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9 de outubro de 2010
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09:00

Guinada de partidos ao centro é estratégia para chegar ao poder, dizem cientistas

Por
Sul 21
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Guinada de partidos ao centro é estratégia para chegar ao poder, dizem cientistas
Guinada de partidos ao centro é estratégia para chegar ao poder, dizem cientistas
Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr
Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr

Igor Natusch

Para os que se acostumaram com um ambiente político marcado por disputas entre direita e esquerda, o atual momento político brasileiro pode provocar alguma confusão. O presidente Lula, que durante anos representou o sonho de poder de muitos corações de esquerda, aliou-se a partidos como PP e PMDB para viabilizar seus projetos políticos. No Rio Grande do Sul, o governador eleito Tarso Genro (PT) aponta para a mesma direção, buscando apoio de PP e PTB, partidos geralmente de oposição ao PT, para sua coalizão de governo. Também os chamados partidos de direita, como o PP, sucedâneo da Arena, fizeram um movimento em direção ao centro.

Nestas eleições, aparentemente, os eleitores brasileiros apoiaram as propostas mais moderadas em detrimento de polarizações, à esquerda e à direita. Ou será que foram os partidos que se adequaram ao senso comum em busca de mais votos?

O cientista político Bruno Rocha Lima, professor da Unisinos, acredita que essa guinada ao centro é uma demonstração de pragmatismo – mesmo que, às vezes, resultante de uma discussão interna feita às pressas. A mudança de discurso e as alianças acabam sendo inevitáveis para a conquista do poder executivo. “Não é que a coerência seja abandonada, é que a coerência mudou. Deixa de ser programática, abre mão de um conteúdo e passa a ser tática, voltada a um objetivo. Esses partidos assumem que a manutenção do discurso nunca terá a força necessária para garantir o poder”, explica.

No caso específico do PT, Bruno Rocha Lima acredita que a derrota de Lula nas eleições presidenciais de 1989 provocou uma espécie de “trauma” no partido. Para superá-lo, a sigla foi adequando seu discurso até conquistar uma base de sustentação que viabilizasse a chegada ao Planalto. “Nas eleições de 1989, a FIESP marcou uma posição fortemente contrária a Lula. Hoje em dia, a Federação briga por espaço no palanque de Dilma Rousseff”, exemplifica. “Lembro que Olívio Dutra (PT) disse em entrevista que o PT, hoje em dia, é fonte de emprego e renda. Isso também influi nesse quadro, pois indica a adoção de um profissionalismo político. O terceiro Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3) é uma iniciativa que ainda remete ao PT dos anos 80, mas, de modo geral, o discurso foi sendo adaptado”, diz.

Política conservadora

Para o analista político Carlos Chagas, essa movimentação rumo ao centro é reflexo direto dos resultados do governo Lula. “A política econômica do governo federal é eminentemente conservadora”, diz. Na opinião de Chagas, os bons resultados da economia acabam criando um sentimento de bem-estar na população, o que dificulta qualquer discurso mais radicalizado. “A classe média está bem, o eleitorado aprova a política econômica, então qualquer posicionamento contrário acaba tendo pouca aceitação”.

Benedito Tadeu César, cientista político, concorda. “Mesmo as classes de renda mais alta demonstram satisfação com o momento do país. Como o modelo econômico resulta em aumento do mercado consumidor, a renda circula mais e todo mundo sente os efeitos. Acaba sendo natural que o eleitor não queira mudanças drásticas nesse estado de coisas”, afirma.

Bruno Rocha Lima acredita que os partidos políticos adaptam o seu discurso para ter maior penetração junto ao eleitorado. “O discurso se torna fruto de uma necessidade, e não de um programa político”, diz. “Se um assunto é considerado tabu, ou se há um custo político na adoção de um determinado discurso, simplesmente não se toca no assunto. Os partidos passam a atuar no sentido de agradar o eleitor”.

Lembrando que o senso comum resulta da condensação de ideias da classe dominante, o cientista político da Unisinos faz uma análise das últimas polêmicas envolvendo a eleição deste ano. “Tentou-se criar um fato novo a partir da quebra de dados sigilosos, e não teve o efeito esperado. O caso Erenice (Guerra, ex-ministra da Casa Civil) teve mais impacto, mas ainda menor do que o esperado. Agora, com a polêmica sobre o aborto, a repercussão está sendo muito maior. Por quê? Porque mexe com o senso comum”, argumenta.

“Lula nunca foi esquerdista”

O cientista político Benedito Tadeu César acredita que esse direcionamento rumo ao centro se manifesta de forma natural em partidos de esquerda, na medida em que percebem que não poderão conquistar a maioria apenas com os votos da classe operária. “O PT, por exemplo, é hoje um partido social-democrata. Houve um tempo em que esse tipo de colocação era vista até como um xingamento dentro do partido, mas hoje é uma realidade”, garante. Muito mais do que o próprio PSDB, descrito por Tadeu César como “talvez o único partido social-democrata do mundo que não tem base sindical”.

A maneira peculiar com que Lula sempre encarou as questões políticas influencia muito nesse posicionamento, segundo Tadeu. “O Lula nunca foi um esquerdista no sentido clássico, ele sempre foi uma figura muito mais intuitiva, com grande capacidade de articulação. A ação revolucionária nunca foi uma preocupação para ele”, comenta.

Bruno Rocha Lima considera que Lula tem “a formação de um dirigente carismático”. “Lembro de entrevistas dele, quando ele ainda era dirigente sindical, nas quais dizia: nossa base quer aumento, como o empresariado vai viabilizar é problema deles. Era um discurso bem mais combativo, mas já dava pistas do pragmatismo de Lula”, afirma. “Trata-se de um dirigente que se preocupa com a obtenção de resultados, muito mais do que com a elaboração de objetivos políticos. As articulações com setores de direita são uma prova disso”.

Embora concorde que esse posicionamento aproxima partidos de espectros políticos opostos, tornando possíveis alianças pouco prováveis, Benedito Tadeu César ressalta que as diferenças ideológicas e programáticas seguem existindo. “O PSDB, por exemplo, continua tendo um programa mais liberal, mesmo que se denomine como um partido social-democrata. Essa aproximação minimiza os extremos, mas não resulta em uma igualdade, nem apaga as diferenças”, explica. O cientista Bruno Rocha Lima reforça essa visão. “O PT, enquanto partido, tolera a presença de capital estrangeiro em nome de objetivos maiores. Já o PSDB é um partido tipicamente neoliberal. Para eles, o estado é um entrave, e eles aceitam a especulação financeira com muito menos pudor”.

Partidos fiscalizadores

“Partidos de nicho precisam existir, eles cumprem um papel muito importante em qualquer democracia”, argumenta o cientista Benedito Tadeu César. Segundo ele, siglas como o PSTU e o PSol cumprem o papel de fiscalizadores, mantendo o equilibro político e contribuindo para um sistema mais transparente. Mas a possibilidade deles ascenderem ao poder, sem suavizarem o discurso, é vista com ceticismo pelo cientista. “O que acontece é termos algumas figuras de visibilidade individual, como a Heloísa Helena (PSol) na época do mensalão. Afora algum fenômeno mais fortuito, acho difícil (que partidos extremos cheguem ao poder). O próprio PSol sofreu nessas eleições, já que o Plínio (de Arruda Sampaio) não foi um candidato de consenso, e sim fruto de um racha interno no PSol”.

Outras opções de “terceira via”, como a candidata Marina Silva (PV), são igualmente questionadas por Benedito Tadeu César. “A proposta dela (Marina) é nova, mas não empolga tanto assim o eleitor. Não é a política ambiental que dá 19% dos votos para Marina, e sim um desencanto com as posições de PT e PSDB”, argumenta. Para ele, o PV não tem a coesão necessária para se constituir como alternativa política. “É como um balão inflado, que corre risco de furar”, compara. Um sinal disso, segundo Tadeu, aparece na própria indefinição do PV sobre o apoio no segundo turno presidencial, o que já seria um indicativo de racha interno.

“O peso do PT como alternativa de esquerda era tamanho que, quando se desloca para o centro, gera um grande vazio”, argumenta o cientista Bruno Rocha Lima. Ele enxerga em siglas como PSol e PSTU um papel aglutinador. “Quem joga mais à esquerda do espectro político precisa constituir uma luta que não soe como um vício repetido, e um modelo de reformismo que não seja saudosista, porque os anos 80 já acabaram. Essas legendas precisam existir, sem dúvida, mas também vão ter que assumir que o longo prazo, no caso delas, pode ser muito longo”, avisa.


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