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26 de dezembro de 2012
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08:00

Polarização do Congresso é maior desafio de Obama em segundo mandato

Por
Sul 21
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Barack Obama at Las Vegas Presidential Forum
Em seu primeiro mandato, Obama deixou alguns eleitores decepcionados com a falta de mudanças radicais | Foto: Center for American Progress Action Fund

Natália Otto

No dia 21 de janeiro de 2013, o primeiro presidente negro eleito nos Estados Unidos toma posse de seu segundo e último mandato. Barack Obama assumiu o governo dos Estados Unidos em 2009 em meio a uma crise econômica e duas invasões simultâneas no Oriente Médio. Ele sobe novamente ao palanque para refazer seu juramento com um país de economia mais estável e com tropas de combate retornando para casa. Ainda assim, nos próximos quatro anos Obama deve enfrentar uma crise econômica mundial e a turbulência entre as relações entre Irã e Israel. Para especialistas, as mesmas amarras que seguraram Obama em seu primeiro mandato podem seguir dificultando suas políticas: a maioria da oposição no Congresso Nacional e os fortes lobbys que inundam a política americana.

Visto como ídolo pop pelos eleitores mais entusiastas e odiado por conservadores estadunidenses, Obama também deixou uma parcela de seus eleitores decepcionados com a falta de mudanças radicais em seu primeiro mandato. Guantánamo, a prisão para presos políticos acusados de terrorismo localizada na ilha de Cuba, permanece funcionando apesar dos apelos dos cidadãos mais liberais do país. Além disso, o presidente segue apoiando o governo de Israel perante suas ofensivas à Gaza, inclusive a mais recente, e financiando regimes autoritários como o da Arábia Saudita. Para alguns eleitores, estas políticas vão de encontro à retórica de mudança e pacifismo que o democrata utilizou em sua primeira campanha presidencial, em 2008.

De acordo com o professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília, Antônio Jorge Ramalho, Obama dificilmente mudará essas políticas em um segundo mandato. “Esses são os limites que o Congresso impõe a ele. No caso de Guantánamo, por exemplo, há uma resistência muito forte dos republicanos, que têm maioria na Câmara”, explicou o acadêmico. Nas últimas eleições, em novembro deste ano, os estadunidenses elegeram 234 republicanos, contra 201 democratas. Quanto ao apoio a regimes violadores de direitos humanos, Ramalho afirmou que a existência da democracia nunca foi critério para os EUA se aliarem a um país, e continuará não sendo. “É só ver a relação que os EUA tiveram com países da América Latina e têm com o Oriente Médio. É muito mais uma questão de confiabilidade na estabilidade do governo local do que de democracia”, afirmou.

Barack Obama - The Official White House Photostream
Política externa dos EUA é submetida ao interesse nacional, o que impede grandes mudanças, diz diplomata brasileiro | Foto: Pete Souza / The White House

Para Rubens Antônio Barbosa, embaixador brasileiro em Washington de 1999 até 2004, o fator mais importante que permaneceu inalterado do governo de Bush até o governo Obama é a política externa. “Obama tinha, efetivamente, um programa muito avançado e ativo para corrigir os erros de Bush. Mas acontece que a política externa estadunidense é consensual, submetida ao interesse nacional”, explicou o embaixador. “Ele não conseguiu fazer grandes mudanças nesse sentido, e continuará não conseguindo no segundo mandato. Nos dois aspectos mais delicados e importantes, Cuba e Israel, ele está paralisado. Não são assuntos só de política externa, mas de política interna também, pois, no caso de Israel, o lobby judeu dentro do Congresso é muito forte e impede qualquer mudança”, argumentou.

Para especialistas, Obama deverá buscar soluções diplomáticas em relação ao Irã

Tanto o embaixador quanto o professor Ramalho concordam que Obama deverá usar da diplomacia para lidar com a questão do suposto acúmulo de armas nucleares pelo governo do Irã. Para ambos os especialistas, a chave da questão reside mais nas decisões de Israel do que nas dos EUA.  “Não tenho dúvidas que os EUA tentarão soluções diplomáticas, mas de fato existe risco de guerra, decorrente de Israel”, afirmou Ramalho. “Os Estados Unidos pressionam Israel para não optar por esse caminho, mas eles não têm total controle.” Para o professor, Obama caminha para uma solução diplomática, mas o impasse deve permanecer por mais alguns anos. “Esse não é um assunto conduzido com muita racionalidade pelos EUA”, pontuou.

Para o embaixador Barbosa, o Irã irá tentar encontrar uma forma de acomodação e uma saída diplomática. Ele reforçou que os EUA não têm interesse nem capacidade financeira para engajamento em outra guerra. “Há certo consenso sobre isso no país, apesar da pressão de Israel”. Barbosa afirma que, caso o estado judaico tome a decisão de iniciar uma ofensiva militar contra o Irã, haverá “uma confusão muito grande”. Uma guerra contra a república islâmica causaria um problema econômico de grandes proporções mundiais devido ao aumento do preço do petróleo da região.

Barack Obama
Barack Obama conseguiu retomar crescimento econômico, mas desemprego segue nos mesmos patamares do governo Bush | Foto: Sage Ross / WikiMedia Commons

Os dois especialistas divergem no entanto, sobre a possível entrada dos EUA em uma ofensiva militar caso a guerra venha a ser declarada por Israel. Para o embaixador, Obama apoiaria a decisão de Israel mas não engajaria em uma ação militar. A opinião do professor Barbosa, no entanto, é que o país seria “arrastado” pela movimentação militar israelense.

Apesar de retomada do crescimento, minoria no Congresso também dificulta avanço econômico

Barack Obama assumiu a presidência dos EUA durante uma crise financeira que teve seu pico entre 2007 e 2008. Em 2009, nos três primeiros meses do governo do democrata, os EUA tinham um índice de crescimento negativo de 5%. Ao final de seu primeiro mandato, em 2012, o país apresentava 2% de crescimento ao ano. No entanto, os índices de desemprego permanece os mesmos: em 2009, 7,8% dos estadunidenses estavam desempregados. Em janeiro de 2012, este número era de 7,9%, apesar de oscilações positivas em 2010 e do crescimento da oferta de empregos a partir de 2011.

Para o professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) André Moreira Cunha, a economia estadunidense está em uma trajetória lenta de recuperação que não repõe os patamares de crescimento econômico observados a partir de 2003 ou nas décadas de 80 e 90. “A perspectiva é de um crescimento moderado, ainda associado a níveis muito altos de desemprego. Como se vê nos números, a população perdeu empregos com a crise e ainda não estão conseguindo recuperá-los”.

Para o professor, as questões estruturais da economia seguem complicadas. “Os EUA são um país cuja expansão, nas últimas décadas, se deu mais pelo aumento do crédito do que pelo aumento dos salários”, explicou. Ele apontou que a economia dos “anos de ouro” dos Estados Unidos, a década de 50 e 60, era baseada em investimentos e aumento da produtividade, o que se traduzia em salários mais altos que sustentavam a demanda de consumo. A partir dos anos 70, a expansão do consumo se baseia no crédito e na valorização de ativos financeiros como ações e imóveis. “Mas essa realidade desapareceu devido à crise. De 2008 para cá, o consumidor estadunidense está mais retraído, o que complica a economia”, afirmou.

O economista acredita, no entanto, que Obama fez esforços na área fiscal e conseguiu evitar uma crise pior. Para Cunha, ações ousadas como a tentativa de sustentar empresas americanas e estatizá-las, como ocorreu com a General Motors, foram boas apostas. “Paulatinamente, essas empresas que receberam apoio do governo estão sendo revendidas para o setor privado”, disse ele.

Com as políticas de estímulo, muitas empresas estadunidenses se recuperaram. Obama garantiu isenções fiscais para que as companhias comprassem máquinas, contanto que elas fossem produzidas nos EUA. Assim, as empresas se modernizaram e se tornaram mais competitivas. Porém, há um ônus: “A troca de pessoas por máquinas prejudicou a recuperação dos empregos”, explicou Cunha. “Além disso, apesar de as empresas estarem recuperadas e competitivas, os salários permanecem baixos, contidos pela crise”.

Apesar do crescimento econômico pequeno, mas positivo, Obama enfrentará desafios referentes a suas propostas de governo, de acordo com o professor Moreira Cunha. “O governo está amarrado porque propostas na área de investimento e renovação de energia, que alavancariam a economia, dependem da questão fiscal, que não é tão confortável assim”, explicou. As políticas dependem da aprovação de um orçamento e de uma reforma fiscal – mas, com o Congresso dividido, isso não ocorrerá com facilidade. “Obama quer tributar as famílias mas ricas, mas os republicanos se opõem ferozmente”, explicou o acadêmico.

Barack and Michelle Obama
Embora mundo tenha se tornado multipolar, EUA não estão fora do jogo, argumenta professor da UFRGS | Foto: My Hobo Soul / WikiMedia Commons

Além do Congresso polarizado, Obama enfrentará também a dificuldade de promover o crescimento dos EUA em meio à crise econômica europeia. Para Cunha,  a crise na segunda maior potência econômica fere os Estados Unidos, pois um dos vetores da recuperação do país é a exportação, e a crise europeia diminui o mercado.

Apesar dos desafios, os Estados Unidos não deixaram de ser a maior potência econômica do mundo, de acordo com o professor Cunha. “O núcleo duro do conglomerado industrial americano segue forte. As empresas estão líquidas e capitalizadas de modo geral, não há risco de uma quebradeira generalizada”, pontuou o economista. Para ele, a crise é macroeconômica e reside nas famílias endividadas, na baixa capacidade de compra do consumidor e na falta de recursos para investimentos estatais.

“O mundo já não é mais o mesmo, não é um mundo em que os Estados Unidos estão no topo e os outros países estão olhando, esperando para ver o que eles fazem”, declarou Cunha. “É um mundo muito mais multipolar e complexo. O próprio surgimento do G-20 já sinalizada que os países do G-8 já não são mais capazes de impor o dinamismo da economia mundial”. Para o professor, não haverá um retorno a um passado dominado pela hegemonia estadunidense, mas os Estados Unidos “ainda não estão fora do jogo”.


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