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21 de agosto de 2017
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23:35

Com risco de nova reintegração, Lanceiros Negros segue sem alternativas do poder público

Por
Sul 21
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Ato em apoio a Ocupação Lanceiros Negros Vivem foi realizado na noite desta segunda | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Fernanda Canofre

Com o risco de um novo despejo a qualquer momento, os moradores da Ocupação Lanceiros Negros Vivem – a “nova” Lanceiros – convocaram um ato para o fim da tarde desta segunda-feira (21). O número de pessoas que compareceram ao local, para ouvir falas sobre a realidade dos 160 moradores que ocupam o prédio da Rua dos Andradas, onde costumava funcionar um hotel, foi menor do que em outros atos. Mesmo assim, serviu como forma de reafirmar a presença dos moradores na região.

Passados pouco mais de dois meses do primeiro despejo, ocorrido no dia 14 de junho, os moradores contam que ainda não foram contatados pelo poder público a respeito de alternativas. Para onde iriam hoje, se fossem despejados mais uma vez?

Em junho, na noite do despejo, as famílias chegaram a ser encaminhadas ao Centro Vida. O local, no entanto, não tinha estrutura nem para garantir nem questões de higiene para as famílias. Desde então, eles dizem nunca mais ter sido contatados pela prefeitura ou pelo governo do estado. As famílias da Lanceiros afirmam que “não querem morar de graça”, apenas buscam moradias com valores justos e dentro de suas possibilidades.

“A gente estava com esperança, estava achando que, dessa vez, não só o governo, mas a população ia enxergar os reais motivos e a realidade de cada um. Mas, logo na primeira semana, a gente já recebeu a reintegração. Estamos só na fé. Sai para trabalhar, com fé de que hoje eles vão ficar com preguiça e não vão vir, vão ter dor de barriga e não vão vir. E a gente vai ganhando um dia a mais”, conta Lilian de Oliveira Luciano.

Quando os moradores da Lanceiros, que ocupavam um prédio do governo do estado na esquina das ruas General Câmara e Andrade Neves, foram despejados, Lilian virou um símbolo. Por ter uma geladeira “boa”, ela se tornou alvo de comentários irônicos nas redes sociais. A história foi contada pelo Sul21.

Hoje, Lilian se diz preocupada. Ela, que havia retomado os estudos recentemente, graças a uma matrícula de EJA (Educação de Jovens e Adultos), conta que já perdeu o ano letivo. O motivo seriam as faltas frequentes, uma vez que ela não sai mais de casa, com medo que a nova reintegração aconteça a qualquer momento e os quatro filhos estejam sozinhos em casa. Lilian só deixa o local onde vive no horário em que as crianças estão na escola, quando ela sai fazer as faxinas que pagam a comida da família.

A preocupação com a situação escolar das crianças é sua principal dúvida agora. “Eu rezo para que eles esperem, pelo menos, até o final do ano, para que eu tenha tempo de achar outra escola para os meus filhos. Se eles fizerem o despejo hoje, não sei como vai ser. Eles vão perder o ano”, diz.

Os moradores da Lanceiros contam ainda que funcionários da Fundação de Assistência Social (Fasc), da Prefeitura de Porto Alegre, estiveram no local, há duas semanas, para fazer cadastros das famílias. Apesar da solicitação dos moradores, os assistentes sociais teriam aparecido em horário comercial, quando a maioria está fora da ocupação, trabalhando. Segundo os moradores, isso ajudaria a reforçar a narrativa de que as famílias não estariam morando, de fato, no edifício.

Na última quinta-feira, uma reunião foi convocada entre representantes da Brigada Militar, Fasc, Conselho Tutelar, Ministério Público e MLB (Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas) para definir como será feita a operação do “despejo humanizado”, de acordo com Priscila Voigt. A próxima reunião para acertar a retirada das famílias está marcada para esta terça-feira.

Além da Lanceiros, outras ocupações do Centro de Porto Alegre estão correndo risco de despejo em breve. Há reintegrações de posse pendentes para a Mirabal e a Saraí. “É uma onda. A Lanceiros está na mira por ser uma ocupação central, por ir contra a lógica de empurrar 0 povo para a periferia, então deve ser a primeira, para servir de exemplo”, avalia Priscila.

Foto: Guilherme Santos/Sul21

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