importações, criando dificuldades para a indústria brasileira inclusive no mercado interno”, afirma.

Por ora, segundo Feltrin, consumidores são os maiores beneficiados pela alta da moeda brasileira, por poderem comprar produtos importados e viajar ao Exterior gastando menos, além das empresas que utilizam insumos importados. Antonio Carlos Fraquelli explica que a economia brasileira também se beneficia com a moeda valorizada porque isso diminui a inflação, já que preços de vários produtos dependem do valor do dólar. Marcelo Portugal relaciona algumas áreas que se beneficiam mais especificamente do real valorizado. “Para quem usa gasolina isso é bom, porque a gasolina não sobe no país há anos. Para quem usa energia elétrica é bom, porque tem um coeficiente no cálculo da tarifa que depende do câmbio”, exemplifica.


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