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19 de fevereiro de 2018
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15:16

“Não quero morrer trabalhando ou trabalhar até morrer”: 1º dia de mobilizações contra a reforma da previdência questiona perda de direitos no governo Temer

Por
Sul 21
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Placas com rostos dos deputados gaúchos que se manifestara a favor da reforma fizeram parte das manifestações. Foto: Joana Berwanger/Sul21

Giovana Fleck

Vitalina Gonçalves é professora municipal há 32 anos. Ela é responsável pelo ensino básico de dezenas de crianças de uma escola em Gravataí. Mas ela está cansada. “É difícil trabalhar sem ser valorizado, sem ser pago direito e, ainda por cima, sem a certeza de que vou me aposentar”, afirma. Ela pretendia se aposentar com 52 anos, porém, se a Reforma da Previdência passar como está hoje, ela não sabe se conseguirá parar de trabalhar. “Mesmo já tendo tempo de contribuição suficiente, talvez eu precise de no mínimo mais dez ou doze anos. Não tenho condições emocionais para continuar desempenhando minha profissão com qualidade. Se hoje eu já sinto desgaste, imagina com quase 50 anos de contribuição.”

A presidente do CPERS, sindicato que representa os professores estaduais, Helenir Aguiar Schürer, afirma não conseguir imaginar melhoras na educação caso a reforma seja aprovada. “Professor não ensina só adolescente, quem se dedica especialmente às séries iniciais será muito afetado; é um trabalho que exige muito mais paciência. É difícil um professor de mais de 60 anos se sentir apto à permanecer em sala de aula”, completa.

Para Helenir Aguiar Schürer, a reforma representa um retrocesso para a educação. Foto: Joana Berwanger/Sul21

Vitalina acordou na madrugada da segunda-feira (19) para se somar ao dia de mobilizações nacionais para pressionar membros do Congresso a arquivar definitivamente a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 287, que consiste na reforma da Previdência. Por volta das 5h da manhã, ela e outros civis, assim como representantes de sindicatos e movimentos sociais, se reuniram em frente ao Laçador em marcha ao Aeroporto Salgado Filho. “Eu estou aqui hoje para que eu não precise morrer trabalhando ou trabalhe até morrer, e para garantir o futuro dos meus alunos, para que eles também não precisem ver seu trabalho desvalorizado dessa forma”, enfatiza.

Por volta das 7h, os manifestantes se concentraram em frente a Estação Rodoviária de Porto Alegre. “Se tem dinheiro para pagar empresários, se tem dinheiro pra pagar deputado, não venham tirar direitos do povo”, gritavam, em cima do caminhão de som que conduziu o ato até a frente da agência do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), nos arredores do Mercado Público.

Foto: Joana Berwanger/Sul21

Entre faixas e cartazes, se destacavam placas com os rostos dos nove deputados gaúchos que apoiam o governo Temer e já se declararam favoráveis à reforma da Previdência. “O que os deputados conservadores mais temem é que seus rostos sejam expostos. Não podemos deixar que eles passem impunes”, afirma o presidente da CUT-RS (Central Única dos Trabalhadores do Estado do Rio Grande do Sul), Claudir Nespolo. “Se colocar para votar, o Brasil vai parar!”, completavam os manifestantes. Entre os listados estão seis deputados do MDB (Alceu Moreira, Jones Martins, Darcisio Perondi, Mauro Pereira, José Fogaça e Osmar Terra), além de Yeda Crusius (PSDB), Renato Molling (PP) e Ronaldo Nogueira (PTB).

A manhã de manifestações, também, serviu para protestar contra as medidas práticas da reforma trabalhista, que entrou em vigor no dia 11 de novembro do ano passado. “São muitas reivindicações constantes dos trabalhadores, por isso lutamos pela unidade das classes para reforçar à população que se mobilizem. Não dá para acreditar que as eleições vão mudar alguma coisa”, reflete a representante da Secretaria Executiva Nacional da CSP-Conlutas, Neiva Lazzarotto.

Ela lembra da aprovação, em dezembro de 2017, das mudanças nas regras de aposentadorias e pensões na Argentina. Lá, sindicatos, movimentos sociais e partidos de oposição apresentam como argumento principal que a reforma representará uma diminuição significativa na renda de quem depende de aposentadorias e pensões. “Aqui, a ideia é que a previdência se transforme em uma fonte de lucro através dos fundos privados. Mas isso já se confirmou como falho, na Argentina os fundos já não têm mais como garantir as aposentadorias. Deveríamos aprender com esses exemplos, não repeti-los”, conclui.

Para a vereadora Sofia Cavedon (PT), a mobilização serve, principalmente, para que as pessoas se conscientizem de seu papel individual e que cobrem seus representantes políticos por mudanças. “Eu vejo uma mudança significativa, as pessoas estão reconhecendo seus deveres como cidadãos”, afirma. Sofia segurava panfletos sobre os atos, os quais distribuía para os passantes questionando se sabiam sobre a reforma da previdência. “O poder que está na Constituição e que deveria vir do povo não encontra espaço hoje. Onde está o plebiscito? Por que ninguém pergunta o que o povo quer?”, questiona.

Caso a reforma seja aprovada, Clair afirma que não conseguirá se aposentar. Foto: Joana Berwanger/Sul21

Segundo a vereadora, o discurso da reforma é especialmente perverso para as mulheres. “Enquanto continuarmos sendo governados por quem ignora a realidade da mulher com jornada dupla ou tripla vamos continuar ouvindo discursos que já não se justificam mais; o Brasil ainda vive uma cultura de papéis, o que faz com que mulheres de todas as classes sociais trabalhem muito mais que os homens.” É o caso de Clair de Lima, auxiliar de produção em uma fábrica de Porto Alegre. Desde os 15 anos, ela trabalha, cuida das crianças da família e da casa. Ao todo, são 30 anos na mesma função. “Se a reforma passar eu simplesmente não em aposento. E trabalhar fora, trabalhar em casa até o fim é desesperador”, declara.

Protesto contra a extinção da FZB 

Os manifestantes se uniram em ato contra a extinção da FZB. Foto: Joana Berwanger/Sul21

Após a concentração em frente ao INSS, os manifestantes seguiram em protesto em frente ao prédio da Secretaria do Meio Ambiente e Desenvolvimento (SEMA), contra o fim da Fundação Zoobotânica (FZB). Organizado por estudantes e bolsistas da Fundação, o ato cobrava um posicionamento da secretária Ana Pellini. “Caso a FZB seja extinta, a SEMA não isenção para captar recursos de editais como uma Fundação. Isso vai provocar o fim de diversas pesquisas e funções essenciais para o desenvolvimento do Rio Grande do Sul”, afirma o bolsista João Pedro de Melo.

Às 17h da segunda-feira (19), um ato contra a reforma dará continuidade às manifestações na Esquina Democrática. O calendário completo de mobilizações nacionais pode ser conferido aqui.

Confira mais fotos:

Foto: Joana Berwanger/Sul21
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Foto: Joana Berwanger/Sul21
Foto: Joana Berwanger/Sul21
Foto: Joana Berwanger/Sul21

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