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30 de novembro de 2012
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21:49

Apartheid israelense é debatido por militantes e especialistas no FSMPL

Por
Sul 21
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Além de falas dos palestrantes, público assistiu vídeo da ativista feminista e anti-racista Alice Walker | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Natália Otto

Muros foram o assunto de uma das conferências do segundo dia do Fórum Social Mundial Palestina Livre, nesta sexta-feira (30). Para além do muro físico do apartheid israelense, palestrantes brasileiros, sul-africanos e palestinos discutiram os muros intelectuais, emocionais e econômicos que cercam a vida dos palestinos e outros povos em situações de opressão.

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A conferência “Por um mundo sem muros, bloqueios, discriminação racista e patriarcado” ocorreu na Usina do Gasômetro. Além das falas dos palestrantes, o público assistiu a um vídeo enviado pela ativista feminista e anti-racista Alice Walker, vencedora do Prêmio Nobel da Literatura. Alice, cujo ativismo em prol da Palestina é bastante reconhecido, gravou um depoimento afirmando que gostaria de ter vindo para o Fórum e agradecendo a união de esforços pela defesa da Palestina.

Sul-africano pede cuidado no uso do conceito de apartheid

O primeiro palestrante, o sul-africano Stiann Van Der Merwe, membro do Comitê de Solidariedade à Palestina, abordou um assunto conhecido em seu país: o conceito de Apartheid. Ele pediu cuidado na utilização da palavra para se referir às políticas israelenses: “Quando falamos sobre apartheid, acho que há alguns problemas. Nem todos sabem o que é apartheid”, afirmou, perguntando aos jovens da plateia, em tom de brincadeira, se sabiam o que foi o regime de segregação racial na África do Sul.

“Apartheid não é apenas uma questão de segregação, mas de opressão e dominação”, considerou Der Merwe. “Ao usar a palavra apartheid, devemos ter cuidado para não usá-la apenas com cunho emocional”. Para ele, a comparação muito fácil entre Israel e África do Sul não é exatamente correta.

“Por favor, não usem a questão do apartheid apenas para comparar os sionistas com a África do Sul. A África do Sul não têm posse autoral sobre o crime de segregação racial, e comparar um regime ao regime sul-africano não é um teste para saber se algo é apartheid ou não”, alertou.

“O primeiro muro que precisa cair não é o físico, aquele do qual tiramos fotos. É o muro da mente dos sionistas”, disse Stiann Van Der Merwe | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Der Merwe afirmou que apartheid é, antes de tudo, um crime contra a humanidade. “Quando falamos do regime de segregação de Israel, devemos ter em mente que estamos falando de lei internacional”. Ele citou a convenção das Organizações Unidas que, nos anos 70, descreveu o crime de apartheid como uma forma sistemática de discriminação racial com o objetivo de dominar e reprimir outro grupo étnico. Para o sul-africano, utilizar a linguagem técnica e legal, ao invés de usar o conceito de apartheid como uma ofensa generalizada à Israel, dá legitimidade ao argumento.

Der Merwe falou ainda sobre o significado social do muro do apartheid e sobre as outras barreiras a serem rompidas pela causa palestina: “O primeiro muro que precisa cair não é o físico, aquele do qual tiramos fotos. É o muro da mente dos sionistas”, falou. “E eu prometo a vocês, esse não é fácil de cair, e o processo é extremamente doloroso. Eu sei disso, sendo um homem branco sul-africano”.

O palestrante falou que é necessário romper com o ódio pelos israelenses sionistas. “Os muros de dentro de nós são os mais desafiadores. A luta contra o apartheid israelense não é para esmagar outros seres humanos. E precisamos entender: sionistas são seres humanos”, afirmou. “Eles são meus irmãos e irmãs e essa luta existe por esse motivo: para reafirmar nossa humanidade”.

“Capitalismo é o maior dos muros”, afirma presidente da CUT

O Presidente da Central Única dos Trabalhadores, Vagner Freitas, lembrou do papel do capitalismo na opressão de todos os povos. “A dominação é uma questão da organização da economia mundial: a raça humana está a serviço do capitalismo, que, por si só, é o maior muro que podemos ter”, afirmou.

Para ele, o capitalismo financista e consumista individualiza o ser humano e não valoriza o coletivo, fomentando intolerâncias de raça, classe e gênero. “Para diminuir os muros e termos uma vida calçada na solidariedade, precisamos mudar o sistema de produção”, argumentou.

“Há uma campanha de desinformação sobre a palestina”, diz professor da USP

Para o Professor Paulo Daniel Farah, professor da Universidade de São Paulo (USP) e direitor presidente da Biblioteca do Centro de Pesquisa da América do Sul e dos Países Árabes, a educação e a cultura são a chave para a desconstrução da ideia de que não há abusos de direitos humanos na Palestina ou de que há uma necessidade de tornar civilizados os povos da região.

“Houve toda uma construção teórica para criar estereótipos a respeito dos palestinos, para que as violações de direitos humanos não fossem vistas como abuso”, afirmou o professor, estudioso da cultura árabe. “A maioria do que se fala sobre a região não tem nenhuma relação com a realidade. Há uma campanha pela desinformação a respeito do conflito e do povo”, acusou.

Farah afirmou que, diferente do que se divulga, a Palestina tem uma cultura muito forte. “No início do século XX, havia lá uma sociedade muito dinâmica. Houve um mito que falava de uma terra sem povo para um povo sem terra, mas a Palestina era habitada, e continua sendo, por uma sociedade extremamente vibrante”, reforçou o professor.

Conferência “Por um mundo sem muros, bloqueios, discriminação racista e patriarcado” ocorreu na Usina do Gasômetro | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Para ativista palestino, os muros pretendem expulsar o povo de seu território

O ativista palestino Jamal Juma, coordenador da Campanha de Base Anti-Apartheid e membro do Comitê Contra o Boicote da Palestina, falou ao público sobre o real objetivo do muro construído por Israel, em sua opinião: a expulsão dos palestinos dos territórios ocupados.

“O objetivo do muro é isolar as pessoas. O que eles querem é matar o movimento de resistência e tornar a ocupação cada vez mais constante”, afirmou. “E não se trata apenas de acabar com a resistência: é uma estratégia de limpeza étnica”. Juma citou uma fala do ex-primeiro ministro israelense Ariel Sharon, na qual ele lamentou o fato de não ser mais possível “colocar pessoas em um ônibus e jogá-las para foras das fronteiras, mas afirmou que “hoje já há condições para convencer os palestinos a deixarem suas terras”.

Para Juma, o que os muros construídos fazem é tornar a vida de quem mora dentro deles insuportável, incitando, assim, a “migração voluntária”. Juma informou que, em 2002, há havia mais de 16000 checkpoints entre cidades e vilarejos palestinos, e mais de 50 retroescavadeiras com o objetivo de terminar a construção o mais rápido possível. De acordo com Juma, não raro corpos de mártires enterrados são removidos para a construção da parede. “A resistência se dá através da crianção de obstáculos para o muro”, contou o palestino.

Membro do conselho legislativo da Palestina pede paz e estado soberano

Representando os “palestinos e palestinas que me elegeram”, Fayezz Saqqa, membro do Conselho Legislativo da Palestina, iniciou sua fala comemorando a decisão histórica da ONU, ocorrida nesta quinta-feira (29), de alterar o status da Palestina.

Saqqa falou de sua experiência com o muro e lamentou o fato de poder enxergar a cidade de Jerusalém de sua varanda, mas não poder entrar nela sem passar por um portão com guardas israelenses. “Nós queremos nosso país, nosso estado de volta. Queremos ficar nesse 22% de terra que sobrou da Palestina”, clamou. “Nunca na história uma nação abriu mão de 70% de seu território, e espero que nunca aconteça de novo”.

“Estamos sofrendo há cem anos”, lamentou o político. “Meu pai morreu sem nunca ter visto a paz. Eu tenho 60 anos e nunca vivi um dia de paz. Mas espero que meus filhos conseguirão, um dia, viver em paz”, afirmou Saqqa.


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