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18 de outubro de 2010
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17:39

Ficou para o segundo tempo

Por
Sul 21
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Os 3,1 pontos percentuais de votos válidos que faltaram a Dilma no primeiro turno frustraram petistas e causaram euforia entre tucanos. Agora, chegou o momento de comparar gestões

Por Vitor Nuzzi, Rede Brasil Atual

Candidatos, eleitores e imprensa aguardaram até quase o último minuto do domingo, 3 de outubro, para ter certeza se haveria ou não segundo turno na disputa para a Presidência da República. Confirmada a segunda rodada, os petistas tentaram disfarçar a decepção, enquanto os tucanos, de quase derrotados, surfaram na onda da euforia. Passada a ressaca, este segundo turno é momento de debater de fato quem fez o quê, comparar gestões e evitar a boataria que contaminou boa parte da campanha.

O bispo de Jales (SP), dom Demétrio Valentini, presidente da Cáritas Brasileira, detecta uma mudança de comportamento da população, que já não se guia pelos chamados formadores de opinião ou por recomendações de viés autoritário. “Grandes camadas da população brasileira se dão conta das transformações em curso, e começam a perceber que elas dependem de opções políticas. A grande popularidade de Lula não é fruto somente do seu carisma político. Lula é símbolo da mudança acontecida. Se esta não existisse, o povo deixaria Lula de lado, e não apoiaria Dilma”, afirma. Mas o bispo considera importante também dar “consistência” a essa nova postura política. “Nesse sentido, acho que será bom o povo perceber que Lula não será mais o presidente. Para perceber que a política está segura só quando está nas mãos do povo.”

Ganhar no primeiro turno não era obrigação, observou o professor Paul Singer, secretário nacional de Economia Solidária, para quem o resultado, na verdade, mostrou o êxito do atual governo. “O grande prestígio do presidente Lula, a meu ver merecido, mostra que este governo fez muita coisa pelo país.” Singer disse esperar ainda que o segundo turno seja marcado por efetivo debate dos problemas nacionais e não por denúncias de escândalos.

No pós-eleição, políticos da base aliada detectaram problemas de comunicação. O governador eleito do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB), falou em “mal-estar” com os cristãos e disse que a situação exigiria uma resposta rápida e clara. Por sua vez, o governador reeleito de Pernambuco (com 83% dos votos), Eduardo Campos, do mesmo partido, defendeu que a campanha desfaça a onda de contra-informação movida pelos adversários.

O deputado Ciro Gomes (PSB-CE) diz que os boatos têm importância “periférica­” na campanha. “Boato só prospera onde há perplexidades, vácuos, vazios. Quando você tem um vácuo e não tem clareza, o boato­ acaba­ prosperando mais do que devia.”
A própria Dilma falou sobre a necessidade­ de esclarecer a população sobre boatos lançados durante a campanha. “Considero que foi feita uma campanha perversa sobre o que eu penso e acredito. E foi uma campanha mais difícil porque quem me acusava não aparecia de forma muito clara. É aquela campanha que lança inverdades e nunca permite que a gente discuta.”

Já eleito para o governo do Rio Grande do Sul com 54% dos votos, Tarso Genro (PT) destaca que, mesmo não tendo sido ainda eleita, Dilma recebeu votação “espetacular” mesmo depois de passar mais de 60 dias sob um bombardeio absoluto da mídia. “Fez 47% dos votos, praticamente o que o Lula fez em sua última eleição”, observou. No dia seguinte ao da eleição, ele afirmou que todos os governadores eleitos da base aliada estavam prontos “para uma grande ofensiva política de natureza programática”.Ou seja, comparar gestões e resultados.

O sociólogo Emir Sader considera fundamental esse debate. “Não soubemos (no primeiro turno) colocar como agenda central o fato de que o Brasil se tornou menos injusto, menos desigual com Lula, e que é o caminho central a seguir”. Para ele, a campanha deve ser centrada na comparação entre os governos FHC e Lula.

Essa também é a visão de Marco Aurélio Garcia, assessor especial da Presidência e coordenador da campanha petista. “Marina (Silva, candidata do PV) obteve êxito quando jogou pelo caminho da terceira via. Mas agora só há duas, que o povo conhece bem”, afirma.

A cientista política Maria Victoria Benevides,­ professora da­ Faculdade de Educação da USP, acredita que a votação surpreen­dente alcançada por Marina Silva deve se dividir no segundo turno. Benevides considera, no entanto, que a candidata do PV teria “politicamente e moralmente” obrigação de se manifestar a favor da petista. “Ela (Marina) não pode dar as costas para a esquerda da qual sempre fez parte”, sustenta Maria Victoria. Ela observa que as duas candidatas tiveram “um passado conflituoso no governo”, mas Marina teria uma proximidade muito maior com uma coligação de esquerda do que com uma que abranja o DEM”.

Dilma ficou com 47% dos votos válidos do primeiro turno. Precisa, portanto, do apoio de apenas um quarto dos eleitores de Marina para suceder Lula a partir de 2011.

Melhorias

Números não faltam. De janeiro de 2003 até o final deste ano, com base nos dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho, estima-se que o país terá criado aproximadamente 12 milhões de empregos com carteira assinada. Em seus oito anos, o saldo do governo FHC é inferior a 800 mil. A taxa média de desemprego atingiu em agosto o seu menor nível na série histórica, segundo o IBGE. Os índices de pobreza e miséria caíram consideravelmente. O atual governo tomou posse, em janeiro de 2003, com US$ 30 bilhões em reservas internacionais. Fechou setembro deste ano com US$ 275 bilhões. O crescimento médio do PIB aumentou nesse período, e a previsão é de que supere 7% em 2010, com inflação sob controle.

O governo espera expansão da atividade industrial de 10% este ano e 5,5% ao ano de 2011 a 2014.

Luiz Guilherme Schymura, diretor do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), destaca como aspectos positivos a recuperação da agricultura, a plataforma energética com diversas fontes (etanol, reservas de gás, pré-sal) e o desenvolvimento da indústria. “Isso nos permitiu uma pauta exportadora muito diversificada”, afirma, defendendo uma “gestão cuidadosa para nos aproveitar dessa situação (favorável)”.

Certezas e pedras

Depois que passar o furacão eleitoral, começará a fase de montagem de governos e suas equipes, com as tradicionais especulações. Se na economia as perspectivas continuam positivas, no campo político espera-se turbulência nas relações entre governo e oposição. Afinal, as últimas semanas de campanha eleitoral foram tensas e incluíram golpes baixos.

Para a professora Roseli Coelho, da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, o diálogo já está irremediavelmente prejudicado. No caso de um governo Dilma, diz ela, o Congresso poderá ser “um lugar de faca nas costas, de sangue, metaforicamente falando”. Com Dilma eleita, alguns “fios soltos” poderão ser retomados pelos oposicionistas, avalia a professora. O que também seria uma oportunidade de apurar se, por trás da enxurrada de denúncias, existem tentativas sinceras de apuração ou se tratava-se de oportunismo puro e simples. “Para a imprensa, o denuncismo é mais fácil, sempre”, comenta. Segundo ela, a gestão Lula levou a um novo paradigma, a um patamar mais elevado de exigência. “É uma herança bendita para o conjunto do país”, afirma.

Na nova configuração do Congresso, PT e PMDB saíram em vantagem, formando as maiores bancadas tanto na Câmara como no Senado. Na oposição, PSDB, DEM e PPS perderam cadeiras. Dos 18 governadores eleitos no primeiro turno, PMDB, PSDB e PT fizeram quatro cada, enquanto o PSB elegeu três, o DEM ficou com dois e o PMN, com um.

Dom Demétrio Valentini, da Cáritas, não vê risco de crise institucional, mas cobra­ um posicionamento dos políticos. “E espero­ que o novo governo garanta um clima de respeito­ e de confiança, que possa envolver a responsabilidade­ da oposição.” Mas o bispo­ vislumbra­ uma “tarefa hercúlea” para o próximo governo. “Na educação, foram dados passos importantes, criadas escolas técnicas e facilitado o acesso ao ensino superior. Mas um perigo ronda o processo educacional brasileiro, a sua falta de qualidade, em boa parte consequência da mercantilização da educação, que requer uma presença fiscalizadora muito mais rigorosa.”

Na opinião do empresário Benjamin Steinbruch, controlador da Companhia Siderúrgica­ Nacional (CSN) e até 4 de outubro­ presidente em exercício da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo­ (Fiesp), a maior conquista do governo Lula foi a inserção de 50 milhões de consumidores no mercado, além dos sistemas produtivo e financeiro organizados. “Nunca vi o Brasil nessa situação”, diz Steinbruch, para quem este deixou de ser o país do futuro para ser o do presente. “Hoje somos libertos e independentes do ponto de vista econômico-financeiro. Temos de preservar isso. Estamos a um passo de nos tornar uma potência”, afirma. No final de setembro, o empresário criticou a concessão de reajustes na faixa de 10%. “É um certo exagero, considerando o que acontece no resto do mundo.” Com poucas correções de rota, ele vê pelo menos mais dez anos de crescimento contínuo sustentado.

A observação do empresário sobre os salários foi contestada pelo economista Sérgio Mendonça, do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). “Os salários no Brasil são baixos, a participação do salário na renda nacional ainda é pequena. Há espaço para crescer”, afirma. Ele defende uma mudança de foco na discussão. “Parece que há uma coisa­ imutável nesse debate, que é o lucro. E não é imutável.” O lucro líquido da Companhia Siderúrgica Nacional foi de R$ 1,4 bilhão no primeiro semestre, crescimento de 95,5% sobre igual período de 2009.

O presidente da Associação Brasileira da Infra-estrutura e Indústrias de Base (Abdib), Paulo Godoy, lembra que os investimentos em infra-estrutura passaram de R$ 58 bilhões em 2003 para R$ 122 bilhões no ano passado, sendo metade no setor de petróleo e gás. “Entretanto, o Brasil precisa de algo como R$ 160 milhões por ano”, diz o executivo.

O diretor-técnico do Dieese, Clemente Ganz Lúcio, inclui pelo menos duas grandes questões na agenda a partir de 2011: as reformas política e tributária. “Tem também algumas minirreformas, como o Cadastro Positivo, que dariam capacidade ao governo para baixar a taxa básica (de juros)”, acrescenta. Uma preocupação mais imediata é com a questão cambial. “É um problema que está posto hoje em todo o mundo. É uma questão para preservar nossa estratégia de exportação.”

Ao mesmo tempo em que declarou à revista britânica The Economist que pretende se recolher após o final do mandato, Lula garantiu que continuará fazendo política. Para ele, por sinal, a reforma política tem de ser vista como prioridade. “Agora estou me comprometendo, quando eu não for mais presidente, a começar a convencer o meu próprio partido, porque acho que essa é a principal reforma que temos de fazer no Brasil, para que possamos (depois) fazer as demais.” Segundo Lula, esse é um motivo de frustração em seu mandato.

“Se eu tivesse seguido a política do FHC, o Brasil tinha quebrado”

Em entrevista conjunta ao site Carta Maior, ao jornal Página 12 (Argentina) e La Jornada (México), Lula rebateu os que costumam dizer que seu governo seguiu a política econômica do antecessor: “Se eu tivesse seguido a política do Fernando Henrique, o Brasil tinha quebrado”, disse o presidente.

“Quando cheguei aqui no governo a palavra de ordem era que o governo não poderia gastar, não poderia fazer investimentos porque tudo tinha que garantir o superávit­ primário. E era preciso cuidar do déficit. Ora, o que aconteceu, o que aconteceu, meu filho? Nós que ficávamos subordinados­ ao FMI, nos livramos do FMI. Nós, que não tínhamos nenhuma reserva, vamos chegar ao final do ano a US$ 300 bilhões em reservas. Nós, que éramos devedores, viramos credores do FMI. Nós éramos um país de economia capitalista sem capital, sem crédito, sem investimento”, acrescentou Lula.

“Cada país tem as suas particularidades. Eu acho que os Kirchner, tanto o Néstor quanto a Cristina, têm o seu estilo de governar. O dado concreto é que a Argentina está melhorando. Nosso querido Pepe Mujica tem seu modelo de governar; o fato concreto é que o Uruguai está melhorando. Eu tenho o meu tipo; o fato concreto é que o Brasil está melhorando. O Evo tem seu tipo; o fato concreto é que o Peru está melhorando, e assim vale para todo mundo. É isso que me interessa. “

O presidente lembrou ainda que democracia precisa ser entendida como uma palavra inteira­ e não meia palavra. “É não apenas o direito de gritar que se tem fome, mas o direito de comer. Não apenas o direito de protestar, mas o de conquistar.”

Conquistas do governo à parte, na entrevista à The Economist, ao responder a uma pergunta sobre o próximo presidente, Lula foi simples: “Fazer política com o coração, cuidar dos mais pobres e praticar a democracia até o fim absoluto”.


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