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15 de outubro de 2010
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20:11

Diretor do El País: o que preocupa é o fim do jornalismo de qualidade

Por
Sul 21
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Rachel Duarte

Bruno Alencastro/Sul21
Gumersindo Lafunte, diretor do El País / Foto: Bruno Alencastro/Sul21

O mundo vive no século 21 uma revolução tecnológica que está sacudindo as redações dos grandes jornais. Para debater o tema “Internet, redes sociais, mobilidade, tecnologia… a grande oportunidade do jornalismo”, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em parceria com o Instituto Cervantes, trouxe ao Brasil o diretor da versão do jornal espanhol El País na internet, Gumersindo Lafuente. Ele conversou com estudantes de jornalismo, pesquisadores e integrantes da comunidade acadêmica no auditório da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação.

Muito à vontade entre os gaúchos, ele salientou estar contente em falar com jornalistas brasileiros e elogiou o reconhecimento internacional que o país conquistou. Dispensou a formalidade e também a apresentação pessoal, “uma vez que jornalista não tem tempo para vida privada, nem teria mesmo o que dizer”, brincou. Apesar de ter uma interação com os participantes do encontro, sua exposição ocorreu sem nenhuma interrupção dos atentos ouvintes.

Lafuente contextualizou a reformulação que o grupo El País sofre, em razão do impacto da crise no setor imobiliário ocorrida na Espanha em 2007, que afetou a economia do país. Porém, o aporte financeiro para a sobrevivência dos veículos de comunicação não preocupa tanto o diretor chamado pelo jornal espanhol para reformular a redação do El País.com. Segundo ele, a falta de rigor na apuração e na produção da notícia hoje é muito mais preocupante para o futuro do jornalismo.

“Boa parte dos países da Europa, o Brasil e os EUA vivem grandes dificuldades financeiras. Mas há uma crise mais estrutural do que econômica. Temos que trabalhar em conceitos importantes do jornalismo do século 21: o tempo real, a redação centrifugada (aquela que produz notícias de forma automática), a relação em comunidade e a socialização da informação”, qualificou. E alertou: “Em qualquer veículo, sem rigor e compromisso com o público e a veracidade das entrevistas não se tem credibilidade. Estamos em um momento de enorme oportunidade que a tecnologia coloca em nossas mãos. O que mais me preocupa não é a sobrevivência do jornal impresso frente à internet e sim o futuro da qualidade do jornalismo”, argumentou.

Reinventar o jornalismo

Bruno Alencastro/Sul21
Foto: Bruno Alencastro/Sul21

Gumersindo Lafuente se disse apaixonado pela profissão e reforçou aos colegas brasileiros o que considera como a principal tarefa do jornalismo: “intermediar os poderes e prestar um serviço de controle público”. Lafuente criticou a estagnação das empresas jornalísticas espanholas e incluiu as brasileiras, por estarem à mercê dos interesses econômicos e políticos. “Para sobrevivermos, precisamos reinventar o nosso trabalho e dar valor ao que fazemos. Temos que compreender que hoje competimos com pessoas na internet, que podem emitir informações e produzir fatos jornalísticos sem mesmo ter formação para isso. Precisamos nos aproximar das pessoas e mostrar que temos serventia neste processo”, salientou.

A maneira de se auto-afirmar e garantir a audiência na era digital, para Lafuente, é qualificando as matérias, revendo a maneira de escrevê-las e desburocratizando os meios. Isso quebra a lógica da produção feita até agora pelos grandes jornais, a que chamou de redação centrifugada. “Não podemos pensar o jornalismo do futuro com conceitos do passado. Um editor que centralize tudo, por meio de um processo de produção cheio de etapas até o lançamento de uma notícia. O tempo real é o nosso desafio hoje, pois com a tecnologia hoje há uma forte propagação de notícias na rede”, considerou.

Como exemplo do tempo real que muda a produção jornalística hoje, Lafuente citou a cobertura recente dos meios de comunicação na internet e mesmo na televisão sobre o caso dos mineiros resgatados no Chile. “No outro dia, o resgate não é mais novidade nos jornais, pois todos já acompanharam no tempo real. Temos que reinventar esta história”, falou.

O que é notícia na internet ?

Salientando a tarefa diária enfrentada pela redação do jornal social-democrata espanhol na internet, o diretor do El País.com disse que não tem manual para fazer uma boa notícia, seja ela na internet, no jornal impresso, na TV ou rádio. “As histórias não estão finalizadas quando terminamos de gravar,escrever ou digitar. Sempre pode surgir alguma nova face daquela história”, falou.

Para a produção jornalística na internet deve-se ter a mesma preocupação com a contextualização e com os enfoques, disse Lafuente. O bom senso, a prudência e o conhecimento sobre o funcionamento da internet também foram critérios ressaltados pelo diretor como essenciais para a atividade jornalística.

Como escolher as fontes?

Bruno Alencastro/Sul21
Foto: Bruno Alencastro/Sul21

Nos últimos anos está tendo um crescimento do protagonismo das redes sociais, que podem também servir como boas fontes de informação para os jornalistas e empresas de comunicação. Saber como utilizá-las é o desafio alertado por Lafuente. “As marcas ou os jornalistas tem que ter perfil e entrar em contato com as pessoas. Referir suas ideias, não falar por falar nestes espaços”.

Os grandes veículos de comunicação estão acabando na Espanha, em razão da evolução do Twitter, alerta Lafuente. “A ferramenta quebra a lógica de que só jornalista se comunica, pois é um meio que pode ser utilizado por pessoas que tem habilidade de ter conversação, sem ter qualquer formação jornalística, com isso, conseguem um enorme número de seguidores. E isso não pode ser encarado como um problema e sim como uma oportunidade para os jornalistas, que podem ser vistos de outra maneira e ter um valor individual de mercado, fortalecido com seu perfil na rede”, explica.

O uso desta rede é, para ele, algo ainda a se aprender entre os jornalistas, que devem perceber que falar com as pessoas na internet pode trazer histórias e fatos interessantes que podem virar grandes matérias. “Internet não é algo virtual é algo cada vez mais real, com temas cada vez mais relevantes para a sociedade. E  jornalistas têm que estar abertos a falar com todo mundo”, falou.


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