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18 de setembro de 2010
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09:00

STF decide na quarta-feira se Ficha Limpa é inconstitucional

Por
Sul 21
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José Cruz/ABr
Ficha Limpa tem grande apoio popular, mas gera polêmica entre juristas | Foto: José Cruz/ABr

Igor Natusch

O Supremo Tribunal Federal (STF) emitirá na próxima quarta-feira (22) uma decisão final sobre a Lei da Ficha Limpa, promulgada no dia 4 de junho e cuja aplicação está redefinindo a nominata de vários partidos nessas eleições. A pauta do STF, divulgada, nesta sexta-feira (17), prevê que o primeiro julgamento do dia 22 será o recurso extraordinário de Joaquim Roriz (PSC-DF), ex-senador impedido pelo Ficha Limpa de concorrer ao governo do Distrito Federal. A decisão sobre a constitucionalidade da lei será o veredicto final sobre uma questão que tem provocado muita discussão nas esferas política e jurídica do Brasil.

“O recurso que será julgado pelo STF aborda praticamente todas as questões que envolvem a Lei da Ficha Limpa”, afirma o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Ricardo Lewandowski. “Todas as questões constitucionais estão abrangidas nesse julgamento. Uma vez julgado esse recurso, certamente todos os demais serão julgados de forma mais expedita”, afirma.

A Lei da Ficha Limpa foi embasada por uma grande mobilização popular, que coletou 1,5 milhão de assinaturas em todo o país. A iniciativa existe desde 1997, motivada por iniciativa da Conferência Nacional de Bispos do Brasil (CNBB). A campanha foi batizada de Ficha Limpa pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), liderado por Márlon Reis, um magistrado maranhense. Aprovada na Câmara dos Deputados e no Senado, a lei foi sancionada pelo presidente Lula, entrando em vigor ainda nas eleições de 2010.

Uma das principais críticas à aplicação da lei está justamente no fato de ter entrado em vigor no mesmo ano da sanção presidencial. Essa decisão vai de encontro ao Art. 16 da Constituição Federal, que diz: “A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência”. Além disso, segundo advogados de políticos impedidos de concorrer, a Ficha Limpa estaria ferindo princípios constitucionais como a ampla defesa e a presunção de inocência.

Prazo mínimo

A Lei Complementar nº 135, que se popularizou com o nome de Lei da Ficha Limpa, retifica pontos da Lei Complementar nº 64/90, promulgada pelo então presidente Fernando Collor em 1990. Segundo os defensores da antecipação da lei, o mesmo processo da Ficha Limpa teria sido aplicado já em 1990 – ou seja, a Lei que agora recebe o acréscimo da nº 135 também teria entrado em vigor sem o respeito ao prazo mínimo de um ano para a implementação.

“Essa interpretação é um equívoco”, afirma o advogado eleitoralista Joel José Cândido, ex-Procurador de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. “A aplicação da Lei nº 64/90 em nada lesou o processo eleitoral da época, já que tomou o cuidado de abrir exceções em pontos cuja aplicação ferisse o princípio igualitário”, garante. Como exemplo, o advogado cita o Art. 26 da lei de 1990, que trata justamente de ressalvas que suspendem a inelegibilidade em situações específicas.

O advogado eleitoralista Antônio Augusto Mayer dos Santos também tem um posicionamento firme sobre a aplicação da Ficha Limpa nessas eleições. Para ele, todos os indeferimentos de candidatura são ilegais. “A Lei é bem redigida, traz em si aspectos moralizantes, e atende uma necessidade premente e inadiável. Não tenho críticas contra a Lei em si. O inaceitável é aplicá-la desrespeitando o prazo legal. O TSE está jogando para a torcida ao atropelar a lei”, dispara.

Por outro lado, o presidente do TSE, Ricardo Lewandowski, defende a aplicação da Ficha Limpa nas eleições 2010. “O meu posicionamento, que já externei no TSE, é de que a lei é constitucional, válida para estas eleições e inclusive a fatos pretéritos. Essa lei não explicita sanções, mas causas de inelegibilidade”, garante. Lewandowski aproveita para esclarecer alguns pontos centrais do julgamento de quarta-feira. “Nós (do TSE) entendemos que deve se ponderar dois princípios constitucionais. De um lado, a presunção de inocência, que se aplica ao processo criminal, e do outro, o princípio da probidade administrativa, que entendemos que se aplica ao processo eleitoral. Pode ser que o STF tenha outro entendimento dessa questão”, ressalva.

Culpa x proteção

Em entrevista ao Sul21, o advogado do MCCE e um dos principais responsáveis pela Ficha Limpa, Márlon Reis, defendeu-se dos que acusam a lei de ser uma espécie de pré-julgamento dos acusados. “A inelegibilidade não é baseada na ideia de culpa, mas na de proteção”, disse. “A sociedade brasileira se mobilizou, e o congresso nacional aprovou por unanimidade que uma pessoa que tem uma condenação em um tribunal em determinadas matérias não deve ser candidata. Isso não tem relação com a culpa dessa pessoa. É um critério objetivo: quem estiver em tal situação não deve ser candidato”.

Essa explicação não convence o advogado Joel Cândido. “Quanto tempo dura essa inelegibilidade?”, questiona. Para ele, a inelegibilidade é ainda pior do que a condenação, porque afeta a participação política não só do candidato, mas de seu partido e todos os seus eleitores. O advogado critica a resposta dada pelo TSE a uma consulta do senador Marconi Perillo (PSDB-GO), em junho, quando o Tribunal decidiu que a Ficha Limpa podia ser aplicada nas eleições deste ano. “Essa resposta do TSE é ainda pior do que a lei”, dispara Cândido. “Essa lei acaba sendo um incentivo à morosidade da Justiça, já que não há necessidade de decisão final para um candidato ficar inelegível. Sem necessidade de transitar em julgado, os processos irão se arrastar ainda mais”, assegura.

Para Cândido, as assinaturas coletadas em apoio à medida não são suficientes para dar credibilidade a ela. “Ninguém poderá ser seriamente contrário à moralização da política. Por isso esse clamor popular, que inclusive induziu o senado a aprovar a lei por unanimidade”, argumenta. “Mas esse conceito, que é legítimo, não pode servir de desculpa para que se passe por cima de prerrogativas constitucionais”, alega.

Já o magistrado Márlon Reis acredita que essa consulta à população confere legitimidade ainda maior à Ficha Limpa. “A aprovação da Ficha Limpa (pela Câmara e pelo Senado) mostra que a iniciativa popular é uma via interessante de provocação de mudança”, defende. “O cerco nem foi apertado tanto assim, porque podemos observar que, de mais de 20 mil candidatos em todo o país, apenas cerca de cem estão enfrentando dificuldades com processos desta natureza. E pelo perfil da imensa maioria dos candidatos atingidos, dá para perceber que a ação da sociedade foi mais do que certa”.

Aplicação duvidosa

Alguns casos recentes acabam não apenas reforçando os argumentos contra a aplicação imediata da Ficha Limpa, como também mostrando algumas brechas que podem ser usadas para um uso deturpado da lei. O candidato do PSOL ao governo de São Paulo, Paulo Bufalo, terá seu recurso julgado na próxima segunda-feira (20). Mesmo sem nenhuma pendência jurídica, Bufalo pode ser impedido de concorrer devido ao princípio de indivisibilidade de chapa. Seu vice, Aldo Santos (PSOL), teve sua candidatura indeferida pelo TRE de São Paulo, acusado de uso da máquina pública em seu mandato como vereador em São Bernardo do Campo (SP). O então vereador usou uma Kombi da prefeitura para remover mulheres e crianças de uma ocupação, promovida pelo Movimento de Trabalhadores Sem Teto (MTST).

“Somos defensores da Ficha Limpa, fomos às ruas para que a medida fosse aprovada. Mas essa decisão do TRE é uma distorção da lei”, afirma Paulo Bufalo, candidato do PSOL ao governo paulista. “Estão tentando colocar nossa candidatura no mesmo balaio de gatos de gente como (o candidato a deputado federal do PP-SP, Paulo) Maluf, Jader Barbalho (candidato ao senado paraense pelo PMDB) e outros do tipo. É um desvio da Ficha Limpa, feito para criminalizar os movimentos sociais”, acusa Bufalo.

O advogado Joel Cândido não economiza nas críticas. “É uma lei tecnicamente mal feita e desnecessária, que se presta às vaidades de um pequeno segmento”, dispara. E vai mais longe: para ele, a Lei Complementar nº 135 remonta aos tempos de ditadura militar. “A Lei 5-70, do governo Médici, era muito parecida com essa que está sendo aplicada agora. Em certo sentido, era até mais coerente, já que não exigia que o processo estivesse parcialmente julgado para ser aplicada. Era igualmente retrógada, mas menos contraditória”, ataca o advogado.

Julgamento

Antônio Augusto Mayer dos Santos diz ter convicção que o Superior Tribunal Federal (STF) reformará todas as impugnações de candidatura baseadas na Lei da Ficha Limpa. E até torce por isso, citando os exemplos de Jader Barbalho (PMDB-PA) e Joaquim Roriz (PSC-DF). “Espero que ambos ganhem suas causas”, afirma, complementando: “Se são pilantras ou não, o povo julgará nas urnas. Do ponto de vista estritamente legal, a cassação de suas candidaturas é ilegal. Não pode ser mantida”.

“O poder judiciário terá que dar mais para a sociedade. A Justiça brasileira é morosa, cara e falha”, diz o advogado eleitoralista Joel Cândido. Para ele, a solução desse impasse não está em leis polêmicas, e sim na criação de mecanismos que apressem os julgamentos. “Tenho convicção absoluta de que o STF não irá chancelar essa inconstitucionalidade”, reforça.

“Alguns ministros já se manifestaram favoravelmente à constitucionalidade da Ficha Limpa, sobretudo aqueles que fazem parte do TSE”, afirma o presidente do Tribunal, Ricardo Lewandowski. Além disso, alguns ministros do STF concederam liminares contra a lei, de certa maneira já sinalizando um entendimento sobre a questão. Em semelhante quadro de incerteza, o presidente do TSE apela ao discernimento do eleitor. “A mensagem que eu posso dar aos eleitores é que eles votem de forma consciente, examinem os antecedentes dos candidatos, e votem naqueles que já prestaram serviços à comunidade”, conclui.


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