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28 de setembro de 2010
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09:00

Custos elevados prejudicam transparência de campanhas eleitorais

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Sul 21
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Igor Natusch

As eleições brasileiras estão entre as mais caras do mundo. Escolhemos nossos representantes em formato proporcional, com listas abertas, o que provoca competição dentro do próprio partido e personaliza a captação de recursos para as campanhas. Mesmo com o horário eleitoral gratuito em rádio e televisão, verdadeiras fortunas são gastas pelos partidos na produção de propaganda. A grande circulação de dinheiro acaba abrindo margem para desvio de recursos, utilização de caixa dois e uso de verba pública para manutenção de currais eleitorais. Preocupado com a questão, o Senado chegou a instituir uma Comissão de Reforma do Código Eleitoral, buscando formas de diminuir os custos de um modelo eleitoral oneroso e pouco transparente.

Um estudo publicado em 2006 pelo brasilianista norte-americano David Samuels traz uma série de dados sobre o custo das campanhas eleitorais no Brasil. Samuels comparou, por exemplo, as despesas de campanha no Brasil e nos Estado Unidos. Nas eleições brasileiras de 1994, foram gastos cerca US$ 4,5 bilhões na campanha eleitoral. Já as eleições norte-americanas de 1996 custaram cerca de US$ 3 bilhões.

Os dados do estudo de Samuels se tornam ainda mais surpreendentes se lembrarmos que o horário eleitoral de rádio e TV é gratuito no Brasil, com as redes de comunicação sendo ressarcidas por dedução de impostos. Nos Estados Unidos, a veiculação é paga pelas próprias candidaturas. Segundo dados da pesquisa de Samuels, o candidato à Presidência nas eleições de 1994 e 1998, Fernando Henrique Cardoso, gastou mais de US$ 40 milhões, mesmo sem pagar pelo tempo na televisão. Bill Clinton, por sua vez, gastou em 1996 um total de US$ 43 milhões – boa parte investido na compra de espaços na TV.

Oscilações

Nas eleições gaúchas, os gastos com campanha apresentam grandes oscilações. O primeiro colocado nas pesquisas para o governo do RS, Tarso Genro (PT), gastou R$ 3,7 milhões ao todo em sua campanha de 2002 pelo Piratini. Contando apenas a segunda prestação de contas de 2010, com dados ainda parciais, Tarso já quase iguala esses gastos: o petista declarou R$ 3.032.597,57 em despesas de campanha. Bem menos, porém, que os R$ 6,4 milhões investidos na candidatura de Olívio Dutra em 2006.

Yeda Crusius (PSDB) desembolsou R$ 6,2 milhões em 2006, mas apresenta números mais modestos em 2010: cerca de R$ 3,2 milhões foram declarados na segunda prestação de contas apresentada ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE). O PMDB, por sua vez, mantém certa coerência de gastos – os quase R$ 2 milhões gastos por José Fogaça até aqui podem parecer muito, mas talvez não superem os R$ 3.247.855,90 gastos por Germano Rigotto na sua tentativa de reeleição em 2006.

A aparente contenção de despesas dos peemedebistas na corrida pelo Piratini não espelha o investimento feito na candidatura de Germano Rigotto (PMDB) ao Senado. Na segunda parcial, apresentada ao TRE no início de setembro, o candidato declarou R$ 1.089.223,15 em receitas de campanha – quase o dobro do que foi investido em toda a campanha de Pedro Simon (PMDB), em 2006, e quatro vezes mais que os modestos R$ 266.706,18 de Odacir Klein, em 2002. Paulo Paim (PT) gastou bem menos até aqui: R$ 177 mil, que podem se igualar no final da campanha aos R$ 549 mil investidos por Miguel Rossetto (PT) em 2006. Ana Amélia Lemos (PP) também já superou os gastos de Mario Bernd (PPS), o candidato ao senado da chapa de Yeda Crusius em 2006. Enquanto Bernd declarou R$ 311 mil, Ana Amélia já desembolsou R$ 838.932,87 – conta que deve aumentar até o final da corrida pelo Senado.

Alguns candidatos, em especial os que concorrem a deputado estadual e federal, gastam bem mais com a campanha do que acabam recebendo durante os mandatos. Giovani Cherini (PDT), presidente da Assembleia gaúcha e que agora concorre a deputado federal, declarou gastos de R$ 277 mil em sua segunda parcial da prestação de contas. Considerando que um deputado estadual tem salário de R$ 11.564,76 mensais, Cherini já gastou na campanha dinheiro equivalente a 23 salários da Assembleia – quase dois anos de trabalho.

O coordenador da campanha de Tarso Genro (PT) ao Piratini, Carlos Pestana, explica que os gastos com a candidatura tiveram como base de cálculo o dinheiro investido na campanha de Olívio Dutra (PT) em 2006. “Fizemos algumas correções, especialmente por causa dos gastos de produção dos programas de rádio e TV, que subiram acima da inflação”, diz Pestana. Segundo ele, cerca de 40% do dinheiro são destinados exclusivamente à divulgação na mídia (TV, rádio e Internet), enquanto o restante é utilizado para impressão de material de campanha e pagamento de pessoal.

Já a assessoria de Germano Rigotto (PMDB) esclarece que o candidato ao Senado é “muito cuidadoso” e está declarando todos os gastos de campanha de maneira bastante escrupulosa, o que acaba gerando valores bem acima dos demais candidatos. Segundo a assessoria, os gastos de Paulo Paim (PT) e Ana Amélia Lemos (PP) devem ser ainda maiores, mas podem estar “diluídos” na campanha majoritária de cada partido, o que diminui os valores para declaração. O maior gasto de Rigotto também está na produção de programas de TV – ainda que Rigotto adote uma postura de contenção de custos, optando por gravar a maioria de suas aparições em estúdio, o que gera economia com gastos de equipe.

Pouca transparência

O Secretário da Governança de Porto Alegre, Cezar Busatto, já participou de campanhas eleitorais no Brasil e nos EUA, onde trabalhou como voluntário na candidatura de Barack Obama à presidência norte-americana. Busatto acredita que a o modelo eleitoral dos EUA, onde o financiamento de campanha é feito pelos próprios eleitores, gera uma transparência e um comprometimento com o eleitor completamente diferente do que temos no Brasil, onde o financiamento é feito especialmente por meio do empresariado. “Acaba sendo um modelo pouco transparente, já que muitas vezes os empresários não querem se identificar ou mostram apenas parte do que contribuíram”, conta Busatto. “Além disso, acaba gerando um comprometimento do candidato não com o eleitor, mas sim com seus principais financiadores. É uma distorção do modelo eleitoral”, afirma.

Para Busatto, o modelo eleitoral brasileiro acaba se baseando em critérios financeiros, o que causa o inchaço dos orçamentos de campanha. “Ao invés de conquistar o eleitor pela atuação ou por convencimento, o político acaba, de certo modo, comprando o eleitor. Tanto de maneira direta, como no pagamento de cabos eleitorais, ou de forma indireta, como no trabalho de divulgação na mídia, que hoje em dia é caríssimo”. O uso da mídia, segundo Busatto, também se ressente dessa distorção. “O foco não é mais da prestação de contas, da divulgação de realizações, e sim agradar o eleitor. É uma indústria que serve para reforçar as classes políticas dominantes e manter essas formas perversas e insustentáveis de financiamento”, critica Busatto.

Financiamento público

“Precisamos instituir no Brasil o financiamento público não-estatal”, defende Busatto. Para ele, a contribuição para campanhas deveria ser doada apenas por pessoas físicas. “Se um empresário quer contribuir, que faça isso com seu dinheiro, que pague do próprio bolso, sem envolver sua empresa. Com registro das suas contribuições, evidentemente. A mudança desse modelo de financiamento está na raiz de todas as demais mudanças. Uma reforma política que não enfrente de frente esse problema será uma reforma maquiada, que não promove uma verdadeira mudança”.

Mas Busatto faz uma ressalva importante. Em sua opinião, esse dinheiro também não deve ser fornecido diretamente pelo governo. “Hoje em dia, os deputados acabam criando imensas máquinas eleitorais com as verbas de seus gabinetes. Isso é uma vergonha para o país”, lamenta. “Um deputado federal, no Brasil, recebe R$ 12 milhões por ano só de emendas parlamentares. Esse dinheiro acaba servindo para que os deputados e senadores possam manter os seus currais eleitorais. Essas emendas são uma forma indireta de financiamento estatal, e impedem a renovação política. Precisamos extingui-las também”, defende.

Fiscalização

O cientista político David Fleischer concorda com Busatto, mas faz uma ressalva. “A Justiça Eleitoral precisa ser capacitada para fazer uma fiscalização efetiva dessas eleições”, adverte. “Um modelo de financiamento público dificulta o controle. É uma coisa que funciona nos EUA, onde há um formato muito mais rígido de fiscalização”. Além disso, Fleischer lembra que, além do caixa dois dos partidos, há também o das empresas que financiam as campanhas. “A grande maioria das empresas faz caixa dois para evitar as cobranças do fisco. Para acabarmos com essa prática, teremos que combatê-la não só no coração dos partidos políticos, mas também nas empresas que passam dinheiro para as candidaturas”.

O coordenador da campanha petista pelo governo estadual, Carlos Pestana, acredita que o uso de recursos públicos seria fundamental para dar mais transparência e baratear as eleições. “Isso garantiria a proporcionalidade de recursos e uma disputa mais igual entre os candidatos”, defende. “As eleições são, de fato, muito caras. Se o financiamento de campanha for feito apenas com recursos públicos, teremos um controle maior sobre os gastos de campanha”.

David Fleischer acredita que um passo decisivo para o barateamento das eleições é acabar com as campanhas individuais para deputado estadual e federal. Para ele, um modelo de votação aberta favorece o personalismo e multiplica os custos, já que um candidato não concorre apenas com seus adversários políticos, mas também com os próprios correligionários. “Não podemos mais conviver com isso. Uma votação com lista fechada, na qual se vota no partido e não no candidato individualmente, seria um passo na direção de acabar com essa distorção”, argumenta.

A adoção de uma cláusula de barreira, que limite o número de candidaturas e impeça os partidos ditos “nanicos” de concorrer, também é vista com bons olhos por Fleischer. “As eleições brasileiras são inchadas demais. Alguns defendem que as eleições contemplem todos os cargos de uma só vez, o que faria com que ocorressem de quatro em quatro anos, ao invés de dois em dois, como é hoje. Pessoalmente, não concordo com isso. Acho que uma diminuição no número de candidaturas seria muito mais efetiva”, defende.


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