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24 de setembro de 2010
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05:58

Votação do STF empata e decisão sobre Ficha Limpa é adiada

Por
Sul 21
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Votação do STF empata e decisão sobre Ficha Limpa é adiada
Votação do STF empata e decisão sobre Ficha Limpa é adiada
José Cruz/ABr
Ministros do STF não chegam a uma decisão sobre Ficha Limpa | José Cruz/ABr

Igor Natusch

Mais do que uma decisão de grande importância para o desenrolar das eleições em 2010, o julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a aplicação da Ficha Limpa nas candidaturas deste ano acabou sendo um dramático exercício de paciência. Em uma sessão que durou mais de onze horas, os dez ministros não conseguiram chegar a um consenso – cinco votaram pela validade da Lei da Ficha Limpa já nas eleições de 2010, enquanto outros cinco declararam como inconstitucional a aplicação imediata da Lei. Diante do impasse, e após longas deliberações, o Supremo decidiu-se por não decidir coisa alguma: o julgamento foi suspenso, sem data marcada para retomada da sessão.

A sessão do STF julgava o mérito de recurso ajuizado pela defesa de Joaquim Roriz (PSC-DF) contra o indeferimento, pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), do registro de candidatura ao governo do Distrito Federal. Embora a decisão, em princípio, seja apenas sobre o caso de Roriz, a grande repercussão do caso faz com que qualquer decisão do Supremo sobre o assunto vire jurisprudência para todos os outros casos gerados pela aplicação da Ficha Limpa.

O recurso de Roriz refere-se também à própria natureza do processo pelo qual foi enquadrado na lei atual. Ele é acusado de quebra de decoro parlamentar após ter sido flagrado, em escuta telefônica, discutindo a partilha de R$ 2 milhões. Pela Ficha Limpa, um político que renuncia a cargo eletivo para fugir de punição fica inelegível por oito anos após o encerramento do mandato que exercia – o que, no caso de Roriz, o impediria de concorrer até o ano de 2022. Como renunciou ao cargo no Senado antes de ter julgado o mérito pelo caso, Roriz afirma que não pode mais ser enquadrado na lei, já que seria um caso de punição retroativa. Os ministros decidiram que a aplicação da nova regra para fatos que aconteceram antes da aprovação da lei é legal e não viola a Constituição.

O julgamento estava marcado originalmente para quarta-feira (22), mas foi adiado para o dia seguinte devido a um pedido de vistas do ministro Dias Toffoli. Embora o prazo regulamentar para essa análise possa ser de até dois meses, o ministro deixou claro que devolveria o processo imediatamente, o que permitiu a retomada do julgamento na sessão seguinte.

Antes de ser interrompido pelo pedido de vista do ministro Tóffoli, o julgamento foi marcado por um debate inflamado dos ministros. A discussão foi causada por uma proposta do presidente do STF, Cesar Peluzo, para que a Lei fosse declarada inconstitucional. De acordo com Peluzo, o Senado fez mudanças na Lei sem devolver o caso para a Câmara, o que configuraria vício formal e a consequente inconstitucionalidade da Lei. A maioria dos magistrados, porém, posicionou-se de forma contrária a essa interpretação.

Divisão

Votaram a favor da aplicação da Lei nas eleições de 2010 o relator Carlos Ayres Britto e os ministros Joaquim Barbosa, Ricardo Lewandowski (que também é presidente do TSE), Cármen Lúcia e Ellen Gracie. Posicionaram-se contrariamente a essa aplicação os ministros Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello, Celso de Mello e o presidente do STF, Cesar Peluzo.

“Inelegibilidades não são penas, são critérios de ajuste para o modelo democrático brasileiro”, disse a ministra Cármem Lúcia, em defesa da aplicação imediata da Ficha Limpa e negando os pedidos da defesa de Joaquim Roriz. “Todos os candidatos, antes de se candidatarem, sabiam quais seriam as causas de inelegibilidade, inclusive as mais recentes”, reforçou o ministro Joaquim Barbosa. “A democracia perde a legitimidade quando cidadãos ímprobos se tornam representantes do povo. A Lei (da Ficha Limpa) é um passo na direção da moralização da vida política de nosso país”, completou.

“Matéria relativa à inelegibilidade não se compreende ao artigo 16″, defendeu a ministra Ellen Gracie, citando o ex-ministro do STF, Néri da Silveira. “O artigo em questão busca coibir abusos na lei eleitoral, e a Lei da Ficha Limpa não provoca alteração no processo eleitoral”, defendeu.

Os ministros que se posicionaram contra a validade imediata da Ficha Limpa sustentaram a interpretação de que a lei deveria seguir o disposto no Artigo 16 da Constituição, entrando em vigor depois de um ano de sua promulgação – no caso, depois das eleições de 2010. “Todas as leis estão submetidas à Constituição”, frisou o ministro Gilmar Mendes em sua manifestação. “Não podemos ceder ao populismo jurídico”. O ministro insinuou que os defensores da aplicação imediata da lei estavam sendo induzidos pelos clamores da população a passarem por cima das leis máximas do país. E exaltou-se: “Se a iniciativa popular tornar inútil nossa atividade, a melhor medida será fechar esse tribunal”.

No voto que decretou o empate, o presidente Cesar Peluzo deixou clara sua visão de que a inelegibilidade é uma pena, e não uma simples sanção. “Uma alteração nas condições de inelegibilidade é aquilo que tem a maior capacidade de modificar a correlação de forças políticas eleitorais”, discursou Peluzo. Falando sobre o aspecto retroativo, Marco Aurélio Mello foi ainda mais incisivo. “Vivemos momentos muito estranhos. Momentos em que princípios estão sendo abandonados. Devemos ter apego às franquias constitucionais, e uma delas nos direciona de forma inequívoca para a irretroatividade da lei”, argumentou.

Enquanto a votação ia se encaminhando para seu resultado final, manifestantes faziam barulho do lado de fora do Tribunal. Gritando frases de ordem como “Roriz de novo, Governador do povo”, um grupo de pessoas favoráveis a Roriz se fazia ouvir até mesmo do lado de dentro da corte. Alguns, mais patriotas, puxavam o hino nacional. Para proteger a entrada do STF, foi instalado um alambrado, além de ter sido requisitada a presença de forças policiais para a segurança do local.

Empate e tensão

A sessão, que iniciou pouco depois das 14h, teve seu décimo e último voto encerrado minutos após a meia noite. Com a confirmação do empate em 5 a 5, depois de quase dez horas de deliberações, era momento para outro debate. Como desempatar a votação?

A discussão que se seguiu levou cerca de uma hora, e as discordâncias entre os juízes causaram alguns momentos de tensão. Duas posições antagônicas se estabeleceram: enquanto Ricardo Lewandowski pedia a aplicação do artigo 146 do regimento interno (que resultaria na adoção imediata da Ficha Limpa), Joaquim Barbosa passou a pedir que se aguardasse a nomeação do 11º integrante do STF – vaga que se encontra aberta desde a aposentadoria de Eros Grau, no início de agosto.

“Como negar a aplicação imediata de uma lei que todos nós consideramos constitucional?”, perguntava Carlos Ayres Britto, tentando induzir os colegas a aprovar a aplicação imediata da lei. Conciliadora, a ministra Ellen Gracie sugere que o julgamento seja interrompido, sendo retomado no dia seguinte. “Os ministros precisam clarear as ideias”, alega. Na tentativa de ser democrático, o presidente do Tribunal, Cesar Peluzo, propôs uma votação. “Se houver empate vossa excelência pretende desempatar?”, perguntou Ayres Britto. Peluzo respondeu, seco: “Não tenho vocação para déspota”.

Depois de muita oratória e de uma tentativa de viabilizar uma votação pelo melhor critério de desempate, os ministros decidiram por não decidir nada naquele momento. A partir de agora o caso fica em suspenso, aguardando a nomeação de um ocupante para a cadeira vaga no STF – nomeação que não tem data prevista para acontecer. “Não haverá prejuízo a nenhum candidato”, argumentou César Peluzo, lembrando que todas as diplomações dos eleitos que estão sub judice ficam em suspenso até que haja uma definição. “Estamos em uma situação de radicalidade absoluta, nenhum ministro recuará em suas convicções. Tentar forçar uma decisão agora seria uma solução artificial, algo que não seria aceito pela sociedade”.

Enquanto isso, a aplicação da Ficha Limpa fica sem jurisprudência, com liminares definindo quem pode concorrer ou não na votação de 3 de outubro. Um quadro de indefinição bem diferente do que se esperava do julgamento do Supremo, cerca de doze horas antes de começar.


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