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30 de outubro de 2010
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02:45

Último debate privilegia propostas, mas elimina discussão de ideias entre Dilma e Serra

Por
Sul 21
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Renato Rocha Miranda/Divulgação
Foto: Renato Rocha Miranda/Divulgação

Igor Natusch

Para quem sentia falta de ouvir as ideias dos candidatos à Presidência da República, o debate exibido pela Rede Globo na noite dessa sexta-feira (29) pode ter sido o ideal. Adotando um modelo bem mais expositivo do que os anteriores, o programa privilegiou perguntas formuladas por indecisos, tocando em variados temas da realidade brasileira. Porém, o último debate antes da eleição de 31 de outubro acabou apresentando pouco debate, propriamente dito. Quase não houve interação entre Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB), resumindo-se a algumas alfinetadas de lado a lado. Em um debate cheio de propostas e diagnósticos, a discussão de ideias acabou ficando de fora.

O modelo do programa, mediado pelo jornalista William Bonner, envolvia alguns recursos eletrônicos. O candidato interrogado ia até um painel, no qual podia escolher entre doze perguntas. Buscando garantir a lisura do debate, as perguntas foram auditadas pelo instituto Ibope, e eram lidas na hora por cada um dos indecisos. Não houve perguntas diretas entre os dois candidatos; Dilma e Serra apenas responderam as questões preestabelecidas, sem quebras de protocolo. De pé, andando sobre um palco circular, os candidatos tentaram simular um clima mais informal, de conversa com os indecisos e com o espectador. Não houve considerações iniciais: o debate começou logo após a entrada dos candidatos no estúdio, com José Serra sendo o primeiro a responder.

Exemplo de cima

A primeira pergunta do debate referiu-se ao funcionalismo. “Para que as pessoas sejam bem antendidas, é preciso um funcionalismo que assuma de fato a posição de servidor público”, declarou Serra. “Mas tem que ter um exemplo de cima. Funcionário não trabalha bem se o exemplo que ele recebe é ruim. Precisamos valorizar os bons profissionais”. Na réplica, Dilma focou em ações do governo Lula. “Há uma tradição no Brasil de pagar mal ao funcionário. Criamos o piso nacional do magistério, fizemos concursos e criamos planos de carreira. O funcionário é um ser humano, e tem que ser tratado com respeito”. Na tréplica, José Serra aproveitou para comentar a meritocracia. “Quero valorizar o mérito com bonificações. Isso estimula as pessoas a trabalharem melhor”.

A seguir, Dilma teve a chance de falar sobre agricultura. Citou o exemplo da agricultura familiar no RS, lembrando o programa Luz Para Todos do governo de Lula. “Comprometo-me a dar as mesmas condições da cidade para o agricultor e para os seus filhos. O programa Minha Casa Minha Vida 2 reservou residências para o campo”. Na réplica, Serra frisou que a agricultura precisa de renda e crédito. “O grau de endividamento do pequeno agricultor é muito elevado. O agricultor precisa de estrada e armazenagem. Falta muita infraestrutura, isso encarece as coisas. Estamos vendo uma inflação no preço dos alimentos”. Dilma frisou que o governo Lula aumentou o crédito agrícola em seu governo. “Nós criamos seguro agrícola para o pequeno agricultor. Isso tem diminuído a pobreza no campo. Esse aumento de preços de alguns alimentos é sazonal”, argumentou.

“A corrupção no Brasil chegou a níveis insuportáveis”, exclamou José Serra, ao ser perguntado sobre o assunto. O tucano pregou o reforço dos órgãos de fiscalização. “O sistema de punição não está funcionando direito, a impunidade floresce. O exemplo tem que vir de cima”, alfinetou. Dilma respondeu na mesma moeda. “Malfeito ocorre em qualquer lugar. É importante investigar e punir, doa a quem doer. A Polícia Federal e a Procuradoria Geral da União foram grandes instituições, investigando todas as acusações que recebeu”. Na réplica, Serra insistiu que o exemplo precisa vir de cima. “Quando o presidente passa a mão na cabeça de quem comete irregularidades, passa uma péssima mensagem para a população. Escolher bem é muito importante. Tem casos que até hoje estão insepultos, como o dossiê dos aloprados. Ninguém foi condenado”.

Na sequência, veio uma pergunta sobre segurança, feita por uma indecisa que disse ter sido assaltada “com uma arma na cabeça”. “O governo federal sempre disse que segurança pública não era com ele. Eu não concordo com isso. Acho que tem que haver uma política de segurança conjunta com os estados”, defendeu Dilma, propondo a criação de polícias comunitárias. Serra pediu o combate do tráfico de armas e drogas. “Sem isso, todo o resto é fantasia”, frisou. “A luta contra o crime deve ser nacional, até para que os estados possam trocar informações. O estado tem que se jogar nisso. Temos que fazer um ministério da Segurança, para diminuir de fato a criminalidade”. Dilma rebateu uma fala de José Serra, que disse que iria criar um cadastro nacional de criminosos. “Isso já existe”, afirmou, lembrando os programas Infoseg e Infopen. Defendendo o uso de tecnologia na segurança das fronteiras, Dilma Rousseff lembrou o uso de aviões não tripulados, adquiridos pelo governo federal.

Gabriel de Paiva / Divulgação
Foto: Gabriel de Paiva / Divulgação

Professores e cassetetes

Indagada sobre saneamento, Dilma prometeu investir em prevenção de enchentes. “Muitas vezes, os governos estadual e federal não investiam em habitação, forçando as pessoas a morar em áreas de risco. Fizemos o programa Minha Casa Minha Vida para resolver isso, e vou fazer muito mais investimentos em drenagem, em parceria com os estados. Temos que garantir que as pessoas vivam em condições decentes nas periferias”. Serra, na réplica, lembrou que saneamento também é um problema de saúde – o que serviu de deixa para citar algumas de suas realizações como ministro da Saúde. “O governo federal duplicou impostos sobre saneamento. Isso dificulta”. Na tréplica, a candidata petista que o saneamento exige muitos investimentos, e prometeu fazê-los durante seu governo. “O Brasil tem que zerar o déficit em saneamento”, defendeu.

Falando sobre educação, o candidato tucano propôs um pacto nacional pela educação, “acima das questões políticas e eleitorais”. Na sua vez de falar, Dilma voltou a falar na necessidade de oferecer bons salários ao magistério. “Não se pode estabelecer uma relação de atrito quando professor pede melhores salários, recebendo eles com cassetete”, disse a candidata, alfinetando Serra pelos recentes conflitos com professores em SP. “Eu sou professor, passei a vida inteira dando aula”, comentou Serra na hora da tréplica. “A questão fundamental está na sala de aula, pelo treinamento e estímulo dos professores. Tem que haver uma reciclagem permanente, senão a coisa não anda”.

“Precisamos gerar ainda mais postos de trabalho, para que cada vez mais pessoas possam sair da miséria”, declarou Dilma, falando sobre pequenas empresas. “Na pequena empresa é que se gera a maior quantidade de empregos no Brasil. Tem gente que acha que é na grande empresa, mas não é”. Serra afirmou que o Brasil é um dos países do mundo com maior incidência de impostos sobre a folha salarial. “Temos que ser muito responsáveis nessa matéria. Mas acho que dá para avançar na desoneração dessa folha de salário”, defendendo a aplicação de sistemas de microcrédito. “Quando você diminui a tributação, não diminui necessariamente a arrecadação. Na verdade, aumenta o consumo e cria um círculo virtuoso”, afirmou Dilma na tréplica.

Perguntado sobre saúde, Serra disse que o Brasil “andou para trás” nesse assunto. “Tudo que estou propondo eu já fiz em algum lugar, por isso tenho muita segurança quanto a elas”, garantiu. Dilma tomou a palavra, admitiu que o SUS é “incompleto”, e se comprometeu a melhorá-lo. Durante a resposta, a candidata citou projetos para atendimento descentralizado e para apoio a gestantes. “Quando o hospital é do governo, ele recebe salário. Mas quando está em uma Santa Casa, depende do que o governo vai pagar”, comentou Serra na sequência, citando também a necessidade de “turbinar” a fabricação de medicamentos genéricos.

Questões sociais

O último bloco começou com uma questão sobre meio-ambiente. “O desmatamento é um crime contra o Brasil”, exclamou Dilma. “Começamos um processo de redução do desmatamento na Amazônia. Reduzimos de 27 mil km quadrados para 7 mil km quadrados”, citou. Serra, por sua vez, frisou a necessidade de criar alternativas econômicas para quem depende do desmatamento para ter renda. “Muitas vezes, a ausência de alternativas leva alguns pequenos proprietários ao desmatamento”, concordou Dilma, prometendo criar programas de aquisição específicos para produções locais, como a castanha-do-pará.

“Temos que criar mecanismos de assistência para os mais pobres, mas também dar condições para que essas pessoas tenham renda. Quero criar incentivos para que a família vá para cima”, defendeu José Serra, indagado sobre assistência a famílias de baixa renda. “Quem cuida de pobre em SP é o governo federal”, atacou Dilma. “A questão social é central para meu governo. Além dos números, de concreto e cimento, o mais importante é a vida das pessoas. 28 milhões de pessoas saíram da pobreza, e vamos tirar as outras 21 milhões”, garantiu a candidata. “Política social é mais que transferência de renda, é também saúde. Nesse sentido, andamos para trás”, assegurou Serra na sua vez de falar.

Perguntada sobre educação, Dilma defendeu o ProUni, lembrando os benefícios gerados para estudantes universitários. “Quando você tem educação, você conquista todo o resto. Um país que se educa é um país diferenciado. Antes, estava proibido que o governo federal fizesse escolas profissionalizantes. Conseguimos retomar isso”, declarou a petista, dando nova alfinetada no governo de FHC. Serra, por sua vez, defendeu a diminuição da carga tributária, fazendo uso mais racional do dinheiro arrecadado. “Serviço público tem que ser algo que até custa muito, mas que as pessoas se sentem contempladas”, defendeu. Dilma Rousseff atribuiu o aumento de arrecadação de impostos ao aumento do consumo pelas classes mais baixas da população. “Reforma tributária não garante automaticamente serviço público de qualidade. Tem que ter compromisso com serviço público de qualidade”, disse.

Na última pergunta, sobre trabalho informal, Serra defendeu o crescimento sustentável da economia como meio de incentivar mais pessoas a formalizarem sua situação. “O Brasil precisa de economia forte. Não pode ter situação de voo de galinha, que vai para frente e para logo em seguida”, disse o tucano. Dilma disse que formalizar a economia é “a melhor coisa que podemos fazer para o Brasil”. “Criamos três vezes mais empregos que o governo anterior (FHC). São 15 milhões de empregos a mais. Isso não é voo de galinha, vem desde 2003”, respondeu. Serra, na tréplica, defendeu a adoção de um Banco do Povo, com juros de 0,7% ao mês. “A lei do microempreendedor individual tem que pegar. Porque não pegou ainda?”, perguntou.

Encerrando o debate, os candidatos fizeram suas considerações finais. Por sorteio, Dilma Rousseff teve a chance de começar. “Represento um projeto que fez com que o Brasil despertasse para a própria grandeza. Represento também um projeto de valorização das pessoas. Foi uma campanha dura, fiquei muito triste em alguns momentos devido a um conjunto de calúnias divulgadas pela internet, panfletos e até por telefone. Mas não guardo mágoas. Peço o apoio dos brasileiros para criar um país para todos”.

“Espero ter contribuído com minhas respostas para tirar algumas dúvidas”, começou Serra, na hora de sua despedida. “Ofereço minha vida, minha biografia. Venho de família honesta, estudei em escola pública, fui líder na juventude e perseguido na ditadura. Fui ministro, prefeito e governador. Com pé no chão, a cabeça no futuro e o Brasil no coração, dá para avançar muito. Proponho ao eleitor uma aliança pelo Brasil”.


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