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4 de novembro de 2010
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Dilma venceria a eleição mesmo sem os votos de Norte e Nordeste

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Sul 21
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Ricardo Stuckert/PR
Foto Ricardo Stuckert/PR

Igor Natusch

Nos dias seguintes ao segundo turno presidencial, algumas interpretações do mapa eleitoral deram grande destaque às regiões Norte e Nordeste, consideradas decisivas para a eleição de Dilma Rousseff (PT). Os altos índices de votação obtidos nas duas regiões teriam alavancado a candidatura petista, neutralizando a votação mais acentuada de José Serra (PSDB) nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste. A análise motivou até manifestações xenófobas em redes sociais como Twitter e Facebook, onde eleitores de Serra usaram termos preconceituosos para responsabilizar os nordestinos pela derrota.

Porém, um cálculo mais atento mostra que, mesmo sem levar em conta os votos de Norte e Nordeste, Dilma Rousseff (PT) teria sido eleita presidente. Somando apenas votos das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, o candidato tucano teria alcançado 32.972.526 votos – menos do que os 33.247.650 obtidos por Dilma nessas três regiões. A diferença é pequena – 275.124 votos – mas garantiria a vitória da petista. Os votos de Norte e Nordeste, ainda que tenham ampliado a vantagem, não foram fundamentais para a eleição de Dilma.

Análises como essa mostram que os resultados revelados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) podem servir de subsídio para diferentes interpretações, muitas vezes antagônicas. Com os 55.752.483 votos obtidos no segundo turno, em 31 de outubro, Dilma Rousseff somou a segunda maior votação de um candidato à Presidência desde a redemocratização, superando os votos de Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso, e ficando atrás apenas dos 58.295.042, conquistados por Lula no segundo turno de 2006.

No Rio Grande do Sul, a derrota de Dilma Rousseff, no segundo turno presidencial, pode servir de indicativo de maior aprovação a José Serra. Mas, ao mesmo tempo, indica um crescimento com relação à votação obtida pelo atual presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, em 2006, período em que seu governo se via envolvido em denúncias de corrupção.

Avaliação simplista

Segundo o cientista político Rodrigo Gonzalez, professor do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Ufrgs, afirmar que o Nordeste elegeu Dilma não passa de uma “avaliação simplista, baseada em diferenças percentuais”. “Mesmo em estados mais populosos do Sul e Sudeste, como SP e RS, José Serra venceu por margem relativamente pequena. Em Minas Gerais, ele foi derrotado. Eram áreas onde Serra tinha expectativa de grandes vitórias, que acabaram não se concretizando”.

Para o cientista político André Marenco, da Ufrgs, vários pontos de vista podem ser válidos para essa questão. “Por um lado, é fato que, mesmo sem contar as regiões Norte e Nordeste, Dilma teria vencido”, admite. “Porém, também é verdade que em vários estados do Nordeste, como Maranhão e Pernambuco, as diferenças foram muito significativas”. O professor da Ufrgs cita outros dados significativos, como a divisão dos votos para Dilma e Serra dentro da cidade de São Paulo. “Nas áreas de maior renda, Serra saiu vencedor. Já na periferia, a votação de Dilma foi bem maior”.

Divisão coerente

Para André Marenco, uma divisão por renda seria mais coerente do que por estados ou regiões do Brasil. “Nas áreas de maior PIB, a tendência foi de vitórias de Serra, enquanto Dilma venceu em regiões mais pobres. José Serra, por exemplo, teve grande votação no cinturão do agronegócio, enquanto a grande votação de Dilma no Nordeste se explica pelos programas sociais de Lula. Acredito que seria uma divisão bem mais precisa”, argumenta.

Rodrigo Gonzalez lembra que os maiores colégios eleitorais do Nordeste são Bahia, Pernambuco e Ceará, estados de maior população. Outros estados teriam “grande importância simbólica”, mas as vitórias lá seriam menos impactantes no quadro eleitoral, já que o número de votantes é menor. “Na região Norte, vencer em um estado como Amapá ou Acre acaba equivalendo, em termos absolutos, a vencer em um grande município de SP, por exemplo. Um mapa eleitoral muito marcado, que divide o eleitorado por estados ou regiões, acaba não levando em conta muitas dessas particularidades”, diz Gonzalez.

Lula recupera popularidade no RS

A votação de Dilma Rousseff no Rio Grande do Sul é outro aspecto que abre margem para interpretações. A candidata petista, vencedora no RS no primeiro turno, acabou sendo superada por Serra na votação de 31 de outubro – enquanto Dilma fez 49,06% dos votos válidos, Serra conquistou o apoio de 50,94% do eleitorado gaúcho. Porém, se os 3.117.761 votos de Dilma não foram capazes de superar os 3.237.207 de Serra, ficaram acima da votação do próprio Lula no RS em 2006 – o atual presidente teve 2.811.658 votos gaúchos na campanha que garantiu sua reeleição.

André Marenco lembra que Lula sempre venceu no estado entre 1989 e 2002. A situação só inverteu-se em 2006, com a boa votação de Geraldo Alckmin (PSDB) no Rio Grande do Sul. “Lula chegou a ter 44% de aprovação por aqui, uma média bem inferior à nacional. Atualmente, é possível constatar uma recuperação da avaliação positiva de Lula no RS, muito parecida com os percentuais do restante do Brasil”. Para ele, isso explica a votação de Dilma Rousseff – que, se não foi suficiente para superar José Serra, ainda assim foi superior a de seu antecessor Lula em 2006.

Outra questão lembrada por Marenco refere-se à derrota de Dilma Rousseff nos principais centros urbanos do RS, como Porto Alegre. “Na capital, Dilma perdeu nos dois turnos”, lembra o cientista. “No Brasil inteiro, a classe média teve a tendência de não votar em Dilma. Aqui (no RS), o peso demográfico da classe média é maior. Os votos de Marina Silva (candidata do PV no primeiro turno presidencial) no estado foram, em sua maioria, para José Serra. Acho que há um corte de renda bem visível, também nos resultados do Rio Grande do Sul”.

Rodrigo Gonzalez está de acordo com essa análise, mas faz algumas ressalvas. “Podemos dizer que o eleitorado de Porto Alegre é de classe média, mas sem esquecer que 30% da população da cidade é de camadas mais baixas. A renda explica várias coisas, mas não todas. Se fôssemos levar em conta apenas a renda, Dilma deveria ter sido eleita com 70% dos votos ou mais. A mesma coisa se aplica a Serra: só os votos da classe média não garantiriam o percentual que ele obteve, de quase 45% do eleitorado”.

“Para Dilma e para o PT gaúcho, ter obtido menos votos do que Serra não é exatamente uma derrota”, argumenta Rodrigo Gonzalez, da Ufrgs. Para ele, a melhora na aprovação local a Lula, aliada a um cenário de “grande descrédito” com relação ao governo de Yeda Crusius (PSDB-RS), teve um impacto positivo sobre a votação de Dilma. “Poderíamos considerar uma derrota de Dilma se ela tivesse obtido índices muito inferiores aos de Tarso, ou mesmo de Lula em 2006. Não foi o caso”.

Transferência não é absoluta

O presidente Lula conta com índices inéditos de popularidade, ultrapassando a marca dos 80%. Enquanto isso, a candidata governista elegeu-se no segundo turno, com uma votação de 56% – bem abaixo dos percentuais de aprovação do presidente. Para alguns analistas, isso coloca em dúvida a capacidade de transferências de votos de Lula, considerada pelos partidários de Dilma Rousseff como “decisiva” nessa eleição.

Rodrigo Gonzalez acredita que essa questão precisa ser vista com “muito cuidado”. “Os percentuais de 80% são de aprovação aos resultados do governo, e não necessariamente uma declaração de apoio à continuidade dessas políticas. São questões diferentes”. Para o cientista, muitas pessoas personalizam os sucessos do governo, atribuindo-os a Lula e não ao PT – e, consequentemente, a Dilma Rousseff. “É perfeitamente possível que muitas pessoas gostem de Lula, mas tenham optado por votar em Serra”.

“A transferência de votos nunca é absoluta”, argumenta André Marenco. Ele lembra que, estatisticamente, o mais comum é estimar a taxa de transferência de votos em torno de 70%, o que não estaria muito distante dos resultados obtidos por Dilma. E arrisca uma explicação para o fato de muitas pessoas, que supostamente aprovam Lula, terem optado por votar em José Serra. “A grande questão do conservadorismo, nessas eleições, não foi o aborto, e sim o desacordo na temática social”, defende. “Muitos eleitores aprovaram a política de Lula, mas não queriam a continuidade dos projetos sociais, por julgarem que são injustos ou que servem apenas como opção de renda para quem não quer trabalhar. Ou seja, são pessoas que aprovam o governo em si, mas querem que esse aspecto sofra mudanças”.


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