Marco Weissheimer
|
3 de março de 2014
|
19:51

Os neonazistas no século 21: a ameaça da barbárie está de volta?

Por
Sul 21
[email protected]
O crescimento político dos neonazistas na Ucrânia é real. Não se trata de ficção. O partido ucraniano radical de direita Svoboda formou a primeira fação parlamentar de extrema-direita na Ucrânia após as eleições de 2012. O Svoboda conseguiu cinco ministérios no novo governo de Arseniy Yatsenyuk.
O crescimento político dos neonazistas na Ucrânia é real. Não se trata de ficção. O partido ucraniano radical de direita Svoboda formou a primeira facção parlamentar de extrema-direita na Ucrânia após as eleições de 2012. O Svoboda conseguiu cinco ministérios no novo governo de Arseniy Yatsenyuk.

Depois de tudo o que aconteceu no século XX, é surpreendente que o nazismo volte a ser uma referência política na Europa. Surpreendente e preocupante, beirando o trágico. Depois da Grécia, agora é a Ucrânia que mostra ao mundo os seus neonazistas agrupados em organizações com milhares de seguidores. Com um agravante: os neonazistas ucranianos estão no poder, junto com outras forças políticas nacionalistas e de extrema-direita, que acabaram dirigindo politicamente os protestos de rua das últimas semanas.

A cobertura midiática sobre a crise na Ucrânia vem se concentrando, de modo geral, nas disputas geopolíticas envolvendo Estados Unidos, União Europeia e Rússia. Trata-se de uma questão importante, sem dúvida, mas há um silêncio preocupante sobre notícias que vem da Ucrânia sobre a ação de forças políticas e paramilitares de extrema-direita. Violência, xenofobia e antissemitismo integram o caldo de cultura da realidade política do país nestes dias. Natalia Vitrenko, dirigente do Partido Socialista Progressista da Ucrânia, acusou em um artigo os Estados Unidos e a União Europeia de estarem ajudando a erguer um regime nazista em território ucraniano. Ela relata a seguinte situação:

“Por todo o país, pessoas estão sendo espancadas e apedrejadas, enquanto os membros “indesejáveis” do Parlamento da Ucrânia estão sofrendo intimidação em massa. As autoridades locais veem suas famílias e crianças sendo alvo de ameaças de morte caso não apoiem a instalação deste novo poder político. As novas autoridades ucranianas estão maciçamente queimando os escritórios de partidos políticos adversários, e anunciaram publicamente a ameaça de processo criminal e proibição de partidos políticos e organizações públicas que não compartilham a ideologia e os objetivos do novo regime.” (“EUA e UE estão erguendo um regime nazista em território ucraniano” )

O crescimento político dos neonazistas na Ucrânia é real. Não se trata de ficção. O partido ucraniano radical de direita Svoboda formou a primeira fação parlamentar de extrema-direita na Ucrânia após as eleições de 2012. O Svoboda conseguiu cinco ministérios no novo governo de Arseniy Yatsenyuk. O cargo mais importante foi reivindicado por um dos fundadores do partido, Andriy Parubiy. Ele foi nomeado Secretário da Comissão de Segurança e Defesa Nacional, que supervisiona o Ministério da Defesa e as Forças Armadas. A nomeação de Parubiy para um cargo tão importante deveria, por si só, ser motivo de indignação internacional. O que se ouviu até aqui foi um ruidoso silêncio. Além da Defesa, os neonazistas ucranianos levaram os ministérios de Educação, Justiça e Economia.

Resta saber se os militares ucranianos estão dispostos a receber ordens de um neonazista. Os primeiros sinais parecem indicar que muitos deles não estão nem um pouco dispostos a aceitar esse comando. A nave-madrinha da Marinha da Ucrânia está navegando com bandeira da Rússia. O recém-nomeado comandante da Marinha da Ucrânia desertou para o lado russo, na Crimeia, poucas horas depois de nomeado.

Outra organização que ascendeu ao poder é o Setor Direito (Right Sector), uma organização abertamente fascista que se autodenomina nacionalista autônoma e se identifica pelo estilo skinhead de vestir e pelo fascínio pela violência nas ruas. Armados com escudos e barras de ferro, os membros desse grupo ocuparam as linhas de frente dos choques com as forças de segurança, com um slogan único: “A Ucrânia acima de tudo!” Em um recente vídeo de propaganda disponibilizado nas redes sociais (ver abaixo), o grupo prometeu lutar, entre outras coisas, “contra a degeneração e o liberalismo totalitário, pela moralidade e pelos valores familiares tradicionais nacionais“.

A comunidade de judaica da Ucrânia, que pagou um altíssimo preço em vidas durante a Segunda Guerra Mundial, está em alerta máximo. Sinagogas já foram atacadas com coquetéis molotov e os discursos de neonazistas e outros ultranacionalistas são carregados de palavras de ordem antissemitas e pregações de ódio racial.

Em um artigo publicado no site CounterPunch, o analista Mike Withney critica a aliança que o governo dos Estados Unidos fez com esses grupos para defender seus interesses geopolíticos diante da Rússia:

“Obama e seus assessores acham que têm controle sobre tudo isso e podem domar este covil de víboras para seguir as diretrizes de Washington, mas na minha opinião isso soa como uma má aposta. Estamos falando de neonazistas hard-core aqui. Eles não serão comprados, cooptados ou intimidados. Eles têm uma agenda e pretendem executá-la até o seu último suspiro”. (íntegra do artigo em português)

A situação na Europa é preocupante, justamente pelo fato de o continente ter sido o berço do nazismo e da barbárie que vitimou milhões de pessoas e arrastou o mundo inteiro para a guerra. O neonazismo europeu não é mais uma excentricidade residual, limitada à meia-dúzia de malucos. Tem representação parlamentar na Grécia, na Ucrânia e em outros países também. Agora, na Ucrânia, estão no comando de ministérios. Em outros países, forças políticas de extrema-direita também avançam, como é o caso dramático da França onde a Frente Nacional já é, segundo recentes pesquisas, o maior partido do país.

A crise econômico-financeira de 2007-2008 acabou jogando água no moinho desses agrupamentos políticos. O crescimento do desemprego teve como uma de suas consequências o aumento da xenofobia e dos discursos ultra-nacionalistas. A Europa está virando um território hostil para africanos, latinos, asiáticos, árabes, ciganos e outros povos. Prolifera o discurso de ódio contra “tudo que não presta”, para usar a expressão que um representante da direita gaúcha tornou famosa recentemente.

O neonazismo europeu não é mais uma excentricidade residual, limitada à meia-dúzia de malucos. Tem representação parlamentar na Grécia, na Ucrânia e em outros países também.
O neonazismo europeu não é mais uma excentricidade residual, limitada à meia-dúzia de malucos. Tem representação parlamentar na Grécia, na Ucrânia e em outros países também.

Para além das disputas geopolíticas entre EUA e Rússia, o mero fato do ressurgimento de partidos abertamente neonazistas como protagonistas da disputa política deveria ser motivo de grande preocupação e denúncia. Esse ressurgimento já recomenda cautela quanto à impossibilidade da repetição de tragédias históricas como as duas guerras mundiais que sangraram a Europa e o planeta.

Eles estão aí de novo, com suas suásticas, bandeiras, uniformes e cantos de guerra carregados de ódio. Além do solo fértil para o florescimento de sua loucura proporcionado pelos efeitos da crise econômica na Europa, contam com o olhar benevolente e cúmplice dos Estados Unidos e da União Europeia que até agora não expressaram a menor preocupação com o retorno das viúvas de Adolf Hitler.


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora