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25 de outubro de 2010
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22:00

Raul Pont: “Contratos de Yeda para PPPs não são éticos”

Por
Sul 21
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Bruno Alencastro/Sul21
Foto: Bruno Alencastro/Sul21

Igor Natusch

Durante dois mandatos, o deputado estadual Raul Pont (PT) foi um combativo opositor do governo do Estado. Na Assembleia, fiscalizou e criticou as administrações de Germano Rigotto (PMDB) e de Yeda Crusius (PSDB). Com a eleição de Tarso Genro (PT) em primeiro turno, ele se prepara para trocar de lado e atuar na defesa do governo estadual. Membro fundador do Partido dos Trabalhadores, deputado estadual nos tempos da Constituinte, ex-prefeito de Porto Alegre, secretário-geral do PT nacional entre 2005 e 2007, Raul Pont viveu como poucos os altos e baixos da trajetória petista no Rio Grande do Sul. Hoje, ao mesmo tempo em que comemora a votação de Tarso e a própria reeleição para a Assembleia, Pont se engaja em uma disputa de importância nacional: a candidatura de Dilma Rousseff (PT) à Presidência da República, o que não quer dizer que o deputado petista tenha perdido o foco das questões regionais.

Durante conversa com o Sul21, Raul Pont criticou medidas como a da adoção de Parcerias Público-Privadas (PPPs) pelo governo Yeda, em especial as que envolvem a construção de um presídio em Canoas, cidade governada pelo petista Jairo Jorge. Nem mesmo a proximidade partidária impede Pont de criticar o projeto, que encara como um desperdício de dinheiro e uma tentativa de comprometer o futuro governo do estado. Também criticou duramente o jornalista Políbio Braga, que apareceu na propaganda eleitoral de José Serra (PSDB), dando um depoimento contra Dilma, de quem foi colega por um breve período, durante o governo de Alceu Collares. “Ele não tem nenhuma moral para falar de ética ou competência”, disparou Pont.

O deputado petista comentou também a votação de Tarso Genro, que interpretou como um sinal de que é possível vencer eleições importantes sem fazer alianças com partidos muito à direita do político. Chamou de “desastroso” o governo de Yeda Crusius, ao qual acusou de ter promovido uma ciranda de secretários nos quatro anos de mandato. Afirmou que a candidatura de Tarso foi promovida diretamente pela corrente interna à qual pertence, Democracia Socialista. E descartou a discussão sobre as eleições municipais de 2012, na qual o PT pode abrir caminho para uma candidatura de Manuela D’Ávila (PCdoB).

“É possível vencer
uma eleição com um leque
de alianças restrito”

Sul21 – A eleição de Tarso Genro marca mais do que o retorno do PT ao governo estadual, depois de oito anos. Trata-se, também, da primeira disputa estadual gaúcha definida em primeiro turno desde a redemocratização. Ao que podemos atribuir esse sucesso? Qual a análise que o partido faz dessa votação?
Raul Pont
– Foi inédito no governo estadual, mas um de nossos mandatos em Porto Alegre também foi conquistado em primeiro turno, com votação muito expressiva (refere-se à própria eleição, em 1996). De qualquer modo, é claro que a conquista do governo gaúcho envolve um conjunto de situações bem mais complexo. Acho que existe um debate histórico dentro do PT, dentro de suas várias correntes e dentro da própria esquerda, que se refere à política de alianças. Até que ponto as alianças são uma condição sine qua non para alcançar grandes vitórias eleitorais? Acho que essa vitória (de Tarso) mostrou que essa tese (de que alianças são fundamentais) não se sustenta, e que é possível vencer uma eleição com um leque de alianças restrito. A Unidade Popular traz apenas partidos do campo da esquerda, mais o PPL, que é um partido novo, em construção, e o PR, que tem representação em outros estados, mas que aqui (no RS) também é muito pequeno. E do outro lado tínhamos uma candidatura dos dois grandes partidos herdeiros do MDB (PMDB e PDT), e outra que representava um campo historicamente mais conservador, com partidos como PSDB e PP. E o Tarso ganhou em primeiro turno.

Foto: Bruno Alencastro/Sul21

Sul21 – Como foi trabalhada essa candidatura dentro do PT gaúcho?
RP
– Nós construímos uma campanha de unidade no PT com bastante tempo de antecedência, com o acordo de todas as correntes. O nome do Tarso não só unificou o partido, como também combinava uma exposição pública e uma atividade ministerial que garantia uma visibilidade muito grande. Além da que ele tinha como dirigente político histórico no estado, como prefeito e deputado. Esse foi um elemento muito positivo. Além disso, há uma conjuntura do governo federal, que nós representamos nessa eleição e que alcançou grande popularidade. Não só o Lula, mas também uma campanha muito positiva da Dilma. Fizemos (com Tarso) uma campanha muito colada com a campanha nacional, e isso teve resultado nas urnas. Sem esquecer a crise muito profunda do governo Yeda (Crusius), que foi desastroso e passou todo o tempo sendo acusado de corrupção e incompetência administrativa. (O governo Yeda) mostrou incapacidade de construir um secretariado efetivo, ficou experimentando secretários ao longo dos quatro anos que esteve no poder. Uma verdadeira ciranda. Um governo que foi acumulando desgastes, brigando com o funcionalismo, brigando com o magistério, dilapidando o patrimônio público com vendas desnecessárias, como a que envolveu o Banrisul. A rejeição da governadora mostra isso.

Sul21 – Em eleições anteriores, foi muito incentivado o sentimento anti-PT, o que tornava as eleições ainda mais polarizadas no Rio Grande do Sul. Essa votação de Tarso é um sinal de que esse sentimento está superado?
RP
– Sempre se tentou muito explorar o antipetismo, que era muito preconceituoso e pouco politizado, assentado em coisas que não tinham muito que ver com a realidade. Foi assim com a questão da Ford e várias outras disputas. Mas acho que, agora, com a experiência do Lula, de um lado, e de governos do (Germano) Rigotto e da Yeda, as pessoas começaram a ver que essas alternativas, com toda a crise que criavam, não eram melhores. Não governaram melhor, não equacionaram melhor os problemas. E o povo voltou a nos dar credibilidade, entendeu que o PT não era esse bicho papão. Porque essa imagem que faziam de nós não batia com a realidade. Não existe ideologia que se sustente sem alguma base no mundo real.

“Não temos tendências para brigarem
entre si, mas porque esta é a melhor
maneira de construir um programa”

Sul21 – Em posicionamentos contrários aos governantes do PT, é comum ouvirmos que as diferentes correntes internas do partido geram confusão e criam brigas dentro da sigla. Isso foi usado, por exemplo, por Pedro Simon (PMDB), que disse que Tarso teria problemas com Dilma, por pertencer a uma corrente diferente. Agora, há quem fale de possíveis problemas entre o senhor e Tarso Genro, já que também pertencem a correntes distintas dentro do PT. Como o senhor responde a essas colocações?
RP
– Nosso partido tem, desde que nasceu, o direito de tendência. Para nós, isso não é um defeito, e sim uma virtude. Nós não temos tendências para brigarem entre si, e sim porque temos a compreensão de que essa é a melhor maneira de construir um programa, de construir nossas convicções. Não é porque, em um ou outro momento, a minha corrente e a do Tarso tiveram posições distintas que isso impede que tenhamos relações muito profundas. Eu fui vice do Tarso durante quatro anos, e nunca tivemos problema algum. A confiança mútua foi uma constante nesse período. E quem apresentou a candidatura do Tarso fomos nós! Foi a DS (Democracia Socialista, corrente política de Pont), unido a um conjunto de correntes que formam um movimento nacional chamado Mensagem Ao Partido. Foi esse movimento que tomou a iniciativa, fomos nós que apresentamos o nome do Tarso. Outras correntes apresentaram nomes como o Adão Villaverde e o Ary Vanazzi, mas a discussão acabou trazendo um consenso em torno de Tarso, e o partido saiu da convenção fechado nesse sentido. Tivemos um trabalho muito harmonioso, uma unidade na construção dessa vitória.

Mauro Schaefer/Ag. AL
Foto: Mauro Schaefer/Ag. AL

Sul21 – Tarso Genro afirmou que não irá pedir que a atual governadora, Yeda Crusius (PSDB), suspenda as Parcerias Públicas Privadas (PPPs), que ela está disposta a adotar na reta final de seu governo. O senhor já deu muitas declarações colocando dúvidas sobre essa posição…
RP
– Não foi bem isso o que ele disse. Ele afirmou que não vai contestar contratos juridicamente perfeitos. Isso é uma coisa. Agora, ele já se posicionou contra o uso de PPPs para o sistema prisional. Ele não é o atual governador. O governador tem autonomia e direito de fazer uso das PPPs. Não questionamos isso. O que estamos dizendo é que alguns desses contratos – não por serem PPPs, mas por envolverem valores extremamente altos e prazos muito longos – não são éticos, inclusive à luz da Lei de Responsabilidade Fiscal. Não é correto que, em final de mandato, você estabeleça contratos ou assuma dívidas que serão administradas por outros governos, durante um longo período. O problema não é ser contra ou a favor de PPPs , porque a PPP pode se referir desde a uma pequena creche – a qual ninguém seria contra – até um volumoso contrato de entrega de uma autopista, por exemplo.

Sul21 – Há o temor de que isso reproduza problemas anteriores, como os que Olívio Dutra enfrentou na sucessão a Antônio Britto?
RP
– Exatamente, é esse mesmo o problema. Essa empresa que quer fazer a RS-10, por exemplo. Ela vai investir de modo correto, vai ter a contrapartida de cobrar o pedágio, não há nada de errado nisso. Agora, o contrato que a governadora está fazendo, além de dar concessões de três praças de pedágio em 40 quilômetros – o que transforma isso em uma mina de ouro – ainda concede um garantia de R$ 70 milhões em vinte anos ao empreendedor, com correção monetária. Só com o valor não corrigido, que dá R$ 1 bilhão e 400 milhões, já se poderia construir a estrada! É a mesma coisa com os contratos do Cais do Porto, ou do sistema prisional de Canoas.

Sul21 – E quanto à posição do prefeito de Canoas, que é do PT (Jairo Jorge)? Ele está negociando diretamente com a governadora, e aprova esse projeto para a construção de um presídio…
RP
– O governo municipal está de olho no distrito industrial que poderá sair daquela área (em que será construído o complexo prisional), que é muito grande. Mas aí já tem problemas também, porque toda aquela área está originalmente prevista para ser um parque, uma área de preservação. Não é que a área seja imensa e esteja sobrando, de modo algum. É que o município alega não ter mais áreas abertas para dedicar à indústria. Mas aquele terreno já é a metade do Parque Saint-Hillaire, então não é nenhuma área enorme que possa ser fatiada e ainda assim continuará imensa. Se ela já está pela metade, eu tiro mais um pedaço para o sistema prisional, tiro outro para um distrito industrial… Vai sobrar quanto para ser um parque mesmo, com as dimensões que a cidade necessita e a Região Metropolitana precisa? Essa crítica, feita pelos ambientalistas, permanece sem resposta.

“Se posso pagar para uma empresa
privada administrar um presídio,
por que não investir nos presídios?”

O Tarso já se manifestou explicitamente, dizendo que o sistema prisional é responsabilidade primordial do estado. E que duvida, inclusive, que não seja inconstitucional passar isso para uma empresa privada. Além disso, questionamos também os valores previstos nesse contrato. O estado vai pagar um custo diário previsto por apenado muito maior do que ele já pratica nos demais presídios. Ora, se eu posso pagar esses valores para uma empresa privada administrar um presídio, se eu posso dobrar o valor do custo do apenado, então por que não investir nos presídios que já temos no estado? Agora, se a governadora diz, como disse a Ana Pellin (diretora-geral da FEPAM), que é responsável pelo projeto, que não conhece os custos envolvidos na obra, que não tinha esse estudo… Eles (governo Yeda) estão me dando razão. Não fui eu quem fiz os cálculos, foi o próprio governo quem disse que o custo atual do preso é de cerca de R$ 600, e essa licitação tem valor mínimo por apenado de R$ 1.700 e máximo de R$ 2.700 por mês. É quase três vezes o valor! Se a ideia da PPP é fazê-la porque não tem dinheiro… É essa a nossa contrariedade. O governante pode governar, mas negócios que não se justifiquem vão ser criticados. Não vamos assinar embaixo.

Marcelo Bertani/Ag. AL
Foto: Marcelo Bertani/Ag. AL

Sul21 – Depois de dois mandatos como oposição, o senhor terá a chance de atuar como deputado da situação. Como o senhor está encarando essa mudança de perspectiva?
RP
– Não participei diretamente do governo Olívio Dutra, porque era prefeito de Porto Alegre na época. Mas sei o que é ser governo, não tenho problema nenhum em defender governo. Agora, nós somos governo, mas nem por isso deixamos de ter opinião. Vamos sempre ter uma relação de apoio, um relação direta de construção de governo. Vamos procurar construir acordos com outros partidos em torno de projetos. Antecipar, conversar com as lideranças antes de um projeto ser encaminhado já como um fato consumado. Acho que essas coisas são possíveis, pena que esse governo (Yeda) nunca praticou isso. Nós só ficávamos sabendo das coisas quando elas já estavam tramitando em regime de urgência. Acho que projetos importantes devem ter um processo de consulta, de discussão. Não há problema em sentar com as bancadas, ou chamá-las para construir projetos em parceria. Essa relação tem que ser construída, não é algo matemático, é fruto de um entendimento.

Sul21 – O senhor acredita que Tarso terá maioria na Assembleia?
RP
– Não sei se teremos maioria, mas teremos um quadro bem melhor do que teve o Olívio. Primeiro porque somos mais fortes. Só PT, PSB e PCdoB já somam 18 deputados. Estamos conversando uma participação direta do PDT no governo, já os convidamos, conversamos isso com a direção do partido e com os deputados. Queremos compor um governo de coalizão com eles. Isso já significaria mais 7 deputados. Já são 25. Mais o PRB, que também tem se declarado componente do bloco da Unidade Popular e do governo Lula, dá 26 deputados. Já estaremos muito próximos de alcançar a metade mais um, que é de 28. No governo Olívio, tínhamos uma minoria muito difícil de negociar. Já temos um trânsito, um diálogo com alguns partidos e alguns deputados, que nos autorizam a buscar uma situação de diálogo muito mais fluente.

Sul21 – Como o senhor analisa o momento da campanha presidencial, dentro de uma perspectiva regional? Quais articulações estão sendo feitas?
RP
– Acho que o ato mais significativo foi o encontro que fizemos com o PTB, com a presença do Zambiasi e deputados do partido, além de um setor do PMDB, capitaneado pelo Mendes Ribeiro Filho, mas com o apoio expressivo de muitos prefeitos que estão nos ajudando. O PDT também é importante, e está conosco, ao lado de Dilma, desde o primeiro turno. Esse conjunto de forças, somado à Unidade Popular e à presença de representantes das centrais sindicais, estudantes universitários e movimentos sociais, tem uma abrangência que eu considero muito positiva. E seguimos articulando, conversando com outros partidos. Aqui no RS, temos vários prefeitos do PP que já declararam apoio e estão fazendo campanha pela Dilma. O comício em Caxias e a caminhada em Porto Alegre foram novos testes para a nossa popularidade, para essa representatividade que estamos tentando construir.

“O candidato adversário
continua insistindo em
situações totalmente inverídicas”

Sul21 – Nas últimas semanas, a campanha eleitoral foi tomada por uma série de discussões de cunho moral e religioso, em especial as relacionadas com o aborto. Como o senhor encara isso?
RP
– Não somos nós que estamos pautando isso, e sim o nosso adversário (o tucano José Serra), apoiado por muitos dos grandes meios de comunicação. Adotaram essa pauta porque sabem que na pauta programática, a que de fato interessa à população, eles são fragorosamente derrotados. Essa tentativa de criar uma agenda completamente falsa e distorcida, enfiando uma discussão de valores religiosos em um estado que é laico, é uma postura golpista, que tenta transportar o processo eleitoral para o lado do obscurantismo e da barbárie. Essa questão do aborto, ou discutir se Deus existe ou não existe, ou se a orientação sexual livre de cada cidadão pode levar ao crime de pedofilia… São as coisas mais absurdas, mas que têm um sentido muito claro, que é de inverter a pauta, trazer essas questões para o centro do debate. Somos contra isso, e estamos tentando inverter essa lógica, fazer uma discussão em outro nível. Mas o candidato adversário continua insistindo em situações totalmente inverídicas.

Eu vi na televisão, ninguém me contou, um programa do adversário tentando imputar crime na participação da Dilma na secretaria de finanças de Porto Alegre, no governo Collares. Um factoide, sem nenhuma sustentação na realidade, uma história completamente mentirosa. Quem é que não sabe do modo como o Políbio (Braga, ex-chefe da Casa Civil) saiu do governo Collares, praticamente corrido do governo debaixo de acusações muito graves. Não durou dois meses no cargo. E esse cidadão se dispor a gravar um programa, dizer com a maior hipocrisia que a Dilma é incompetente… Um programa eleitoral explorando o testemunho de alguém que não tem nenhuma moral para falar de ética ou competência. Mas o que se pode fazer? Essa é, e sempre foi, a pauta da direita.

Sul21 – E para 2012, nas eleições municipais de Porto Alegre? Já se comenta que Manuela D’Ávila (PCdoB) é uma candidata natural. O PT abriria mão da cabeça de chapa?
RP
– Olha, não tem nenhuma discussão em andamento sobre isso, e nenhum compromisso assumido previamente pela coligação. Essa discussão simplesmente não está acontecendo no partido, é completamente extemporânea.

Sul21 – Mas a possibilidade existe?
RP
– Isso será discutido no momento apropriado, no final do ano que vem, início de 2012. Evidente que nós vamos querer manter a Unidade Popular para a disputa da prefeitura, essa é a nossa certeza. Mas, fora isso, não há nenhuma espécie de compromisso acertado, nenhum protocolo assinado sobre essa possibilidade. Não temos nem o resultado da disputa pela Presidência da República, o que terá desdobramentos fortes nas disputas políticas dos municípios. Ainda é cedo para essa discussão.


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