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31 de dezembro de 2012
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07:58

Tarso Genro: “PT precisa entender que não vai ser sempre cabeça de chapa”

Por
Sul 21
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Samir Oliveira *

Na segunda parte da entrevista concedida ao Sul21, o governador gaúcho Tarso Genro discute o modelo de segurança do Rio Grande do Sul, com foco nas recentes críticas à truculência da Brigada Militar. Também fala da relação com o bloco de oposição, faz uma análise do desempenho petista nas eleições de 2012 – onde o partido sofreu, em Porto Alegre, uma das mais pesadas derrotas de sua história – e projeta o cenário político do RS para os próximos dois anos, já em preparação para a corrida eleitoral de 2014.

Para ler a primeira parte da entrevista de Tarso Genro, clique aqui.

“A BM agiu mal no caso do Tatu-Bola. Teve atitudes completamente desmedidas. Eu diria até que foi caricata, em termos de autoritarismo”

Sul21 – Sobre a segurança pública… Para além da questão material, da aquisição de viaturas e aumento de policiais na rua, gostaria de lhe perguntar: como o senhor vê a conduta repressiva da Brigada Militar? Recentemente, tivemos o episódio da repressão ao protesto em frente à prefeitura contra a privatização dos espaços públicos da cidade. O caso foi emblemático e obteve bastante espaço na mídia, mas sabemos que centenas de denúncias de violência policial ocorrem diariamente em vilas e favelas.
Tarso – 
Esse caso do Tatu-Bola também foi emblemático no sentido contrário. A Brigada Militar agiu mal. Agiu tecnicamente de maneira incorreta e teve atitudes repressivas completamente desmedidas. Eu diria até que foi caricata, em termos de autoritarismo. No outro dia, quando o comandante foi lá, se aplicou a linha do governo, que pressupõe diálogo, conversação e respeito aos dirigentes do movimento. Também havia uma meia dúzia que queria mesmo atacar a Brigada Militar. Isso é histórico, sempre tem os agitadores, que, inclusive, podem ser de extrema direita. A atitude do comandante do policiamento no Centro, orientado pelo secretário de Segurança, demonstrou eficiência. Tanto é que, posteriormente, se realizou reunião com os dirigentes do movimento para avaliarmos onde a Brigada Militar havia errado. Essa é a nossa conduta.

É fundamental introduzir Direitos Humanos na formação de policiais civis e da Brigada, acentua governador do RS | Foto: Ramiro Furquim / Sul21

Sul21 – O senhor já recebeu o relatório feito pela Ouvidoria de Segurança Pública? O texto diz que foi a Brigada quem começou a repressão.
Tarso – 
Já recebi o trabalho da Ouvidoria e pedi para a minha assessoria superior preparar uma série de orientações, para que possamos tirar determinações daquela experiência e conduzi-las ao comandante da Brigada, para que esses fatos não se repitam. A segunda orientação é introduzir, na formação dos policiais, tanto civis quanto da Brigada, a questão dos direitos humanos. Em terceiro lugar, estamos iniciando um sistema de comunicação integrada com as famílias e com os jovens para mostrar que a Brigada Militar só poderá mudar na medida em que mudar também sua relação com a população, os movimentos e os jovens. Um  exemplo dessa mudança é a operação contra a alcoolemia no trânsito, a chamada Lei Seca, que tem dado grandes resultados. Trata-se de um conjunto de mudanças que inclui não só os meios através dos quais se combate as ações criminosas, mas a mudança da cultura das instituições.

Sul21 – Como o senhor avalia a relação do governo com a oposição? A oposição diz que o seu governo ainda não disse a que veio e não possui uma marca.
Tarso – 
Ao longo desses dois anos, já construímos uma marca de governo e é isso que está inquietando muito nossos adversários. Desenvolvimento econômico, combate às desigualdades regionais e sociais: todas as nossas políticas convergem para isso. A oposição no Rio Grande do Sul não tem unidade, então não é possível responder à oposição em bloco.

Sul21 – O que o senhor diria ao PP, por exemplo? O partido realizou um balanço negativo sobre o seu governo nos últimos dias.
Tarso – 
Para o PP, dizemos que somos favoráveis aos aumentos salariais para o funcionalismo e entendemos que isso faz parte da recomposição das funções públicas do estado. Se não apostarmos no ser humano, na sua autoestima e na sua capacidade, essas pessoas não irão produzir melhor. O PP critica o endividamento do estado. Estamos fazendo um endividamento dentro das margens fiscais permitidas pela lei e com o aval da União. Ao invés de nos separarmos da União, nós a estamos trazendo para dentro da nossa “crise”. Criticam que temos poucos investimentos no orçamento. É verdade. Mas chegamos aos 12% para a saúde, coisa que não se preocuparam em fazer. O PP nos critica porque defende o governo Yeda. Nós saudamos essa postura, porque é muito corajoso da parte do PP defender o governo Yeda, defender que não se tenha recursos para investir e que não se dê aumento aos servidores.

Sul21 – Tem sido dito que a oposição ao governo federal é quase inexistente. O senhor concorda com essa tese aqui no estado?
Tarso – 
A oposição aqui é organizada, mas é minoritária. Nos 300 projetos que aprovamos na Assembleia Legislativa, tentaram não votar, retirar o quórum e fazer obstrução parlamentar, algo que eles têm direito, mas não conseguiram fazer. A oposição faz um movimento para ser contra o aumento dos professores e depois, na hora de votar, vota a favor. É uma oposição que não tem uma cabeça muito lógica. Essas contradições têm desgastado a oposição nas suas bases. Hoje, todo o magistério sabe que a oposição se articulou com o PSOL e com o PSTU para tentar bloquear os aumentos que queríamos dar.

Contradições desgastam oposição junto a suas bases, diz Tarso: “faz movimento contra o aumento dos professores e, na hora de votar, vota a favor. É uma oposição que não tem uma cabeça muito lógica” | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
“O compromisso que PDT e PTB têm conosco diz respeito a quatro anos de governo. Se eles quiserem ter outros candidatos na próxima eleição, podem ter. Nem por isso terão que sair”

Sul21 – O PMDB gaúcho está agora sob a presidência do deputado estadual Edson Brum, que é um contundente opositor ao seu governo. Ao mesmo tempo, ele afirma que é preciso realizar uma aproximação com o PMDB nacional e busca uma aproximação com Dilma. Como o senhor avalia essa situação do PMDB gaúcho, que faz oposição a um governo estadual do PT, mas tem ministros no governo federal do PT?
Tarso – 
Fui eu quem, orientado pelo presidente Lula, organizou a coalizão política em seu governo. Foi a primeira vez que se falou em coalizão no Brasil. A presidente Dilma precisa manter o equilíbrio de relações com os partidos que lhe dão sustentação. Recentemente, inauguramos uma obra em Caxias do Sul. Lá estavam o ministro do PP e o prefeito José Ivo Sartori, do PMDB. Aqui, eles são nossos adversários. Lá, são aliados do governo federal. Precisamos saber conviver com isso e prestigiar e respeitar a presidente. A situação do PMDB no Rio Grande do Sul é permanentemente contraditória. O senador Pedro Simon, por exemplo, sempre teve o comportamento de organizar coalizões contra o PT em todas as circunstâncias, o que ele faz com a dignidade e capacidade política que lhe são próprias. Agora temos uma novidade no PMDB gaúcho, que é um presidente que se elege dizendo que quer que o PMDB no Rio Grande do Sul se manifeste como apoiador do governo da presidente Dilma. Se fizer isso, será uma realidade política que termos que estudar. Mas ele não pode fazer isso na ilusão de que a presidente Dilma apoie um candidato do PMDB ao governo estadual. Isso não irá ocorrer, já foi tentado com o presidente Lula quando eu era candidato e não deu certo. Dilma é integrante do PT e vai conduzir a sucessão no estado de acordo com a coerência partidária que sempre fez parte do seu governo.

Sul21 – Como o senhor avalia os movimentos que se processam no interior da sua base aliada, com PDT discutindo a possibilidade de lançar candidatura própria ao governo estadual?
Tarso – 
O que os partidos da base fazem em relação a 2014 não interfere em nada no nosso relacionamento. O compromisso que PDT e PTB têm conosco diz respeito a quatro anos de governo. Se eles quiserem ter outros candidatos na próxima eleição, podem ter. Nem por isso terão que sair do governo. Só sairão no momento que acharem política e eticamente adequado. São companheiros que estão prestando serviços inestimáveis ao governo e têm o direito de possuírem um candidato em 2014. Os partidos originários da Frente Popular, PSB e PCdoB, já me procuraram e disseram que estarão juntos com o PT no próximo período. Não solicitei esse movimento, mas o saúdo com muita efusividade.

Sul21 – E quanto ao debate interno no PT sobre a eleição de 2014?
Tarso – 
Meu partido ainda não começou a tratar da sucessão estadual. Temos que identificar quem é o melhor candidato para o próximo período, se sou eu e se eu me disponho, ou se é melhor outro companheiro concorrer. Vai depender de quem serão os adversários. Do ponto de vista pessoal, não vou demandar para o PT que eu seja candidato à reeleição. Seria absolutamente impróprio fazer isso.

De acordo com Tarso, seu governo é capaz de discutir conceitualmente junto ao agronegócio, setor onde possível adversária Ana Amélia Lemos tem grande inserção | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Sul21 – Ainda sobre a eleição estadual de 2014, qual adversário mais lhe preocupa?
Tarso – 
O panorama para a nossa coalizão é boa. Isso não significa nenhum desprezo com relação aos adversários. As pessoas que estão aparecendo na cena pública como eventuais candidatos devem ser respeitadas. É um jogo democrático e são pessoas que fazem política de maneira democrática e respeitosa. A senadora Ana Amélia Lemos (PP), que é uma das pessoas que aparenta ser candidata, possui uma representação junto ao setor do agronegócio, que é um setor onde temos um trabalho altamente qualificado. Podemos disputar com ela, inclusive conceitualmente, em relação aos governos anteriores, quem tratou de maneira mais correta, tecnicamente adequada e pública essa questão. Tem o Germano Rigotto (PMDB), que também pode ser candidato. Não gostaria de fazer nenhum comentário, pois é meu amigo pessoal. Foi um governador que enfrentou um período de extrema dificuldade, com o estado muito paralisado naquela época, com secas muito grandes. Na minha opinião, boa parte do governo Rigotto não estava à altura dos desafios enfrentados, embora o próprio governador estivesse. O ex-prefeito José Fogaça (PMDB), que foi meu adversário, também é respeitável. Se nós fizermos um bom governo, nenhum deles nos assusta em termos de concorrência eleitoral. Estou otimista em relação a 2014 e acho que teremos mais quatro anos de Unidade Popular Pelo Rio Grande. Isso se deve muito mais ao fato de estarmos executando nosso programa do que à qualquer fraqueza de nossos adversários.

“O PT tem que começar a pensar que não vai ser sempre cabeça de chapa. Precisamos trabalhar com uma visão de esquerda mais generosa com nossos parceiros e mais dura em relação a nós mesmos”

Sul21 – Como o senhor avalia a derrota do PT nas eleições municipais em Porto Alegre?
Tarso – 
O PT não conseguiu criar um espaço novo, identificado com os movimentos do campo democrático de esquerda. Esse espaço já estava muito ocupado por dois candidatos fortes, a Manuela (D’Ávila, PCdoB) e o (candidato do PDT, José) Fortunati. Nosso candidato (Adão Villaverde), ­que é um quadro político de primeira linha, não conseguiu furar esse bloqueio. Ficamos somente com o que chamamos de “os votos roxos do PT”. Não conseguimos seduzir aquele campo originário no qual fomos hegemônicos durante 16 anos em Porto Alegre.

Sul21 – Por que não?
Tarso – 
Eu tenho uma tese e a tenho defendido no partido. Nossas principais bandeiras em Porto Alegre não são mais somente nossas. O Orçamento Participativo hoje é aceito por partidos que eram nossos adversários. A cidade como sujeito da globalização e o Fórum Social Mundial não são linhas nossas. Nesse período, o PT não apresentou nada mais adiante. Manteve as posições tradicionais e não agregou nenhuma mensagem nova. Nossas bandeiras democráticas de cunho progressista pertencem a todo o campo do centro progressista, da centro-esquerda e da esquerda de Porto Alegre.

“Nossas principais bandeiras em Porto Alegre não são mais somente nossas. O Orçamento Participativo e o Fórum Social Mundial são aceitos por partidos que eram nossos adversários” | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Sul21 – Houve um equívoco também de estratégia eleitoral? O senhor defendia que o PT priorizasse uma composição com o PSB e o PCdoB em Porto Alegre.
Tarso – 
Minha posição sobre isso é conhecida. Não vou comentar sobre ela. Seria impróprio, depois de ter ocorrido o que eu previ, dar revelo a minha própria opinião. O PT tem que começar a pensar, não somente no Rio Grande do Sul, que não vai ser sempre cabeça de chapa nas circunstâncias importantes da luta política do país. Defendo isso há muito tempo. Não trabalho com a concepção exclusiva do PT como dono da verdade, da Justiça e do bem. Precisamos trabalhar com uma visão de esquerda mais generosa em relação a nossos parceiros e mais dura em relação a nós mesmos. É isso que fará o partido crescer e retomar sua condição de hegemonia em muitas regiões do país.

“Se o PT não começar a discutir valores de ideologia e projeto com partidos da ultra-esquerda, continuará perdendo hegemonia no movimento sindical”

Sul21 – Nos últimos anos, o PT vem perdendo hegemonia no setor que lhe deu origem: o sindical. O maior sindicato público do estado, o CPERS, é dominado por PSOL e PSTU, como o senhor mesmo frisou. E há inúmeros exemplos em nível regional e nacional no país. O que isso significa? O PT está deixando lacunas na esquerda que estão sendo preenchidas por outros partidos?
Tarso – 
Esses espaços serão necessariamente ocupados pelos partidos mais radicalizados, mais corporativos e mais vinculados às lutas imediatas e economicistas. Isso é uma lei da História, porque esses movimentos são fragmentários. Hipoteticamente falando, se eu estou à frente de um movimento pelo aumento salarial a engenheiros, eu quero enquadrar o projeto de país a essa necessidade. Isso é praticamente uma síntese histórica de todo o movimento sindical moderno. Seria estranho se não fosse assim. Quem tem o dever de colocar o fragmento dentro da totalidade é o partido, não o sindicato. É o partido que tem que colocar as demandas das partes da sociedade em um conjunto de estratégias para um plano de estado. Seja de nação socialista, capitalista, ou de uma nação pautada pelo projeto social-democrata. O PT teve hegemonia no movimento sindical quando essas demandas eram também integrantes da luta democrática. As ações e a liberdade sindical eram restritas e proibidas durante a ditadura. O PT surge da vanguarda das lutas corporativas e econômicas e se credencia, a partir daí, para se tornar um partido representante de um projeto para o todo. Quando o PT chegou ao governo, com uma hegemonia complexa e um leque ampliado de alianças, esse projeto precisou ser relativizado. E tem que ser assim, senão não se governa. Ou, se governa, cai, como ocorreu com o presidente chileno Salvador Allende. Se o PT não desencadear uma luta ideológica frontal para discutir valores de ideologia e projeto com esses partidos da ultra-esquerda, continuará perdendo sua hegemonia no movimento sindical. E isso não é bom para o partido.

” Quem tem o dever de colocar o fragmento dentro da totalidade é o partido, não o sindicato. É o partido que tem que colocar as demandas das partes da sociedade em um conjunto de estratégias de Estado” | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Sul21 – E como conduzir esse processo de confronto ideológico?
Tarso – 
Hoje o PT está em uma situação onde ainda é um partido de estado e de governo, mas ao mesmo tempo é um partido de movimentos. Como partido de governo, o PT ainda não abdicou daquela visão economicista original que diz que tudo o que é progressista, positivo e revolucionário passa pelo movimento sindicial. Ao contrário, em uma situação democrática estável, os sindicatos são normalmente uma voz reformista e economicista tradicional, que só se preocupa com a sua categoria. Isso está demandando, em todo o mundo, uma reavaliação estratégica do movimento sindical e da própria estratégia socialista. Na União Europeia, durante o processo de unificação, os grupos empresariais e os grandes partidos políticos unificaram a Europa em torno do grande capital financeiro. Nesse período, o movimento sindical europeu pedia melhores salários e mais social-democracia. Em nenhum momento apresentaram a proposta de uma Europa social-democrata ou socialista para contrapor o projeto do capital. Qual foi o resultado? Ficaram de fora. Existe uma crise mundial do movimento sindical. O CPERS é apenas um exemplo disso. Isso não retira a validade nem a autoridade dos sindicatos perante o nosso governo. Mas as direções políticas que agem assim entram em um beco sem saída.

Clique aqui para ler a primeira parte da entrevista de Tarso Genro ao Sul21

* colaborou Igor Natusch


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