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27 de outubro de 2010
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23:42

Ministros do STF decidem pela validade da Ficha Limpa nessas eleições

Por
Sul 21
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Gil Ferreira/SCO/STF
Foto: Gil Ferreira/SCO/STF

Igor Natusch

Em um julgamento tenso, pontuado por desentendimentos e ironias, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu pela validade da Lei Complementar 135/10, conhecida como Lei da Ficha Limpa. A sessão tinha como objetivo julgar recurso de Jader Barbalho (PMDB-PA), que foi impedido de concorrer ao Senado por ter renunciado a cargo eletivo. Depois de um empate em 5 a 5 – repetindo resultado de julgamento anterior, a partir de recurso de Joaquim Roriz (PSC-DF) – os ministros do STF decidiram, por 7 a 3, aplicar o artigo 205 do regimento interno do STF, que prevê a manutenção de decisão anterior em casos de impasse. Com isso, prevalece o entendimento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e a Lei da Ficha Limpa é considerada válida para as eleições de 2010.

Jader Barbalho foi eleito senador, mas agora está impedido de assumir, com base na Lei da Ficha Limpa. O político, que exerce cargo eletivo como deputado federal, renunciou ao Senado em 2001, para escapar de um processo por quebra de decoro parlamentar. No julgamento de hoje, o advogado de Barbalho, José Eduardo Alckmin, disse que a renúncia de seu cliente foi decidida em meio a uma complicada trama política, e teve como objetivo evitar uma auto-incriminação. O advogado de defesa também disse ver na Ficha Limpa uma “aparência casuística”, lembrando também a alta votação obtida por Jader Barbalho nas eleições de 3 de outubro – quase 1,8 milhões de votos.

Entre as acusações contra Jader Barbalho, estava a suspeita de desvios de dinheiro do Banpará. Além disso, Barbalho teria desviado recursos da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), usando os recursos para construir um criadouro de rãs.

Os ministros Joaquim Barbosa (relator do processo), Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Carlos Ayres Britto e Ellen Gracie votaram contra o recurso do peemedebista. Para eles, a aplicação da Lei da Ficha Limpa é imediata já que não teria influência direta sobre o processo eleitoral. Já Marco Aurélio Mello, José Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Cezar Peluso aceitaram o recurso de Jader Barbalho, opondo-se à aplicação da Lei nas eleições de 2010. Os votos são exatamente os mesmos dados no caso de Joaquim Roriz. O empate, normalmente impossível pela existência de 11 ministros, tornou-se possível pela ausência de Eros Grau, aposentado em agosto ao completar 70 anos de idade, e o fato de ainda não ter sido designado um substituto pela Presidência da República.

Desentendimentos

Antes de começar seu voto, o ministro Gilmar Mendes pediu um intervalo de 20 minutos, quando cinco magistrados já tinham se pronunciado. Após o breve recesso, Mendes deu uma declaração que revoltou alguns de seus colegas, ao qualificar como “casuísmo jurisprudencial” a decisão do TSE que livrou o deputado federal Valdemar Costa Neto (PR-SP), mesmo que ele tenha renunciado ao cargo em 2005, debaixo de denúncias de corrupção. Irritado, o ministro Ricardo Lewandowski, que também é presidente do TSE, não aceitou a alfinetada. “Eu repilo qualquer insinuação de que o TSE esteja fazendo casuísmo jurisprudencial. Repilo com veemência”, frisou. A ministra Carmen Lúcia também se manifestou rapidamente contra a insinuação de Mendes. “É preciso primeiro verificar em que contexto se deu a decisão. Desde o primeiro ano de direito a gente aprende a tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais”. Gilmar Mendes ouviu os argumentos, mas não pareceu convencido.

Gil Ferreira/SCO/STF
Foto: Gil Ferreira/SCO/STF

Gilmar Mendes foi, dentre os que votaram pelo deferimento do recurso de Jader Barbalho, o que se posicionou de forma mais dura. Chegou a comparar a Ficha Limpa a leis nazi-fascistas. Uma das críticas do magistrado refere-se à alínea K da Lei, que prevê oito anos de inelegibilidade para quem renunciar a cargo eletivo com o objetivo de escapar de cassação. “Dificilmente vai-se encontrar um caso tão explícito da mais inequívoca e escancarada retroatividade”, vociferou Mendes durante a defesa de seu voto. Criticou também a aprovação da Ficha Limpa pelo TSE, que atribuiu ao clamor popular a favor da lei. “As assinaturas foram promovidas por organizações partidárias. Daqui a pouco, se houver mobilização popular, um pai que bater em seu filho uma única vez poderá perder a custódia da criança, por exemplo. Quem sabe até ser esterilizado”, exaltou-se. Para ele, a Ficha Limpa é uma “lei casuísta”, criada para alguns candidatos “vencerem eleição no tapetão”.

Novo impasse

Com a confirmação do empate, chegou o momento de nova discussão – a que decidiria qual critério seria adotado para desempate. A defesa de Jader Barbalho chegou a solicitar o adiamento do julgamento, mas a maioria dos magistrados se posicionou de forma contrária a essa medida. Após deliberações, sete ministros posicionaram-se a favor da validade da decisão anterior do TSE. Outros três optaram pela utilização do voto de minerva, a cargo do presidente do STF, Cezar Pelluso – critério que, se aprovado, teria barrado a Lei da Ficha Limpa.

O impasse provocou novas discussões entre os ministros. “Não estamos aqui para brincadeiras”, protestava o ministro Joaquim Barbosa, exigindo que a decisão sobre a Ficha Limpa fosse realizada ainda naquela sessão. “Estamos no segundo turno. O caso é de urgência”, reforçou Ayres Britto. Enquanto decidia-se entre manter a sessão ou adiá-la, a ministra Ellen Gracie alfinetou o ministro Marco Aurélio, pedindo que ele concluísse rapidamente o seu voto. A resposta foi dura. “Vossa Excelência está presidindo a sessão? Ou quem sabe tem uma viagem marcada, e não pode esperar”, disparou.

Em alguns momentos, era quase impossível entender o que era dito, já que os magistrados falavam ao mesmo tempo, alguns deles bastante exaltados. “Se deixamos que a decisão do TSE seja definitiva, abrimos mão de nosso papel como Corte suprema”, reclamava o ministro Marco Aurélio. Ellen Gracie foi a responsável pela decisão, sendo dela o sexto voto que sacramentou a opção de utilizar o entendimento do TSE sobre a questão. A última manifestação, do presidente do Supremo, Cezar Pelluso, foi realizada quando a decisão a favor da Ficha Limpa já estava consolidada. Mesmo assim, o magistrado descartou a ideia de usar seu voto como critério de desempate. “Não tenho vocação para déspota”, exclamou, aprovando a decisão da maioria dos demais e garantindo a aplicação imediata da Lei da Ficha Limpa.


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