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27 de novembro de 2012
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20:22

Comissão da Verdade recebe documentos sobre atentado do Riocentro

Por
Sul 21
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Documentos comprovam assassinato do ex-deputado federal Rubens Paiva | Foto: Pedro Revillion / Palácio Piratini

Rachel Duarte

Dia 27 de novembro de 2012 entrou na história com a assinatura do protocolo de repasse dos primeiros documentos oficiais que abrirão investigação sobre o atentado do Riocentro, em 30 de abril de 1981. “Um documento como este desmascara a versão do estado ditatorial militar, no sentido de que Rubens Paiva (ex-deputado federal) e tantos outros eram foragidos. Não. Eles foram mortos em território controlado pela ditadura militar”, afirma o integrante da Comissão Nacional da Verdade, Cláudio Fonteles.

A revelação dos documentos, encontrados no escritório do coronel Julio Miguel Molinas Dias, ex-comandante do Destacamento de Operações Internas do Exército no Rio durante o Caso Riocentro, assassinado em Porto Alegre no dia 1º de novembro, ocorreu em solenidade oficial no Palácio Piratini, nesta terça-feira e será o ponto de partida para as investigações sobre o caso do Riocentro. “Nós tínhamos registros ou documentos oficiais até agora. Este é o primeiro documento. A partir dele poderemos ir atrás de outros e abrir uma investigação”, explica Fonteles.

A Polícia Civil do RS localizou os documentos logo após os atos funerais do coronel e os dados comprovam a passagem do ex-deputado federal Rubens Paiva no Departamento de Operações e Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI), no Rio de Janeiro. Ele havia sido cassado pelo regime militar dez dias após o golpe de 1964, desaparecendo na capital fluminense em janeiro de 1971. Depoimentos já davam conta de que agentes da Aeronáutica o levaram para a sede do DOI-CODI no Rio de Janeiro, mas nunca havia aparecido nenhum documento oficial que confluísse com os depoimentos.

Documento comprova que ex-deputado Rubens Paiva foi levado para DOI-CODI, no Rio de Janeiro | Foto: Pedro Revillion / Palácio Piratini

“Num primeiro momento várias hipóteses foram aventadas sobre o crime do assassinato ao coronel ter relação com os documentos. Porém, 80% do que já apuramos aponta para um crime patrimonial. Seria uma tentativa de latrocínio com interesse nas armas que o coronel guardava em sua residência”, confirma o chefe da Polícia Civil do RS, delegado Ranolfo Vieira Júnior. E complementa: “O mais importante é que a Polícia Civil, usada naquela época, foi a responsável pela apreensão dos documentos para o estabelecimento da verdade agora”.

O governador gaúcho lamentou a memória triste trazida com o documento sobre o assassinato do ex-deputado federal pelos agentes militares, mas elogiou o trabalho da Polícia Civil. “São documentos importantes para o esclarecimento do que se passou na história do nosso país. Se fosse em outros tempos, estes documentos não viriam para as mãos do governador e do secretário de Segurança. O delegado que fez o inquérito conseguiu compreender o tipo de material que ele tinha em mãos e a importância dele para a história do país”, comentou Tarso Genro.

“A história do meu pai está inacabada”, diz filha de Rubens Paiva

Filha de Rubens Paiva, Maria Beatriz Paiva disse que documento é importante mas teme a verdade sobre o pai | Foto: Pedro Revillion / Palácio Piratini

Nenhuma autoridade presente à cerimônia manifestou tantos sentimentos em relação ao documento revelado quanto a filha do ex-deputado federal Rubens Paiva, Maria Beatriz Paiva. “A sensação que eu tenho é de que a história do meu pai é inacabada. Não tem fim. E eu acho que a Comissão da Verdade está ai para isso. Para dar o final a história de muitas famílias”, disse.

Para ela, os documentos são importantes para reconstrução da história do país e da verdade, mas não são suficientes em termos de reparação e justiça. “A questão da tortura precisa ser banida da história de qualquer nação. A Lei de Anistia perdoa os dois lados, então ninguém mexe nisso. Mas o país ficará como, diante dele mesmo e da comunidade internacional, com o perdão de crimes tão hediondos? Eu defendo que temos que se rever isso e que as pessoas (que cometeram crimes em nome da ditadura) sejam punidas”, cobrou.

Ao ver o documento, Maria Beatriz recordou 40 anos atrás, quando era uma menina de dez anos e sem compreender o porquê, se viu crescendo sem a presença do pai. “Ao ler o documento surgiu tristeza. A listagem de objetos que ele possuía eu me lembro bem. É como se ele tivesse se materializado de novo. Na época eu fui poupada da verdade por ser a filha menor. Lembro-me da minha mãe dizer para eu ficar no meu quarto. Meus avôs me acalmaram e disseram que eles iriam para um interrogatório e que logo voltariam. Na escola os coleguinhas perguntavam sobre meu pai e eu não conseguia dizer que ele estava preso. Uma pessoa presa é criminosa e ele não era criminoso”, contou.

Apesar de naquela época não falar a verdade, hoje Maria Beatriz sente orgulho da luta do pai pela democracia no país. Mas ainda convive com fantasmas dos anos de chumbo. “Eu não sei onde ele foi enterrado e não sei se estes documentos darão conta disso. Dependerá de novos pareceres e pessoas que estejam dispostas a falar. Eu temo pela verdade. Existem teses de que o corpo foi destruído. Para uma filha não é muito bom saber”, falou.

Governador Tarso Genro disse que se fosse em outro momento, os documentos localizados pela Polícia Civil poderiam chegar ao governador | Foto: Pedro Revillion / Palácio Piratini

A Comissão Estadual da Verdade foi instalada no Rio Grande do Sul para complementar o trabalho da Comissão Nacional na busca de informações sobre os crimes da ditadura militar. Por esta razão, outros documentos e possíveis provas sob a guarda das forças militares não podem ser acessados pelo estado, explica o governador gaúcho. “Não podemos acessar documentos que estão em poder de um organismo federal. Nossa comissão foi montada para apurar o sistema repressivo dentro da estrutura do estado do RS. Não temos jurisdição nacional”, ressaltou Tarso Genro.

O membro da Comissão Nacional da Verdade, Cláudio Fonteles, apelou para que familiares e outros sujeitos que tenham documentos ou informações sobre os crimes do regime de exceção colaborem com o trabalho. “Apelamos aos familiares de vítimas que façam o gesto de confiança em entregar documentos à Comissão para que possamos reconstruir a história do país”, salientou.“Todo ato de busca da verdade é um ato de reconciliação da nação. E a reconciliação só é possível dentro da verdade. As pessoas devem assumir suas responsabilidades de forma pública. Aqueles que lutaram pela democracia assumiram publicamente suas posições e narraram as torturas que sofreram. Mas o outro lado da história não está contado. E a sociedade atual tem que saber. Só assim a democracia se firmará e o estado de direito irá imperar de maneira plena”, argumentou o governador gaúcho.


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