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19 de outubro de 2010
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21:39

Jornalista relembra duplo assassinato que abalou o Rio Grande do Sul

Por
Sul 21
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Igor Natusch

O livro “Caso Kliemann – A história de uma tragédia”, escrito pelo jornalista Celito De Grandi, resgata em detalhes uma das histórias mais trágicas da política gaúcha: o assassinato de Euclydes Kliemann, deputado estadual pelo PSD, e de sua esposa Margit. O enredo é digno dos mais complexos livros policiais: uma mulher bonita e famosa brutalmente assassinada, uma investigação policial que aponta a participação do marido político no crime, e o assassinato do próprio político, morto a tiros enquanto falava a uma rádio de Santa Cruz do Sul. Tudo foi transmitido ao vivo. Intrigas jornalísticas, personagens nebulosos e um crime não resolvido dão o tempero a essa intrincada história. O livro, editado pela Literalis e EDUNISC, será lançado nesta quarta-feira (20), às 19h, no Vestíbulo Nobre da Assembléia Legislativa do RS.

Celito era um jovem repórter do Diário de Notícias na época em que Margit Kliemann foi assassinada. “Foi um acontecimento para a comunidade gaúcha. Não só pelo fato de ter sido um assassinato brutal, mas também por envolver um casal jovem e bem-sucedido, além de um dos políticos mais destacados do estado. Naturalmente, me interessei pela história”, conta. A repercussão foi além das fronteiras do RS, e até mesmo repórteres da revista O Cruzeiro, então a publicação mais destacada do país, foram deslocados para fazer cobertura do caso. Na época, Celito era responsável por uma coluna de perfis chamada Verso e Reverso, e entrevistou o delegado Júlio Moraes, responsável pelas investigações do crime.

Das páginas do livro, surge um casal de personalidades distintas. Euclydes era um político enérgico, ligado ao PSD e que não fugia de confrontos. O deputado era um dos principais opositores de Leonel Brizola, membro do PTB e governador gaúcho na época. Os embates entre Kliemann e Sereno Chaise, líder governista na Assembleia, entraram para a história – alguns deles são reproduzidos no livro. Enquanto isso, Magrit era uma pessoa tranquila, que jogava bridge com as amigas e estudava francês. “A política não era assunto que a entusiasmasse”, explica Celito De Grandi. “A irmã de Margit casou com um político do PTB. Como ela mesma era casada com um integrante do PSD, isso criava algumas situações delicadas. Ou seja, ela até evitava um pouco o assunto, ainda que se engajasse ao lado do marido em épocas de eleição”.

Morte no ar

O assassinato do deputado Euclydes Kliemann ocorreu em 31 de agosto de 1963, pouco mais de um ano após o crime contra Margit. E foi um acontecimento ainda mais extraordinário, transmitido ao vivo pelo Rádio Santa Cruz. Euclydes convocou adversários para um debate ao vivo, nos estúdios da rádio, onde discutiria a aquisição de apólices para financiar a pavimentação de uma avenida, que hoje tem o nome do deputado assassinado. O vereador Floriano Peixoto Karan Menezes, integrante do PTB e apelidado Marechal, foi o único a aceitar o desafio.

Euclydes tinha acabado de fazer seu pronunciamento quando Marechal assumiu o microfone, passando a atacar o desafeto político. Kliemann ouvia tudo, ainda nas dependências da rádio, enquanto redigia uma carta-resposta. Ao ouvir um comentário mais duro do Marechal, associando Kliemann à morte de sua esposa (“Assim como tu acusas o PTB, também te acusam”), o deputado perdeu o controle. “Invadiu o estúdio indignado, gritando ‘Essa não’. Ninguém sabia, mas o Marechal tinha um revólver no bolso do casaco. O tiro perfurou a mão esquerda de Kliemann, que estava erguida, chegou ao pulmão e o matou. E a rádio transmitiu tudo”.

A gravação do tiro foi reproduzida durante o julgamento, sediado no ginásio do Corinthians, em Santa Cruz, provocando grande comoção. E o advogado do Marechal se tornaria, no futuro, figura destacada da política gaúcha: o senador Pedro Simon, então deputado estadual pelo PTB. “Ele foi meio que intimado a assumir o caso”, conta Celito. “Era um caso muito delicado, ninguém queria se comprometer. As posições eram muito distintas, muitas críticas foram feitas ao trabalho do delegado Moraes, apedidos eram publicados a todo o momento nos jornais. Com o assassinato de Kliemann, a coisa ficou insustentável. E acabou sobrando essa tarefa espinhosa para o Simon”. O julgamento teve mais de 2 mil pessoas na plateia, e Marechal acabou condenado a seis anos e seis meses de cadeia – dos quais cumpriu apenas uma parte, já que não possuía antecedentes criminais.

Momento certo

O livro começou a se tornar realidade a partir do contato com as três filhas de Euclydes e Margit Kliemann, que nunca antes tinham se pronunciado sobre o caso. “Durante muito tempo, elas não queriam reviver o caso, por razões plenamente compreensíveis”, diz Celito De Grandi. O jornalista conseguiu contatar as três irmãs por meio de um amigo em comum, e acabou tendo “sorte”, como ele mesmo define. “Acho que cheguei no momento certo, quando elas realmente precisavam se livrar dessa carga de sofrimento. Foi uma espécie de catarse para elas”, explica. As filhas do casal Kliemann contribuíram com entrevistas e documentos, permitindo até que o jornalista tivesse acesso aos diários pessoais de Euclydes.

Com tanta polêmica, é inevitável comparar o Caso Kliemann com outro momento histórico da crônica política (e policial) gaúcha: o Caso Daudt. Além de ambos nunca terem tido pleno esclarecimento, também envolveram a presença – confirmada ou suposta – de políticos rivais. Celito De Grandi, porém, aponta uma diferença importante. “A morte de Kliemann é claramente um crime político. O Caso Daudt, por sua vez, é um acontecimento com todos os elementos de um crime passional”.

O caso da morte de Margit Kliemann nunca foi esclarecido. “Tendo (a polícia) se fixado em uma só tese (de que Euclydes Kliemann participou do assassinato da esposa), deixou de apurar outras possibilidades e ignorou várias evidências”, explica o autor. Além disso, o trabalho da imprensa da época teria ajudado a acirrar os ânimos, com informações falsas (como a “Dama de Vermelho”, admitidamente inventada pelo jornalista Sérgio Jockymann) e várias distorções. “Eram circunstâncias muito distintas das de hoje. A imprensa ficcionou muito em cima de tudo. O próprio Pedro Simon disse que o crime contra Euclydes foi consequência do clima criado pela atuação da imprensa. Algo como a cobertura feita na época renderia, hoje em dia, processos quase diários aos jornais”. O livro traz, segundo Celito De Grandi, uma série de fatos novos sobre o caso. “O leitor mais atento poderá tirar suas próprias conclusões”, diz.


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